Deserto Mortal

4K 230 49
                                    

                Para o amor de minha vida, Joana, cheia de conselhos e piadas inteligentes.

          Os músculos doloridos. As pernas queimando. A respiração rápida, arfando. Sentia o coração saltando pela boca. O suor pelo rosto fazia o cabelo grudar e dificultar a visão. Quanto tempo mais...? Quanto mais meu corpo iria aguentar? Eu não tinha como saber, não com certeza total, a única coisa que eu sabia era que tudo estava chegando ao fim. Porque eu implorava por descanso, uma pausa que fosse. Aquela fuga já estava se arrastando há muito...

  Eu precisava parar, precisava!

  O problema era o som bem em minhas costas. Gritos, muitos gritos. E outras coisas que nem mesmo pareciam humanas. O maior problema eram os sons que não saíam de mim. Era por isso que eu tinha que continuar fugindo. Estava correndo para sobreviver. Para escapar daqueles monstros que me perseguiam incansavelmente.

  Meus passos martelavam o chão enquanto eu corria com forças desconhecidas. A vontade de continuar viva era o que me impulsionava, era o que me fazia ignorar as dores em minhas pernas. Mesmo que muitas vezes minha consciência parecesse deslizar pelo caminho, meu corpo não parava. Quase caía, isso é bem verdade!, mas eu sabia que não podia me permitir isso. Eu não podia parar, não podia nem mesmo olhar parar trás, cada segundo era precioso!

  Se eu olhasse para trás acabaria morta.

  Assim que esse pensamento cruza minha mente mãos agarram meus ombros num aperto forte. Meus olhos se arregalam por causa do pânico e um grunhido escapa por meus lábios. Meu captor de mãos grudentas me faz voltar para onde eu não podia. Meus joelhos quase cedem ao brusco movimento e quase sou lançada pelo ar. Quase. Firmando melhor os pés na areia macia, levo minha mão para o pulso que me prende. Seguro aquela carne mole e cheia de falhas (ferimentos que ainda vertem sangue quente) e faço o que deve ser feito.

  — Me larga! — gritei ao girar meu corpo, já empunhando minha faca com minha outra mão para cravá-la na cabeça do sujeito.

  O arco prateado que a lâmina criou ao cortar o ar apareceu e sumiu no mesmo segundo. A vibração causada pela ponta da faca dividindo tecidos macios até encontrar (o que talvez fossem) ossos fez com que um arrepio me agitasse. Sangue espirrou do novo e profundo ferimento naquele homem. Aquele escuro líquido veio em uma explosão, e o sangue escuro manchou o chão e minhas mãos. O cheiro de ferrugem pareceu encher minha boca, isso revirou meu estômago, principalmente por estar unido ao odor desagradável que eles possuíam. Lutando para não vomitar, puxei a faca do mesmo jeito que a enfiei ali, tirando-a rapidamente da têmpora do homem, e ele caiu aos meus pés.

  Na pouca luz do amanhecer não consegui distinguir quase nada além da crescente mancha negra ao redor da cabeça dele. Sangue. Sangue de gente infectada. Eu poderia ficar olhando para aquilo por indeterminado tempo, poderia aproveitar aquele descanso, mas os gritos que vieram junto com o vento cheio de areia me alertaram de que outros como ele estavam próximos. E então voltei a correr, quase desabando quando tropecei em meus próprios pés.

  Apertei o cabo da faca que tinha nas mãos, só então percebendo o quão dormentes e úmidos meus dedos estavam. Eu estava em meu limite... Precisava chegar em um dos lugares em que eu poderia me esconder ou tinha de despistá-los. Lutar ou continuar fugindo não eram opções. Não dessa vez. Me conhecia o suficiente para saber que poderia cuidar de todos eles, sim, mas apenas quando não estivesse tão desgastada. E ainda havia aquela dor em minha cabeça, aquela tosse. As chances eram baixas. Ir contra seria estupidez.

EM REVISÃO • Deserto MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora