Ciúme Morto

1.2K 116 30
                                    

  Andava como um zumbi pelo Berg. Seus passos arrastados e lentos. Um pequeno copo de plástico com água nas mãos.
  Dois Clareanos passaram por ele. Embalagens coloridas e abertas eram vistas em suas mãos. Barras de granola que acharam na cozinha da nave. Lembrou de Caçarola tentando inutilmente impedi-los de afanar os suprimentos. Mas a dispensa se encontrava cheia o suficientemente para dias.
- Ei, Minho! - Chamou alguem atrás dele. Thomas. - Cara, você está horrível. - Brincou o garoto. Embora Minho acreditasse que aquilo fosse a mais pura verdade.
- Até parece, Trolho feio. Nunca viu um espelho? - Resmungou o moreno bebendo do copo.
- E Kathy? Como ela está? - Thomas ficou sério.
- Ainda na mesma...
- Minho, sabe que precisamos dela. - Thomas o cortou. - Sem querer ser indelicado, já gastamos dois dias do prazo de Janson. Se der errado agora, se Kathy não estiver certa ou não puder mais nos ajudar, não sei o que faremos.
- Já pensei nisso. Kathy vai sair dessa. Eu sei que vai. - Ele pareceu perdido. Ficou calado olhando para o nada.
- Certo, certo. - Thomas deu um tapinha no ombro de Minho. - Vou ver os outros garotos. Até mais.
- Eu vou ver como Kathy está.
  Minho se dirigiu ao quarto onde Kathy estava. Pensava sobre a menina. Se conheceram em pouco tempo, muito pouco, mas ele se sentia conectado à ela. Os beijos que trocaram, os abraços, as lágrimas. Se Kathy partisse, Minho tinha certeza que jamais seria o mesmo.
  Sem se dar conta, chegou à porta de Kathy. Entrou sem bater. A porta deslizando suavemente sem anunciar sua entrada.
  A partir dali, Minho aprendeu uma lição importante: Sempre bata antes de entrar.
  Primeiro distinguiu duas formas diferentes sobre a cama. Duas pessoas. Uma deitada, a outra sentada. Kathy estava deitada. Os cabelos que iam até os ombros em um tom de loiro denunciaram a outra pessoa.
- Newt? - O copo de plástico sendo amassado entre os dedos de Minho.
  Em um salto, o loiro estava de pé, saindo da beirada da cama. O rosto corado, os olhos arregalados. Uma das mãos estava entrelaçada com uma de Kathy.
- Ah, oi Minho... - Ganguejou ele. - O que você faz aqui?
- O que eu faço aqui? O que você faz aqui!? - Minho subia a voz.
- Eu... Ah... Estou cuidando de Kathy.
- "Cuidando"? E desde quando você é amigo dela?
- E quem é você pra saber o que faço ou deixo de fazer? - Newt ia para cima do garoto.
  Kathy gemeu. Pareceu estar sofrendo. Os dois olharam para ela. A mão que Newt segurava era apertada fortemente. Os nós dos dedos de Newt ficando brancos pelo aperto.
- Dê o fora daqui. - Exigiu Minho, apontando a saída com o polegar por cima do ombro.
  Newt deixou a mão de Kathy sobre a cama suavemente. Passou por Minho, dando um esbarrão no ombro do moreno.
- Você me deixa com dor de cabeça... - Sussurrou ao sair pela porta.
  Minho esperou a porta ser fechada e tomou o lugar de Newt, sentando ao lado de Kathy, na borda da cama.
- Fique boa logo... - Disse Minho, ao passar uma das mãos na bochecha da garota. - Eles precisam de você.
  Por um momento refletiu sobre aquilo. Era bem verdade que os Clareanos precisavam de Kathy. Mas para Minho, era diferente.
  Os abraços, as lágrimas, os sorrisos, os beijos... Minho se sentia ligado a ela. Não podia negar, Kathy era importante para ele.
- Eu preciso de você... - Murmurou ele.
- Que coisa bonita para se dizer para uma menina...
  Tinha os olhos fechados, mas com certeza fora Kathy quem havia falado. Ela estava acordada. A voz era fraca e rouca.
  Minho ficou mudo. A garganta seca e o rosto queimava denunciando que estava vermelho. Kathy, sem avisos, moveu a mão que outrora Newt segurava. Tocou os dedos de Minho.
- Foi a coisa mais bonita que alguem me disse em todos esses anos... - Kathy fazia um esforço enorme para pronunciar cada palavra. - Posso dizer que...
- Licença! - Equilibrando um prato nas mãos, Caçarola invadiu o quarto.
  Os dois jovens tiveram um sobresalto. Kathy gemendo e pondo a mão sobre o ferimento, sem abrir os olhos.
- Viemos trazer comida para a doente. - Anunciou Newt que entrava logo atrás do Cozinheiro.
  Com um revirar de olhos, Minho se pôs de pé e se encaminhou para os dois jovens.
- Vocês viram o que fizeram? Dá isso aqui, eu entrego para ela.
- Mas de jeito nenhum! - Caçarola recuou o braço quase gastando o caldo da sopa.
  Kathy se forçou a abrir os olhos. Pareceu ficar cega sobre a luz. Newt se aproveitou da briga dos outros dois, dando a volta por eles, chegando mais perto de Kathy. Voltou a sentar na beirada da cama.
  Deu um sorriso para ela e questionou sobre o estado dela.
- Estou bem. Não temos tempo para esperar que eu me recupere... - Resmungou ela roucamente.
- Vocês poderiam sair? - Minho agitava os braços.
- Não, não podemos! - Retrucou Newt. - Kathy, você tem que comer algo, eu sei que a comida de Caçarola não é lá essas coisas, mas tudo bem?
  Kathy assentiu, sabia que os dois estavam certos. E mesmo debaixo de protestos de Minho, Kathy tomou a sopa.
- É deliciosa... - Comentou lambendo os lábios.
- Tadinha, está delirando. - Ironizou Newt, que em seguida foi atingido com um pano de prato de Caçarola.
  Terminando de comer, Kathy tentou se levantar. As mãos de Minho e de Newt pularam em seus ombros prendendo-a na cama.
- Você não pode ficar de pé. - Lembrou Newt.
- Onde a senhorita pensa que vai? - Questionou um irritado Minho.
  Depois de respirar fundo, Kathy disse que gostaria de ir ao banheiro. Os garotos se olharam desconfiados. Mas não podiam fazer nada contra aquilo. Deixaram a jovem sair.
  Vinte minutos depois, Minho, Newt e Caçarola corriam pelo Berg atrás da garota.
- Ela não pode ter evaporado! - Minho entrava em todos os lugares que podia.
- Vai ver ela desceu descarga abaixo. - Newt já estava irritado.
  De repente, o Berg rosnou como uma fera. Os três jovens se agarrando às paredes e olhando para todos os lados.
- Que mértila é essa? - Berrou Minho mais alto que o som.
  Correram por todos os lados, até achar uma porta com uma tranca como a da Casa dos Mapas. Minho girou o circulo de metal e a porta rangeu ao abrir.
- E aqui vocês... Ah, olá, meninos. - Sorriu Kathy, sentada na cadeira do piloto. Clicava em vários botões, enquanto era assistida por Thomas, Aris e Jackson.
- Kathy está nos ensinando a pilotar. - Comentou Thomas.
  Minho, Newt e Caçarola deram um suspiro pesado. Um pouco de raiva fluindo em suas veias.
- Ela nos enganou... - Newt se apoiou no batente da porta.
  Em alguns minutos, Kathy ensinou aos garotos o básico sobre os controles do Berg. Disse que deixaria metade no modo automático e os mais fáceis como manual. Fez com que ele fosse para o ar e entregou a cadeira para Jackson.
  Supervisionou por alguns minutos e então anunciou que voltaria para o quarto e ficaria deitada. Mostrou a rota que deveriam seguir e a velocidade, para que chegassem ao CRUEL em dois ou um dia.
- Muito bem, eu levo Kathy para a cama. - Minho colocou um dos braços debaixo das axilas de Kathy.
- Não, eu levo Kathy para a cama. - Newt fez o mesmo.
- Eu disse que a levaria, fique aí, e se divirta pilotando essa mértila. - Replicou o moreno.
- Kathy, com licença. - Passando entre Newt e Minho, Thomas pegou Kathy com cuidado e a guiou para fora da cabine, em direção ao corredor. - Procurem algo para fazer. Eu levo Kathy para o quarto dela.
  Quando chegaram no quarto, Jeff estava lá. Nas mãos do garoto estava a mesma mala do dia anterior.
- Você parece bem melhor. - Comentou sorrindo para a garota. - Se recupera rápido. Mas não recomendaria essas caminhadas pelo Berg.
- Só fui resolver um problema. - Kathy deixou os braços de Thomas e se sentou na cama suja de sangue.
  Jeff pegou a maleta e a abriu. Tirou algumas coisas de dentro e colocou no criado mudo.
- Você teve sorte. - Disse ele. - Aquela coisa não atingiu nenhum ponto vital. Atravessou seu corpo, mas não atingiu nenhum órgão.
- Uma vez ou outra eu tenho sorte. - Kathy sorriu sem humor.
- Vim aqui refazer seu curativo. - Com luvas nas mãos, Jeff já estava preparado.
  Ele preparou todo o ferimento. Limpou ao redor. Foi quando Kathy o surpreendeu.
- Isto aqui - Disse ela pegando um pequeno pote branco dentro da mala. - É uma das poucas coisas boas do CRUEL.
  Ela abriu o recipiente. Um cheiro forte, parecido com menta, invadiu o lugar. Kathy tirou um pouco do conteúdo na ponta dos dedos. Gosmento e branco, o líquido se fixou no indicador e no médio da garota.
  Sem perder tempo, Kathy passou a gosma sobre os ferimentos. Jeff e Thomas ficaram sem reação.
- Leve um pouco para Winston. - Disse Kathy ao terminar.
  Jeff pegou o frasco e olhou para o abdômen de Kathy. Observou a ferida secar e ficar menos inchada.
  Quase podia jurar que viu a carne se unindo outra vez, voltando a ficar intacta, como se nunca tivesse ocorrido um acidente ali antes.
- Viu, Thomas? O CRUEL não é tão ruim assim. - Kathy sorriu.

EM REVISÃO • Deserto MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora