Armário Mortal

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  Acordou com um barulho agoniante. Piscou algumas vezes, tentando fugir da sonolência e do clarão do dia.
  Se ergueu pegando impulso com as mãos. O corpo travando, doendo a cada movimento.
  Se moveu mais devagar, soltando um suspiro.
- Ah... Finalmente resolveu acordar. - Novamente o som que acordou Minho - Estou feliz em ver que você não caiu daqui de cima enquanto dormia.
- Kathy, suas piadas são horríveis. - Minho bocejou.
- São melhores que as suas - Disse e depois tossiu de novo.
- Você está doente. - Afirmou se virando para ela.
- Não, estou apenas tossindo. É a poeira do deserto. Sabia que você ronca?
- Você tem um jeito sutil de mudar de assunto... - Ironizou ele.
- É sério! - Disse ela erguendo os braços. - Parece que você tem um bolo de catarro acumulado aí! - Apontou para o peito dele.
- Vejo que você recuperou seu bom humor... - Ficou de pé, e começou a alongar os músculos doloridos.
- Domir faz milagres. - Kathy pegou a mochila e começou a revirar os objetos que ali se encontravam.
  Minho observou como as mãos dela estavam manchadas em vermelho. Sangue seco. Observou ela tirar duas facas da mochila e colocar ao seu lado. Por um momento considerou se era mesmo sortudo de ter se perdido com ela.
- Eu vou tirar a gente daqui. Mas não me atrapalhe. - Disse Kathy de repente.
- Você quem manda, capitã! - Ironizou ele fazendo uma referência forçada.
  Kathy apenas revirou os olhos e tirou duas latas e dois pequenos tubos negros da mochila. Segurou um e entregou a Minho o outro. Eram lanternas.
- O sol não está iluminando bastante? - Disse ele se sentando ao lado dela. Pegou uma das latas e abriu com uma faca que ela lhe entregou.
- Fique com essa faca e a lanterna. E não perca. Já perdi uma hoje, nem sei em que momento. - Reclamou ela.
- Aqui - Minho tirou a mochila das costas e pegou do bolso do lado o objeto. - Eu peguei quando você caiu. Quando te encontrei.
- Obrigada - Ela disse sem olhar para ele. Pegou a faca e a guardou na mochila.
Os dois comeram o que tinham. Minho ofereceu os legumes e frutas de sua mochila, que o Homem-Rato lhe tinha dado. Kathy tinha comidas enlatadas e quase gritou ao ver as frutas. Comeu as que Minho lhe deu com tanto prazer, que nem mesmo parecia a mesma garota.
- Você não tem ideia de como eu amo frutas! - Disse sorrindo. - Só pude comer poucas vezes na vida... Onde você conseguiu essas?
- Se eu contar você não vai acreditar. - Minho se levantou e começou a andar até a beirada do palco, olhando as arquibancadas e a quadra logo abaixo. Estava surpreso com o silêncio e a calmaria que se seguia ali. Parecia que os Cranks não tinham invadido o lugar. Só o armário caido no chão denunciava que estiveram ali um dia.
- Mas me diga! - Insistiu Kathy.
- Consegui com o CRUEL.
  Ela ficou em silêncio. Depois perguntou:
- Então quem é você?
- Bem, eu? - Disse ele olhando para baixo
- É um Privilegiado! - Gritou uma mulher se atirando, com os braços esticados para cima, sobre Minho.
  Mãos agarraram os ombros de Minho. Quase jogaram o garoto sentado. Era Kathy que o puxava para trás, na direção oposta a mulher enlouquecida.
- Disse para não ficar na beirada! - Gritou a jovem.
  Abaixo deles, a mulher berrava enfurecida. Cheia de feridas e sangue. Mesmo de longe, ela cheirava a carne podre.
  Então olharam para frente. De todos os lados, Cranks saíam. Seus gritos voltando a dominar o lugar.
- Era uma armadilha! - Kathy pegou a mochila e jogou os objetos que havia tirado dentro.
- O que quer dizer com isso? - Minho repetiu o ato - Acha que eles armaram isso?
- Você tem de aprender, eles são loucos. Mas não são burros. Não duvide deles. Nunca. - Ela apontava o dedo para ele. - Temos de ir embora.
  Minho olhou para os quase 15 Cranks abaixo. Parecia que haviam chegado enquanto dormiam.
- Você quer passar entre eles?
- Se você quiser tentar, fique a vontade! - Disse ela andando para parte de trás do palco. - Sabe, esse lugar era usado para prática de esportes. Mas também era usado para shows. E, bem, os artistas não subiam nesse palco como nós subimos.
  Minho olhava para as pessoas completamente loucas na parte baixa. Viu dois deles se afastarem. Kathy pareceu perceber a movimentação estranha, já que havia ficado calada.
  Os dois, e agora mais uma mulher, andaram até o armário caído na entrada. Deram a volta nele, ficando de frente para o palco e de costas para a entrada do ginásio. Por um momento, Minho imaginou que eles sorriam enquanto olhavam diretamente para ele.
  Se abaixando, os três empurraram a madeira para frente. Outros correram para ajudar.
- Minho... - Kathy chamou. - Lembra o que eu disse sobre eles não serem burros...?
- Não me me diga que...?
- Sim, eles vão fazer isso mesmo... Vem, a gente tem que sair daqui agora!
  Kathy puxou Minho pelo braço. chegaram a uma pequena passagem que levava para uma especie de quarto. O lugar exalava o cheiro de bolor e era abafado.
- Tem uma escada e uma porta aqui que levam para a rua de trás. É nosso único jeito de sair daqui. - As paredes próximas ecoavam a voz de Kathy.
  Minho deu uma última olhada para a quadra. O armário já tinha sido arrastado até mais da metade do caminho. Não demoraria muito e eles estariam usando o objeto como uma escada, subiram no palco e os dois jovens não teriam saída.
- Vai ficar aí parado? - Kathy chamou, pisando em um alçapão, arrebentando a fechadura e logo descendo por um buraco no chão.
  Ao chegar perto, Minho viu como era escuro. Uma única luz, a da lanterna de Kathy, era vista. Sem escolha, desceu os degraus seguindo a menina. Olhou para ela e percebeu o brilho prateado em uma das mãos dela. Uma das facas apontada para frente de um jeito perigoso.
- O que tem aqui em baixo? - Sussurrou Minho. Não gostava nem um pouco daquela sensação. Lembrava o momento em que chegaram ao deserto, andando por um túnel escuro com bolas metálicas que poderiam arrancar sua cabeça.
- Eu não sei... - Murmurou Kathy em resposta.
  Ficaram em silêncio, ouvindo o móvel ser arrastado na outra parte. Além do som perturbador, haviam os gritos das pessoas que ali estavam.
  Depois de descerem mais um pouco, chegaram a outro cômodo. Também parecia um quartinho. Mas esse era mais escuro e mais abafado ainda. Minho começou a suar. A camisa, rasgada na parte das costas, grudando na pele.
- Tá legal, e agora? - Indagou ele.
  Kathy pareceu abrir a boca para responder, enquanto a lanterna varria o lugar, quando a luz encontrou um garoto já se jogando em cima dela. Gritos se seguiram. Kathy estava no chão com alguém sobre ela.
  Minho registrou tudo rapidamente. Ergueu uma perna e chutou o menino na região do estômago.
  Com o impacto, o Crank do porão foi arremessado alguns metros, rolando até ficar de barriga para baixo. As mãos sobre as costelas enquanto respirava pesadamente.
  Kathy já estava de pé e apontava a faca na direção do jovem Crank. Minho pegou a lanterna do chão e virou para o outro garoto.
E realmente ele não passava disso. Parecia ter a idade deles, talvez já tivesse 20 anos. Tinha cortes em todo o corpo, as roupas rasgadas e sujas. Os olhos injetados de sangue iam de um lado a outro, totalmente perdido em sua loucura. E, mesmo em desvantagem, ele atacou novamente.
  Minho viu ele parar a poucos passos de Kathy. Seus olhos fixos nela. Ele cambaleou para o lado, e seu pescoço deixava um liquido escorrer manchando sua camisa ainda mais. De repente, por poucos segundo, ele pareceu lúcido.
- O-Obrigado... - Gaguejou ele antes de cair. O sangue formando um pequeno lago negro ao redor dele.
  Kathy se virou para Minho. Estava claro para ele que ela, em algum momento, havia cortado a garganta do garoto. Mas nada o preparou para vê-la naquele momento.
- Vamos embora - Disse ela com o rosto cheio de sangue. Algumas gotas escorriam formando lágrimas vermelhas.
  E antes que ele pudesse dizer algo, ela andou até um dos cantos do quarto, parando em frente a um retângulo escuro.
Minho iluminou a área e encontrou uma porta verde e gasta pelo tempo. Uma maçaneta dourada, onde Kathy pôs os dedos manchados de vermelho.
  Passando por cima do garoto morto, e se juntando a Kathy em frente a sua passagem para a liberdade, Minho respirou fundo.
  Atrás deles, os gritos e sons de algo sendo arrastado se tornaram mais próximos. E a cada segundo ficavam mais ainda.
  Com um movimento, Kathy abriu a porta. Um rangido alto acompanhou sua abertura, como se a porta reclamasse por estar sendo usada outra vez.
  A luz do sol, a poeira, o vento.
  Minho recuou um passo. Fechou os olhos, piscando e colocando uma mão sobre eles.
  Ao seu lado, Kathy tossia.
  Tentou olhar para frente, mas o vento soprou um pouco mais forte e não o permitiu. Foi quando ele sentiu um cheiro que o alertou.
  O mesmo cheiro que sentiu quando viu a mulher, ao acordar, minutos antes.
  Cheiro de carne podre.

EM REVISÃO • Deserto MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora