Mortes Necessárias

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  O cheiro era horrível. Tanto que fez Minho abrir os olhos. Forçou a visão, lutando contra a claridade e o vento carregado de grãos de areia.
  Quando seus olhos se acostumaram, recuou alguns passos. Viu, com o canto do olho, Kathy apertar a faca e também dar um passo para trás.
- Estavam pensando em dar uma volta? - Perguntou um dos dois homens parados de frente para eles, debaixo do sol quente. A pele esverdeada brilhando de um jeito nojento.
  Um não tinha o olho esquerdo, e o buraco vazio despejava sangue fresco que escorria em direção à boca do sujeito. Parecia que o homem não se importava, embora o ferimento parecesse recente. O outro tinha um buraco em uma das bochechas. Minho, olhando para aquele lugar, podia ver os dentes sujos e a lingua do homem. Saliva negra descia lentamente dali para o queixo e manchava o pescoço cheio de feridas purulentas.
  Como se não bastasse, o som do armário chegando arrastado agora estava bem alto. Seria questão de tempo até todos os Cranks da quadra se juntarem a eles.
  O homem do rosto ferido deu um passo. Minho percebeu que ele arrastava uma perna. Talvez poderiam empurra-lo e sair correndo...
  Kathy deu um suspiro e em seguida grunhiu. Um som de raiva. Minho olhou para ela preocupado. Mas virou o rosto para frente quando ouviu algo metálico cortar o ar. Seguido de um "Thunk!".
  Arregalou os olhos ao ver o homem do buraco na bochecha dar alguns passos em falso. Através de sua bochecha, Minho via algo prateado brilhar dentro da boca do homem. Um plástico negro aparecendo na bochecha boa. Olhou para Kathy de novo e viu o braço dela esticado na direção do homem. Ele caiu de bruços e Minho viu a ponta da faca aparecer em sua nuca. O cheiro de sangue inundou o lugar.
  Kathy já puxava outra faca da mochila e voava para cima do outro Crank. Ele nem mesmo teve tempo de entender o que acontecia. Teve o peito cravado em segundos.
- Você é maluca... - Disse passando por cima dos cadáveres.
- Se os deixar vivos, vão nos seguir. - Justificou ela. - Sem contar que não estou apenas matando, estou libertando.
- É uma ótima desculpa! Você os mata para os tirar de seu sofrimento. Incrível! Só espero que você não queira me "libertar" de nada.
- Não podemos ficar mais nenhum minuto aqui! - Kathy arrancou a faca da cabeça do Crank e a outra do peito do segundo homem.
  Como se pra confirmar o que ela dizia, eles ouviram os Cranks chegando. Haviam conseguido usar o armário para subir, de algum modo.
  O primeiro deles já atravessava a entrada da escada. Em segundos estaria lá em baixo.
- Corre, Minho! - Gritou Kathy puxando ele para fora.
- Eu vou pegar! - Dizia o Crank. - Vou pegar uns privilegiados!!!
  Minho e Kathy atravessaram a porta. O sol queimando cada célula do corpo dos dois. A areia parecia puxar seus pés para trás. O vento também os empurrava. Parecia que todo o lugar não queria que eles se fossem.
  Correram pelas ruas, dobrando em algumas esquinas. Mas os Cranks não desistiam, embora já estivessem em menor número.
- Kathy, o que faremos!? Eles não vão desistir nunca? - Ofegante, Minho perguntou.
- Vem comigo! Me siga! - Sem esperar uma resposta, a garota já dobrava para a direita e corria a toda velocidade em linha reta.
- Não podemos nos afastar muito! - Minho disse. - Tenho de encontrar meus amigos!
  Os passos de Kathy falharam um pouco. Ela olhou para o garoto e, com uma voz seca, disse:
- Seus amigos já estão mortos.
  Os joelhos de Minho dobraram. Quase caiu, se sustentou com a ponta dos dedos e voltou cambaleando.
- O que você disse? - Contra todo o plano, ele parou e agarrou Kathy pelo braço. Com o movimento inesperado, ela se chocou contra o peito dele. Pela primeira vez ela percebeu como era menor que ele. - Nunca mais abra essa maldita boca de mértila para dizer isso!
- Você está me machucando. - Se libertou do aperto dele com um puxão. - Estou apenas dizendo a verdade! E mesmo que eles estejam vivos, o que te faz pensar que eles estão te esperando? Pensa bem! Seria um milagre se estivessem vivos! Eu vi como estavam andando tranquilamente pela cidade de manhã. Se eu não os tivesse avisado, até mesmo você já estaria morto! Eles já foram embora! Te deixaram!
- Não fale do que você não sabe. - Sussurrou ele. - Aqueles idiotas não abandonam ninguém para trás. A menos que não tenha mais chance nenhuma. Eu esperaria se um deles desaparecesse. Com certeza eles sabem disso. Vai por mim, eles fariam o mesmo por mim. E é por isso que eu vou procura-los. Não vou abandonar meus amigos.
  Os dois se encararam por um tempo.
- Se sair andando sozinho nessa cidade - Kathy disse depois de um suspiro - , vai morrer em menos de 30 minutos.
- Mas vou morrer tentando. - Replicou ele.
  O som dos Cranks se aproximando ao fundo fizeram Kathy sorrir. Minho achou que ela já estava ficando louca.
- Você é bem determinado. Vai acabar morrendo por causa disso. Se você quer tanto achar seus amigos, vá.
- Eu realmente vou. Mas quero que venha comigo. - Podia ser uma garota louca, mas Minho tinha decidido que gostava dela.
- O que? - Disse ela surpresa.
- Kathy, será que pode decidir isso rápido? - Deu um olhar para a esquina, mas não viu os Insanos em lugar nenhum.
- Eu não vou com você.
- Kathy, se você está no deserto, deve estar infectada pelo vírus. O CRUEL me mandou para cá, meus amigos e eu. Nos prometeu uma cura. Mas só se chegarmos a um lugar.
  Kathy tinha os olhos bem abertos. As sombrancelhas arqueadas em espanto. Mais uma vez ela segurou um braço de Minho e o arrastou pela rua.
- Temos muito que conversar! - Disse ela.
  Uma mulher dobrou a esquina bem quando Kathy entrou num beco entre dois prédios.
  Minho estancou. A garota era realmente louca. Os Cranks já estavam chegando e ela havia o arrastado para um beco sem saída.

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