Desaparecimento Morto

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  Sentiu suas forças serem sugadas. O Workpad caiu de suas mãos indo encontrar o chão frio como a alma de Minho. Por um momento, ele meio que esqueceu como que respirava.
  O ar pareceu ser arrancado de seus pulmões. Tendo todo o espaço vazio preenchido pela dor. Lenta, quente e corrosiva dor. Enviada pelas veias de Minho.
  Batidas na porta o fizeram pular. Olhou para o local, mas não era ali. Achou o som próximo aos seus pés.
  Madison olhava assustada. Interessante como o WorkPad caíra, e também como Madison filmara o video, de uma forma que parecia que ela mirava a porta verdadeira.
  "Eles chegaram!" murmurou ela. "Outra vez vão me expulsar como se fazia a um leproso... Mas minha doença é quase pior. me aceitaram aqui para criarem novas Variáveis... Eu deveria saber que isso ia ocorrer... Eu os odeio..."
  "Abra a porta, Madison!" berrou alguém que não era visto.
  "Me deixem! Monstros!" ela se voltou para a câmera e seus olhos pareceram tão doces "Minho..." sussurrou, e Minho gostou de como ela o chamava daquele modo "Fuja enquanto você tem tempo... Fuja..."
  Então o video ficou escuro. O silêncio invadiu o lugar. Trouxe com ele a dor e os dois consumiram o espírito de Minho, como fogo que devora a palha em segundos.
  A vontade de fazer algo. E também de não fazer nada. De gritar, e ficar mudo. A respiração acelerava, o coração martelava contra as paredes do peito. Parecia que seu tórax abriria e seus órgãos sairiam dançando sapateado sobre o que restasse dele.
  "Se ainda não fugiu... Se ainda está aí... Venha me ver."
  A voz repentina de Madison o assustou. O video ainda não havia acabado. Embora a tela do dispositivo estivesse negra como piche.
  "Tem um mapa em minha primeira gaveta." Madison tirou a mão que cobria a câmera. "O que está com a palavra 'Cobaias' é o que contem o caminho certo para me encontrar."
  Madison sorriu. Não era uma gargalhada histérica. Não era um sorriso irônico. Não era de mentira. E Minho nunca havia visto aquele sorriso.
  "Traga a outra coisa que está perto dos mapas. Esteja pronto, pois eu estarei. Eu te-"
  Gritos e um estrondo alto foram ouvidos. Só então a tela inicial do WorkPad apareceu, anunciando o final do video.
  Sem perder tempo, se ergueu em um salto. Correu até as gavetas. Tirou tudo o que havia ali. Os papéis foram atirados de um lado à outro.
  Dutos II. Sala de Reuniões. Refeitório. Cobaias. Experimentos.
  Parou. Agarrou a folha de "Cobaias" e, ao vê-la com a tenção, quase sorriu. Nada mais era do que um pequeno Labirinto. Já estava resolvido. Uma linha verde era traçada através do mapa, em curvas e retas, terminando em um ponto que fora circulada bruscamente.
  Nada iria impedir Minho de chegar até aquele ponto. Se Madison estivesse ali, mesmo depois de todas as mentiras, pelo Fulgor que a consumia, ele iria até lá.
  Já se encaminhava para o duto frio. Voltou com um xingamento. Olhou na gaveta outra vez. Parou ao encontrar um objeto.
  Um arrepio subiu por sua espinha. Respirou fundo. Não iria admitir, mas, estava com medo. Aquele metal escuro lhe trouxe uma ideia. Basicamente, a ideia que Madison provavelmente teve.
- Ela está louca... - Murmurou colocando o objeto na cintura.
  Segurou o mapa com uma das mãos e voltou a engatinhar dentro do duto. Seus joelhos batiam contra o metal. O farfalhar de suas roupas e do papel o acompanhavam.
  Parou por um minuto para ver as direções em que seguir. Decorou algumas e voltou a se mover.
  Sua mente buscava coerência nas palavras de Kathy e nas de Madison. Realmente, se parasse para pensar, teria visto. As mudanças absurdas de Kathy. E Madison gritante e assassina na noite anterior. Sem contar que talvez houvessem uma Kathy e uma Madison. A garota, em sua loucura, criara um tipo de dupla personalidade. Teve provas de sua loucura no Deserto e na própria Sede do CRUEL. Jeff talvez ainda tivesse alguma marca para provar a força assassina da garota. Minho também tinha uma.
  Se perguntou como não havia percebido antes. Madison enlouquecia pouco a pouco ao seu lado, e ele não fizera nada.
  Um flash de memória recente atravessou em frente a seus olhos. Kathy o encarando de uma mesa, em um prédio arruinado no Deserto, onde ela o olhava inocente e perguntava: "Quem é...". Não terminou a frase, e Minho, agora, imaginava se um "você?" não a terminaria. Outra, no Berg, onde ela fazia o mesmo, antes de deitar com ele em uma cama.
  O momento pareceu tão distante. Toda aquela felicidade e esperança que ele sentira, vista de dentro de um duto claustrofóbico depois de lobos feitos de metal, pareceram ridículas e impensadas. Idéias tão Insanas. Isto por serem idéias de Kathy, a garota que era a Madison, do CRUEL.
  A garota que a cada segundo dava mais um passo em direção à insanidade.
  Teria ele algo a fazer?
  Faria algo pela traidora?
  Não se importava. Ela estava Infectada. E precisava dele. Era mais uma vítima do CRUEL. Tão vítima quanto ele.
  Minho bateu o rosto contra o metal próximo a sua mão esquerda. Caiu estatelado. Agradeceu mentalmente não ter ninguém por perto para ver aquilo. Notou o quanto estava molhado. Suor encharcava sua camisa e escorria pelos braços, deixando o caminho escorregadio.
- Mértila... - Disse erguendo o corpo e voltando a se mover. Literalmente deslizando.
  Chegou em um duto próximo a um quarto. Aproveitou a luz proveniente do recinto e olhou o mapa outra vez. Voltou a tatear pelos dutos e chegou em um espaço enorme. Podia andar agachado naquele ponto. Uma luz vermelha deixava tudo como que banhado em sangue.
  Grades mais pesadas foram postas ali. Do buraco de ventilação uma luz branca subia e iluminava boa parte do lugar onde Minho estava.
  Já empurrava a o gradeado para descer, mas parou abruptamente ao ver Janson passando bem abaixo das grades, entrando em uma porta que Minho quase não podia ver.
  Segurou a grade. Um grunhido baixo escapou. Janson olhou para os lados. Procurando quem havia feito aquilo. O suor começou a escorrer outra vez. O Homem-Rato deu de ombros e usou um cartão para destravar a porta.
  Minho não sabia se havia sido a luz forte em seus olhos, por um momento breve podia jurar que viu o Homem-Rato sorrir.

  A porta se fechou assim que ele entrou. Sabia que alguém iria entrar. Tinha ouvido o silvo baixo que a porta fazia quando era aberta.
  Encolheu mais ainda. Quase virando uma bola. Ficou imóvel. Deixou que os olhos ficassem sobre os joelhos, abraçando as pernas. As unhas quase entrando nas panturrilhas.
- Olá, Madison. - Disse Janson ao entrar.
  Não se moveu. Sabia, na sua parte consciente, o que ele faria. Já no seu modo inconsciente, o lado que tentava controlar, a vontade de arrancar os olhos daquele ser consumia sua alma. Poderia come-lo. Sim, come-lo... Para compensar aquele almoço e jantar terrível que tivera. Poderia pintar o quarto branco de vermelho. Usar o sangue dele... As entranhas...
  Ergueu um pouco os olhos. Viu, através das mechas cacheadas sujas e gordurentas, ele se aproximar. Suas mãos vinham desabotoando a fivela do cinto, e descendo o zíper.
- Vamos ter a diversão que você não queria... - Sussurrou ele com um sorriso.
  Janson se interrompeu próximo de Madison. Dois passos os separavam. Ergueu a mão, pronto para acertar o rosto da jovem.
- Mãos pra cima, a festa vai começar.

EM REVISÃO • Deserto MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora