Loucura Morta

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  Janson se virou lentamente. A mão ainda erguida, mas que nunca tocou o rosto de Madison. Olhou por cima do ombro.
- Ei, Trolho feio. - Sorriu, sem humor, um moreno. Escorado no batente da porta, os braços cruzados sobre o peito.

  Um calafrio correu sua espinha. O Homem-Rato havia usado uma chave, ou algo assim. Como abriria a porta?
- Mértila... - Usou outros xingamentos mais ousados. Pegou o mapa outra vez e o leu.
  Levou um minuto, ou dois, olhando para o papel. E acabou notando que uma das bordas estava rígida. A luz que vinha de baixo ajudou a ver aquela parte.
  O nome de Madison estava gravado no pequeno cartão de acesso. Aquela maluca deixou tudo preparado.

- Ora, ora. - Disse Janson.
- Que foi? Impressionado com minha beleza? - Minho abriu os braços. Deu uma pequena olhada em Madison.
- Preocupado com sua amiguinha? - O Homem-Rato seguiu o olhar de Minho. - Sua amiga traidora?
  Minho saiu de seu apoio. As costas se posicionando de forma assassina. Os dedos ficando brancos ao serem fechados, cerrados em punhos. As juntas estalando.
  Colocou uma das mãos na cintura. E tirou o objeto que Madison havia lhe pedido. Apontou para o peito do Homem-Rato.
- Dê o fora deste quarto. - Murmurou sufocado. - E feche essa calça. Não quero ver essa coisinha ridícula.
  Uma risada histérica os assustou. Madison olhava para a parede oposta e tinha os lábios curvados para cima. Começou a se erguer lentamente. As pernas tremendo fazendo com que ela buscasse apoio na parede.
- Cale a boca... - Dizia ela, em meio a risadas.
  Minho correu. Deixou o objeto cair. Seus braços esticados. Caiu de joelhos e deslizou até a menina, no momento em que ela perdeu o equilíbrio.
- Me largue! - Madison começou a gritar. - Me largue, Janson!
  Algo bateu, do outro lado do quarto. Dando uma pequena olhada para o ponto, Minho encontrou Janson abrindo a porta.
- Quer tanto ficar aqui com ela? - Ele passou para o corredor. - Então, aproveite!
- Não quero... Janson, não quero... - A garota começou a chorar.
  Minho imaginou as coisas terríveis pelas quais a garota passou. Imaginou se o Rato não havia feito algo com ela.
- Ei... - Minho disse do modo mais amável possível. - Não sou o cara de Rato. Sou eu, Minho. Eu não vou machucar você.
  Minho segurou o rosto da jovem, afastando os fios que grudavam na testa e bochechas dela. Olhou em seus olhos e repetiu.
- Minho...? - Ela pareceu acordar.
- Sim, o mesmo idiota de sempre. - Deu um suspiro e ajudou Madison a ficar sentada. - Você está terrível.
  Ela virou seus grandes olhos castanhos para Minho. Um poço de confusão e terror. Doeu em Minho vê-la daquele jeito. Rodeou os ombros de Madison e a puxou contra seu peito. A dor que estava ali desde aquele vídeo, por um momento, amenizou.
- Venha comigo. - Sussurrou ele. - Eu, eu vou dar um jeito. Faço qualquer coisa!
  Madison se afastou. Continuou sentada, mas de costas para ele. A voz saiu lúcida. Embora estivesse rouca, como se ela houvesse gritado a manhã toda. Talvez tivesse.
- O único jeito de me salvar, e se você morrer.
  Silêncio. Dor e silêncio.
  Madison conseguiu se colocar de pé. Passos trôpegos, caminhando lentamente até onde Minho deixara cair o pesado metal.
  Voltou apontando para ele o cano da arma. A mesma arma com que atirou em Thomas, a mesma que usou contra os lobos, a mesma que trouxe toda a desconfiança.
- Se você morrer... - Murmurava ela com o braço tremendo. - Se você morrer...
  Minho não se movia. Naquele momento sua mente lhe dizia que não viveria sem Madison. Para ele, não importava se morreria ou não. Doía cada pedaço seu, mas se ela morresse...
- Se você morrer, eu também vou morrer! - Berrou ela. A arma tremendo mais ainda.
  Ele sabia o que sentia. Nunca havia sentido. Mas sabia. "Talvez eu o tenha sentido... Na Sede do CRUEL, pela menina que me fazia companhia. Sim, senti isso pela mesma garota que está na minha frente agora..."
  Madison baixou a arma. Lágrimas verteram de seus olhos.
- O que estou fazendo...? - Murmurava ela. - Eu sinto! Sinto... Isso me consumindo lentamente... Estou morrendo.
- Posso ajudar. Eu trabalho com eles, descubro um modo de te salvar! Não precisa ser assim...
- Não! - A voz grave de Madison assustou Minho. - Não! Não! Não! Não!
  O medo de que Madison disparasse invadiu Minho. Sua mão, portadora da arma, era jogada de um lado a outro de modo violento. Mais uma vez, uma risadinha histérica escapou dela, enquanto seus fios castanhos era agitados pelas mãos dela. A arma, de repente, muito próxima a têmpora de Madison.
- Pare com isso! - Ele se ergueu e segurou os pulsos dela. - Vai acabar se machucando.
  Madison sussurrou algo inaudível. Soltou a arma e ela bateu contra o chão com um estrondo. Rodeou a cintura de Minho e o abraçou. Colocou a testa no ombro dele.
- Você me lembra ele... - Disse Madison.
- Ele quem? - Uma pontada de ciúme lhe invadiu. "Por favor, não diga Newt!" pensou.
- Mark, meu irmão... - Ela o apertou mais forte e sussurrou: - Ele está aqui...
  Minho não pôde deixar de vasculhar o lugar com os olhos. O Rato havia partido, só restavam Minho e Madison.
- Ele também está de branco... Tudo está em branco... - Sussurrava ela. - Trina também veio... - Madison sorriu.
- O que eles querem? - Lágrimas ameaçavam cair. Minho percebia como ela já estava...
- Mark disse que veio me buscar. Que vamos para casa. Papai e mamãe estão me esperando. - Havia felicidade na voz da garota.
  Minho afastou-se. Ergueu o rosto da menina pelo queixo. Os olhinhos infantis dela brilharam. Parecia deslocada no tempo.
- Madison, preciso que você volte. Apenas por um minuto. - Ele disse para ela. - Sou eu, Minho.
- Minho...? - Outra vez ela acordou da loucura.
  Ele sorriu para ela. Não sorriu com verdade, mas também não era mentira. Passou uma das mãos pelos cachos dela, os ajeitando de seu bolo arrepiado.
- Sim, sou eu. - Ele beijou a testa da garota. - Sempre serei eu.
- Você tem que ir... - Madison afagou a nuca do moreno.
- Não vou sem você.
- Sabe que eu não posso. - Uma lágrima escapou de Madison.
  Realmente, ela não podia. O que Minho faria? Acorrentaria, assistiria Madison enlouquecer e faria com o ela o mesmo que o CRUEL fez com o pai da garota?
  O pensamento causou um estremecimento em Minho. Inconscientemente olhou para a arma próxima ao seu pé.
- Você entendeu qual o propósito desta arma? - Indagou ela.
  Um revirar de olhos partiu de Minho. Passando as mãos pelos cabelos e pelo rosto, ele se afastou de Madison. Se virou, deu uma volta em círculo no mesmo lugar.
- Olha, - Apontou um dedo para ela. - eu não quero, entendeu? Não quero ouvir isso!
  Madison olhou para o chão. Os ombros caídos e as mãos coladas nas laterais do corpo frágil dela.
- Não fique assim... - Minho abraçou a jovem. - Só estou preocupado com você...
- Estou começando a esquecer... - Disse ela. A voz lúcida, arrastada de fraqueza. - Não lembro das coisas direito... É como se aos poucos tudo estivesse sendo apagado.
  Ficaram abraçados em silêncio por um tempo, embora Madison apertasse as costas de Minho com força. Ele sabia que ela já estava no limite. Respirou fundo. Se afastou.
- Trouxe algo. - Ele colocou uma das mãos no bolso. Entregou a Madison um papel dobrado.
  A foto de uma família feliz e unida. Madison, ainda uma garotinha, sobre as pernas de um menino sorridente, que Minho descobrira se chamar Mark. E o casal, com as mãos nos ombros de Mark, também sorrindo.
  Não deixou de pensar na própria família. Da qual nunca lembraria pela promessa que fez para Madison, quando ela ainda era Kathy.
  Suspirou vendo as mãos trêmulas de Madison tocando os rostos impressos na folha.
- Achei que você gostaria, não sei... - Minho pareceu envergonhado. Coisa que era estranha para ele.
- Obrigada. - Sussurrou. Os olhos ainda vidrados na família.
  Ela abraçou a imagem e se ajoelhou lentamente. Pegou a arma e apontou para Minho.
- Vamos parar de adiar...
- Kathy, sabe que não vou fazer isso! - Ele virou o rosto para o lado.
- Ah... "Kathy"... - Madison sorriu. - Quando vi você no Deserto, quis me manter anônima. Mesmo sabendo que talvez não lembrasse de mim. Então lembrei de Katie, a mulher que dizem que começou o Fulgor. Achei um nome bonito...
  Ficou em silêncio, mirando um ponto no teto. Minho se voltou para olhar. O pequeno Besouro Mecânico se destacava em meio ao branco da sala. O CRUEL estava os observando.
- Faz sentido que uma de minhas criações esteja aqui agora... Agora, Minho, por favor.
  A arma tremia pela força tamanha com que era apertada. A coronha contra Minho e o cano apontado para o peito de Madison.
  Minho sabia, entendeu quando viu a pistola na gaveta. Mas não queria.
- Faça. - Disse Madison.
- Não vou matar você. - Replicou o moreno.
- Não é matar é libertar. - A garota sorriu e ergueu o cano para sua cabeça.
  Uma coisa era verdade: não haveria volta. O tiro seria certeiro. Ela não poderia se valer das pomadas e cirurgias do CRUEL.
- Não estou pedindo. - Disse ela com olhos raivosos. - Também não estou mandando.
  Ela colocou a mão de Minho ao redor da coronha contra a vontade dele. Posicionou o dedo indicador no gatilho e o cano na própria testa. A foto era apertada contra o peito.
- Estou implorando... - Madison completou. - Me salve.
- Levante. - Minho tentou virar a mão, mas Madison foi rápida e o agarrou pelo antebraço.
- Faça.
- Não.
- Puxe o gatilho.
  Ela olhou dentro dos olhos do garoto.
- Não há nada que possa fazer. Então, me salve. Me tire deste sofrimento. EU quero ir... Para minha família... Por favor! Antes que eu perca meu controle! - Ela gritou.
- Eu não posso. - Minho praticamente choramingou.
- Pode, sei que pode. - Ela sorriu outra vez. - Minho, eu te amo, não esqueça. Ah, outra coisa... Eles podem querer fazer algo. Lembra do prédio onde ficamos? Volte para ele... Tem o que precisa. Pegue o que quiser. Minhas facas estão lá, minhas coisas estão lá... Se quiser lembrar de mim, passe por lá. Ou olhe as estrelas... Eu amava as estrelas, Mark me ensinou sobre elas...
  A garota olhou para a foto. Tocou o rosto do jovem que a segurava e voltou a olhar para Minho. Havia lucidez e tristeza em seus olhos. Mas também havia paz. Era o que ela queria.
  Minho soluçou. Achou que, por um momento, ele quem estava ficando louco. Não aguentaria mais. Não por muito tempo. Madison também não. O que fazer...?
- Kathy... Madison... - Minho engatilhou a pistola. - Eu também...
- Amo você. - Os dois disseram juntos.
  E o estrondo ecoou pelas paredes brancas, agora manchadas de vermelho.
  Minho a odiava.
  Entendeu isso, enquanto seu corpo e sua alma caiam em um abismo de dor. Entendeu que a odiava por ama-la.

EM REVISÃO • Deserto MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora