Traição Morta

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  "Não é ela..."
  Sofreu. Outra vez, sofreu.
  Esperava que aquela mulher fosse Kathy. Eram tão parecidas. Mesmo que ela trabalhasse para o CRUEL, mesmo que os tivesse enganado. Preferia ser traído a ter que perde-la.
  "Se não é ela... Kathy realmente está...?"
  Ali estava ele. Se arrastando, engatinhando. O corpo estremecia toda vez que tocava nas laterais de metal gelado. Começava a sentir frio por estar dentro dos dutos.
  "Os Lobos de mértila e suas garras...?"
  Fez o que deveria ser a ultima curva. Passou pela primeira, segunda, terceira, quarta... Quinta entrada. Parou. Respirou fundo. Claustrofobia ameaçava dominar sua mente. O lugar frio, escuro e apertado parecia querer espremer seu corpo.
  "Por que Kathy fez...? Por que ela...?"
  Empurrou a pequena grade de proteção. Deslizou o corpo para fora, ficando agachado de bruços. Arfou e se impulsionou para cima, tentando ficar de pé. Bateu as costas e a cabeça. Tateando, constatou que estava debaixo de uma cama.
  "O que estou fazendo?"
  Saiu. Ficou de joelhos próximo a cama. Apoiou as mãos e se levantou. Olhou ao redor, se deparando com um quarto grande. Os sapatos vermelhos de Madison estavam no chão, perto do que parecia a porta. Sobre a cama pela qual passara por baixo, o vestido listrado estava esticado.
  Só então ouviu um chiado característico. Água correndo suavemente. Uma luz fraca era vista no chão, e era ela que iluminava o quarto escuro.
  Andou até a porta entreaberta. Não resistiu a dar uma espiada no que havia lá dentro. Desejou nunca ter feito isto.
- É feio espiar. - Murmurou a pessoa.
  De costas para Minho, a mulher estava lá dentro. Embora, agora, Madison não parecia mais do que uma garota.
  "Kathy... Que mértila! Elas são idênticas! Até nas frases..."
  Madison se virou. Não havia vergonha em seu rosto. Ela apenas continuou a lavar os cabelos.
- Madison! - Com um giro, Minho ficou de costas para ela. Gaguejou algumas vezes.
- Você não passou pelo Deserto? - Ela riu. - Acha que tem motivos para ter vergonha? O mundo está todo destruído. Ninguém liga para o que fazemos ou que deixamos de fazer.
  Minho ouviu os passos da garota se aproximando. Gotas de água colidiam com o chão próximos ao pé do moreno.
- Se vire. - Ordenou ela. - Vire-se ou começo a gritar e digo que você invadiu meu quarto.
  Engolindo em seco, Minho voltou o olhar para ela. Tentava focar nos olhos da garota. Sentia o coração acelerado.
  "Não... Não posso... Não é ela..."
  Madison o encarava sem emoções. Sem dizer nada, ela fez algo que Minho nunca imaginou.
- Quer entrar? - Ela perguntou voltando para debaixo do chuveiro.
- E-entrar on-onde? - O rosto de Minho queimava.
- No banho! - A garota gargalhou. - Estou perguntando se você quer tomar banho. O que você pensou?
- Em nada! - Disse ele irritado. - Não vou entrar aí!
- Bem, isso é você quem sabe. - Ela se virou. - Já Estou saindo. Me espere só um pouco.
  Minutos se passaram, até que Madison finalmente saiu. Estava vestida em um roupão preto, os pés descalços. Uma toalha enrolada nos cabelos molhados. Saiu com um suspiro.
- Nada como tomar um banho! - Comentou andando até uma penteadeira próxima a cama.
- É você... - Murmurou Minho.
- O que disse? - Madison se voltou para olha-lo.
  O garoto estava mirando um pequeno quadro sobre o criado mudo. Dois adultos, um jovem e uma menininha.
- Minho, me deixe explicar. - Pediu a garota.
- Agora entendo suas palavras...
  "Quando o mundo está sendo destruído e você não tem mais sua família, você tem de fazer algumas coisas para sobreviver. Você não tem expectativas de nada, então faz qualquer coisa.
As vezes coisas ruins..."
- Sabe o quanto eu sofri...? - Minho tinha o retrato nas mãos. O vidro balançava contra a moldura. Minho tremia.
- Espere, Minho, eu...
- O quanto eu Estou sofrendo!? - Berrou ele. Tinha uma vontade, quase insana, de bater na garota. - Como você pôde?
  Madison, ou melhor, Kathy se virou outra vez. A cabeça baixa. Os ombros arquearam, ficando longe da postura que ela mostrava antes.
- Eu menti... - Disse Kathy.
- Obrigado por me avisar. - Minho largou a foto com uma força exagerada. - Obrigado mesmo! Me diga, quem é você? Você ao menos sabe quem você é?
  Tossindo, ela pareceu limpar lágrimas do rosto. Estremeceu uma vez. Depois suas mãos agarraram as bordas da penteadeira. Respirou fundo duas vezes.
- Eu não tive escolha... - Sua voz saiu embargada. - Se você pudesse lembrar, entenderia...
- Ah! Agora você quer que eu lembre? - Minho ergueu os braços de modo dramático.
- Não, não quero. - Replicou ela. - Entenda, não fiz nada pensando em machucar você.
- Mas machucou.
  Dito isso, Minho deslizou para debaixo da cama e atravessou para dentro do duto. Ouviu a garota chama-lo. Não voltou. Tudo ficou distante enquanto ele se esgueirava entre as placas de metal.
  Queria de algum modo esquecer aquela... Como Newt havia chamado...? Traidora? Sim, traidora mentirosa. E agora nem mesmo sabia seu nome.
  Odiava-a. Agira mandada pelo CRUEL. Tudo não passou de um teste? Ela era um teste?
  Não importava quem ela era. Minho não queria saber mais nada sobre ela. Nunca mais a procuraria. Nunca mais a escutaria. E partir daquele momento, não a amaria mais.
  Se pegou querendo que os Lobos a tivessem matado. Como fora idiota em acreditar nela! Afinal, que criança de quatro anos fugiria do CRUEL? Claro que ela não havia fugido. Não havia roubado o Berg, nem as armas. Havia ganhado de presente. Apenas para engana-los.
  Foi quando desabou sobre os dutos. Minutos se passaram com o garoto caído ali. Algo estava errado com ele. Não era ele quem preferia que Kathy estivesse viva? Que disse não se importar se ela trabalhasse para o CRUEL, desde que ela estivesse viva? Não, não era tão fácil aceitar a verdade. Agora não sabia como a queria.
  Voltou a se arrastar, dessa vez mais lentamente, para o quarto onde ele e seus amigos estavam "hospedados". Deslizou por baixo da terceira cama e se dirigiu para o beliche que dividia com Thomas. Passou por Thomas, dormindo tranquilamente no cama de baixo, subiu e parou.
- Newt, sai do meu colchão. - Resmungou irritado para o loiro.
- Você esperou que dormissemos para dar uma escapadinha, não foi? - Newt estava esparramado sobre o beliche de cima, onde Minho dormiria.
- Cai fora. - Minho o empurrou.
  Newt segurou o braço do moreno. Os dois se encararam.
- Esqueceu que estou com raiva dessa sua cara de mértila? - Disse Minho.
- Me deixe te dar um conselho.
- Não quero ouvir. Solte meu braço.
- Minho...
- Cale a boca! - Gritou o moreno.
- Como seu amigo! - Newt também gritou.
  Thomas resmungou algo lá de baixo. Outros Clareanos também pediram silêncio. Newt soltou Minho e começou a sussurrar:
- Como seu amigo, eu só posso lhe dizer para esquecer aquela Fedelha. Você vai se arrepender muito se continuar a ir até ela. Vai se magoar mais.
  Minho o empurrou outra vez, quase o derrubando do beliche alto. Newt ficou sem apoio e saltou, quase machucando seu tornozelo outra vez.
- Não é só ela que está me magoando. - Disse o moreno.
  O loiro se moveu, indo embora. Deitou no beliche oposto. Sabia que Minho era cabeça dura. Nem mesmo tinha motivos para ter raiva de Newt. Só estava descontando nele.
  Se virando de bruços, Minho afundou o rosto no travesseiro. Estava cheirando a suor, suor de Newt. Mas não tinha outro lugar para ficar.
  Deixou sua mente vaguear através dos acontecimentos daquele longo dia.
  Kathy está morta.
  Não está.
  Kathy não é Kathy.
  Kathy é Madison.
  Madison trabalha para o CRUEL.
  E, segundo sua lembrança em forma de sonho, Madison criara os Verdugos.
  Todos os momentos que passou com a garota voltaram em sua mente. Parecia que um vulcão havia entrado em erupção dentro de seu ser. Kathy era uma lava que destruía tudo o que ele tinha. Tudo o que ele era.
  "Não é ela..."
  A carta, e as últimas palavras daquela noite, foram o grande final. Aumentando ainda mais a dor e o sofrimento de Minho, ele lembrou do "Eu te amo" que ela dissera. Mentira, tudo era mentira.
  Jamais seria o mesmo depois de Kathy.
  "Não pode ser..."
  Respirou fundo e se permitiu fazer o que queria desde que lera aquela maldita e mentirosa carta. Sentiu a garganta queimar, os olhos arderem. E então elas vieram. Não haviam gritos, nem soluços. Só eram as lágrimas caindo lentamente por seu rosto e molhando o travesseiro.
  "Ela não é minha Kathy..."

EM REVISÃO • Deserto MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora