Esconderijo Mortal

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  Minho ficou imóvel. Os pés cravados no chão. Tudo o que via na sua frente, era uma enorme parede de tijolos vermelhos e uma lixeira azul, quase encostada na parede à esquerda, envelhecida pelo sol. Não havia como escalar, e mesmo que tivesse como, Kathy tossia e arfava ao seu lado já esgotada pelo cansaço. Obviamente ela não era acostumada com corridas.
- Caramba, Minho! - Tossiu ela.
- O que é? A culpa é minha, agora!? - Se ele pudesse, estaria gritando. Mas sua voz falhava em meio a respiração pesada.
  Kathy lhe dirigiu um olhar de raiva e sem dizer nada andou até a lixeira.
- Você está brava por entrarmos em um beco sem saída? E ainda por cima, a raiva toda é comigo? - Disse Minho erguendo os braços.
- Não, estou brava por estar falando com você e você não me ouvir! - Retrucou ela. - Estava dizendo o que vamos fazer. - Dizia ela enquanto se abaixava e entrava num vão muito estreito entre a parede e a lixeira. - Você vai ficar esperando eles aí?
  Com os olhos semiserrados de desconfiança, não que fizesse alguma diferença, Minho se aproximou da lixeira.
- Esse é seu grande plano? Seu esconderijo perfeito? - Olhou entre o espaço procurando Kathy.
- Pare de falar e entre! - Sussurrou irritada.
  Por um momento, Minho ficou apenas olhando para o lugar. Com certeza ouvia a voz de Kathy, mas não via a garota escondida entre a lixeira e a parede, mesmo com a luz forte do sol da tarde.
  Tomado pela curiosidade, e também para fugir dos Insanos que novamente se aproximavam, quase saltou para o vão no momento que um dos loucos chegava à entrada do beco. Imaginou se fora ou não avistado. A resposta veio de uma voz rouca:
- Eu vi! Acho que vi... - Uma voz sufocada e confusa. - Na lixeira! Eu vi! Acho que vi... Era alguma coisa!
  Minho se arrastou entre o espaço apertado, seu corpo era grande para o local. Era um lugar projetado para um corpo pequeno, assim como o de Kathy. Sentiu a pele do braço se ferir na parede e a mochila bater contra o material da lixeira, criando um barulho muito chamativo.
- Ó! Eu disse!! Tem alguma coisa lá! - Disse a mesma voz de antes, só que dessa vez bem próxima.
- Kathy!! - O sussurro de Minho foi apavorado.
- Só mais um pouco... - Respondeu ela com a voz trêmula, tão baixo quanto ele.
  Passo foram ouvidos, dando a volta pelo outro lado da lixeira.
- Mért... - O xingamento em murmúrio de Minho foi cortado.
  Ele havia chegado em um buraco na parede. Tijolos quebrados em pontas afiadas formavam uma boca circular de dentes pontiagudos. O lado de dentro era escuro, embora o sol queimasse do lado de fora.
  Uma mão vermelha saiu do buraco e o puxou para dentro. Tentou resistir, mas o puxão era forte e logo ele fora envolto em escuridão, cortando a barriga no tijolo.
Teve a boca fechada pela mesma mão. O cheiro, e o gosto, de sangue o invadiu. Se debateu.
- Shh... - A pessoa fez e o soltou devagar. Minho não precisou olhar para confirmar. Era Kathy.
- Foi aqui! - A voz rouca disse. - Aqui, ó! Eu vi... Eu tinha visto... - A pessoa parecia se afastar enquanto falava.
  Tudo ficou em silêncio. Minho deu um pequeno olhar para Kathy sorrindo, estavam seguros. Finalmente eles haviam desistido.
  Seu sorriso se perdeu ao vê-la encolhida, com os joelhos apertados contra o peito, e tremendo. Tinha o olhar fixo no lugar por onde entrou.
  Confuso, Minho se voltou para olhar para o buraco na parede. Bem no momento em que ele apareceu. Um braço ferido e ensanguentado que tateava em frente ao buraco.
  Kathy deu um pulo e abafou um grito. As mãos agarrando a própria boca com força. Mas, mesmo assim, não deu tempo. Um som baixo, parecido com um guincho, foi ouvido.
- Peraí! Acho que ouvi alguma coisa! - Anunciou o dono do braço com sua voz rouca.
  Sem perceber, Minho havia parado de respirar e se afastado o máximo que podia daquele lugar. A mão ainda pulava de um lado para o outro, varrendo a entrada na parede. Parecia que a qualquer momento ela iria passar pelo buraco e eles seriam encontrados.
  Do lado de dentro, dava para enxergar, com a luz que o sol emitia. Com isso, Minho arriscou olhar novamente para Kathy. Ela ainda tinha as mãos no rosto, e um brilho nos olhos arregalados. Lágrimas. Todo seu corpo tremia.
  Minho desviou os olhos da jovem e mirou o chão, próximo ao seu pé. Pensou que estivesse delirando, mas havia um pequeno rato andando tranquilamente ali. A distração indo embora quando ele ouviu:
- Vamos tirar essa maldita lixeira daqui, então!
  Estavam mortos.
  Kathy parecia a beira de um colapso. Os dentes batendo um no outro fazendo um som baixo, que só Minho podia ouvir.
Resolveram, em silêncio, não se mover, nem um centímetro.
- Esperem! - O dono do braço berrou, e sua mão saiu do campo de visão dos jovens.
  Outra vez o silêncio. Doloroso silêncio. Cortado apenas pelos baixos guinchos do animalzinho que ainda estava passando por ali, caminhando até a claridade do lado de fora.
  Então ele sumiu, agarrado assim que colocou o focinho para o beco, através do buraco. Os guinchos silenciados quase no mesmo momento, deixando outro som preenchendo o vazio que ele deixara. Algo molhado sendo rasgado e sugado com volúpia.
  A cabeça do rato caiu bem na entrada do buraco. Um pequeno lago vermelho se formando ao redor dela.
- Era só um rato! - Reclamou a mesma voz de antes.
- Um rato? - Disse o que tinha sugerido que arrastassem a lixeira. - Você nos fez perder todo esse tempo por um rato!? Agora os Privilegiados devem estar longe! - Parecia realmente bravo.
  Novamente passos, e o som de algo sendo arrastado.
- Não, não!! - Gritava o primeiro homem. Algo fora feito com ele. Não se ouvia mais a voz ou os gritos agoniados.
- Espero que ele sirva de lição!
  E então, de novo, silêncio.
  Um minuto. Dois. Ou talvez uma hora. Minho nunca teria certeza de quanto tempo teria se passado. Mas não arriscava mover um dedo, mesmo com todo corpo doendo por passar tanto tempo na mesmo posição.
  Depois de muito pensar, resolveu agir. Se moveu lentamente até o buraco. Suspirou e se pôs para fora até os ombros. Olhou para o lado esquerdo, onde havia a entrada do beco. Não tinha nada ali, nem sinal de que Cranks passaram por lá. Virou o rosto para a direita. Seu primeiro impulso foi dar um grito. Se conteve como pôde.
  Centímetros. Apenas isso, nada mais. Bem na sua direita um homem, com cortes no rosto e alguns tufos de cabelo arrancados, olhava para ele.
  Minho engoliu em seco. Esperou ser agarrado. Decidiu em um milésimo de segundo que não entregaria Kathy.
  Esperou, mas nada aconteceu. Confuso olhou mais atentamente. Os olhos, apesar de arregalados, não tinham o brilho de vida neles. A boca estava aberta e suja de sangue, mas não emitia nenhum tipo de som. Com certeza ele estava morto.
  Com um suspiro de alívio, Minho voltou para seu esconderijo. Forçou os olhos para enxergar Kathy em meio ao breu.
- Eles se foram. - Sussurrou para ela. - Estamos salvos...
  Ficaram em silêncio. Kathy ainda olhava para o buraco na parede. Depois de um longo tempo, seus olhos foram para Minho lentamente. Estavam marejados.
- Kathy, vai ficar tudo bem. - Disse ele.
  Ela concordou com um aceno de cabeça. Mas nada parecia bem, e isso foi confirmado com um movimento dela.
  Inesperadamente, Kathy se atirou sobre Minho.
  Seus braços deram a volta em torno do pescoço dele. A cabeça da menina repousando no ombro do moreno.
- Me... Desculpe... - Disse ela com a voz embargada.
  Minho sentia o ombro úmido, Kathy estava chorando. As costas eram perfuradas pelas unhas da jovem, o pescoço apertado em um abraço de urso. Se sentia estranho, seu corpo reagia de um modo estranho. Ele mesmo não sabia explicar. Nunca esteve, ou não tinha lembranças disso, de estar tão perto de uma garota. Aquilo era algo novo para ele.
  Kathy abafou um soluço, o corpo todo tremendo. Por pouco, Minho não sorriu. A garota, mesmo naquele momento, queria se mostrar forte. Mas ele sabia que ela havia sido forte por muito tempo. E não havia motivo para aquilo agora.
  Em um impulso, como se através do Dissipador uma lembrança passasse, pôs uma mão sobre a cabeça da jovem e afagou seus cabelos. De algum modo, Minho sabia que aquilo era reconfortante.
  Kathy pareceu recuar ao toque. Depois de um segundo, ela aceitou.
  Minho passou o outro braço pela cintura dela e a puxou para mais perto. Os dois corpos colados. Kathy desabou sobre as coxas de Minho, lhe dando outra explosão de sensações estranhas.
- Me perdoe... - Sussurrava ela.
  Logo ela soluçava alto, sem se importar com nada. Seus braço nunca largando Minho. E Minho sem soltar ela.
  Naquele momento ele percebeu uma coisa: ela podia ser uma louca, assassina, mas ele realmente gostava dela. Não era culpa dela ser daquela maneira, não era algo que ela pudesse escolher.
  No fundo, Kathy era só uma menina assustada.
  Pensando assim, Minho realmente quis protege-la. Ele faria o necessário para leva-la em segurança com ele para o Refúgio Seguro.

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