Conversa Morta

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- É tarde para pedir desculpas?
  Minho não respondeu. Ficou parado, olhando Madison sentada em uma cadeira de frente com a cama. A garota tinha o rosto virado para o outro lado. Mas Minho podia vê-la com a ajuda das lâmpadas acesas.
- Sei que não fui uma santa. - Disse ela. - Mas quero que saiba meus motivos.
  Com as costas da mão, a garota limpou uma lágrima, rápida e grosseiramente. Manchas vermelhas surgiram em seu rosto. Minho viu que as palmas das mãos da garota estavam sujas de sangue.
- Eu não menti completamente. - Continuou. - O que disse sobre minha família é verdade. Minha mãe morreu infectada. O CRUEL deu uma bala de presente para meu pai, bem no meio da testa dele...
  Um soluço de Madison fez com que Minho quisesse abraça-la. Se controlou em ficar ali, de pé, parado.
- E meu irmão, Mark, provavelmente morreu no acidente das Chamas Solares. Ou na Inundação. Isso era o que meus pais diziam, que provavelmente ele estava voltando no Subtrans, com a amiga dele Trina, e que havia morrido... - Um pequeno, muito pequeno, sorriso se formou nos lábios dela. - Mas ele era muito esperto para isso. Acho que ele viveu bem mais que aquilo. Se bem que por vezes queria que ele tivesse morrido queimado pelo sol, a ter enlouquecido e...
  A história da garota se tornava cada vez pior. Tinha de admitir que fora ali para ouvir a verdade. Embora tivesse se esquecido de se preparar para o que quer que fosse. Madison não o olhava. Apenas continuava falando:
- Quando meu pai, que era o único de minha familia que estava vivo, soube que estavam pegando crianças, tentou de toda forma me proteger. Mas... Bem, você sabe!
  Minho, sem perceber, deixou que seu corpo sentasse sobre a cama. O cheiro de sangue inundava o ar. Porém, o garoto não conseguia dizer de onde ele vinha.
- Eu não estava Infectada. - Madison soluçou. Os ombros tremeram.
- Não precisa dizer mais nada. - Sussurrou o moreno.
- Preciso. - Retrucou ela. Respirou fundo. - Foi aqui, nesta instalação do CRUEL, que nos conhecemos. Você era menor que eu. Mais lento. - Ela sorriu. - Brigamos muito, por um tempo. Quando nos acertamos, fomos separados.
  "Você é o melhor dos Labirintos." Minho lembrou.
- Como resolvia os testes, e era um Imune forte, você foi levado para a preparação física para a Clareira. Eu fiquei como construtora dos brinquedinhos deles. - Ela revirou os olhos inchados. - Lily me ajudou. Era uma de nossas amigas. Morreu logo depois que você foi confinado. Contraiu o Fulgor e foi jogada no Deserto.
  "O CRUEL não pisa aqui. Eles jogam as pessoas neste Deserto para morrerem... isso."
- Ela amava você. De longe, qualquer um diria que eram irmãos, de tanto que eram apegados. - Madison limpou as lagrimas do rosto no ombro. - E agora você nem mesmo sabe como ela era.
- Consegui lembrar dela. - Minho anunciou. - Não sei como, uma falha no que você chama de "Dissipador", talvez.
- Me desculpe por isso, também. Lily e eu quem demos a ideia. Fomos nós que formamos o projeto. Éramos crianças e tínhamos imaginação fértil... O Verdugo, por exemplo, foi tirado de um dos meus pesadelos. Eles tinham o projeto, e eu a forma macabra dele. Do jeito que eles precisavam que ele fosse. - Novas gotas salgadas deslizaram pelo rosto da menina. - Eu me arrependo de tudo o que fiz. Mas pagarei meus pecados.
  Madison se levantou. Nas mãos, as manchas de sangue se destacavam. E a faca prateada brilhante também.
- Juro que só fiz por não ter escolha. - Murmurou ela. - Eu não tinha nada. Ninguém. Se não fosse por eles, eu estaria morta. Sentia que devia minha vida. Em parte, talvez seja por isso que fiz tudo o que queriam. Talvez por isso eu faça tudo o que eles querem.
  Ela se ajoelhou perto dos pés de Minho. Colocou a testa repousando sobre os joelhos dele.
- Menti quando disse que nunca te amei. - Madison soltou a faca próxima ao seu pé. - Te amei desde o primeiro momento que o vi. Não acreditei quando você me salvou no Deserto. Você dentre todos. Quem sabe não seja o destino. Eu gostaria de viver eternamente ao seu lado... Mas Janson me proibiu disto. Disse que eu deveria me afastar de você... Não o ouvi. Não vou mais ouvir. Não depois do que me fizeram. Depois do que ele tentou fazer.
  Imóvel, petrificado, Minho apenas ouvia. Não conseguia ter uma reação, diante das palavras de Madison.
- Aprendi tanta coisa aqui. Fiz tanta coisa aqui... - Sussurrou ela, de repente parecendo distante. - Só não esqueça que eu realmente te amo. Não posso amar, mas amo. Estou quebrando as regras por você...
  Outra vez ela começou a soluçar. Dessa vez o fazia como uma criança. Chorava alto, como no dia em que ficaram naquele buraco atrás da lixeira. Minho afastou a garota de seu corpo, e como naquele dia, sentou no chão e a abraçou.
  Ficaram um bom tempo assim. Madison interrompeu o abraço e prosseguiu a falar:
- Tenho de fingir que não te amo. Agora Você sabe a verdade.
- Não sei se posso confiar em você outra vez. - Falou Minho. A voz carregada de dor. Depois de tudo, não sabia o que era real ou não real.
  Madison segurou a mão do garoto e colocou entre seus seios. A princípio, Minho não entendeu e tentou recuar. Entretanto, a garota o conteve em um aperto.
- Isto é verdadeiro... - Sussurrou ela e o beijou.
  Fora algo único. Tão suave e ao mesmo tempo tão... Forte. No começo um encostar de lábios. Quando se deu conta, Minho já a apertava contra si.
- Sinta... - Disse ela com a respiração entrecortada. - Sinta meu coração bater por você...
  Não resistiu. Era demais para ele. Não disse nada. Apenas a beijou. Podia estar mentindo. Ele não se importava. Só a queria.
  "Kathy é uma ótima atriz."
  "Você vai se magoar mais."
  As frases de Newt giravam em sua mente. Juntamente com as de Madison.
  "Não posso amar, mas amo."
  Antes que ele pudesse decidir sobre quem ouvir, Madison se afastou. Tinha os dedos longos cobrindo os olhos. Só então a origem do sangue apareceu. Pequenos cortes eram vistos perto dos pulsos da menina.
- Você tentou se matar? - Indagou incrédulo.
- Tenho que pagar pelas coisas ruins que fiz... - Sussurrou ela enquanto outra vez soluçava. - Vá embora...
  Outra vez aquela mudança estranha. Ela ergueu a cabeça. Toda sua fisionomia havia mudado. Se contorcendo em uma careta de puro ódio. Chamas tremeluziam em seu olhar.
- Vá embora! - Gritou e empurrou o menino, saindo de cima dele.
  De vagar, Madison tinha pego a faca que estava no chão. Agora Minho se via em uma situação arriscada. Sabia que Madison, como era Kathy, podia atirar uma faca em suas costas, de olhos fechados, se ele corresse.
- Mas que mértila... - Se ergueu com a as mãos para cima.
- Vá embora! - Gritou Madison de novo. - Vá em-bo-ra!
  Minho tentou argumentar mas a garota atirou o objeto. Podia vê-lo se aproximando. Girando lentamente no ar. Minho sentiu sua respiração sair pesada pela boca entreaberta.
  Assim como fez com os Verdugos na noite no Labirinto, esperou que a faca estivesse próxima a ele e então mergulhou para o lado. O metal tocou a parede no mesmo momento em que seu corpo atingiu o chão. Os dois ecoando baixo pelo quarto.
  Ele ouviu um grito. Segundos antes de se virar, Madison já estava sobre ele. Tinhas as mãos ensangüentadas em forma de garra e investia contra seus rosto. Tentava de todo jeito lhe arrancar algo.
- Ei! - Minho conseguiu agarrar os pulsos da menina. Ela ainda se debatia, sentada sobre seu abdômen. Minho já tinha visto aquilo, quando ela perdera muito sangue. Estava fraca e, de uma hora para outra, quase nocauteou Jeff. Uma força quase... Insana.
- Maldito! - Berrava ela. - Maldito sortudo!
- Madison!! - Minho tentava acalma-la.
- Odeio você! - Ela tentou morde-lo. - Odeio!!
- KATHY!! - O grito do moreno pareceu fazer as paredes tremerem.
  A garota parou. Seus braços ainda eram fortemente segurados. Deixou a cabeça pender e os fios castanhos tocaram as bochechas de Minho. Uma lágrima caiu direto na boca dele. Madison outra vez chorava.
- Vá embora, Minho... - Murmurou ela. - Vá...
  Teve seus pulsos soltos. Mas continuou parada. Seu peso todo sobre a barriga de Minho.
- Não me ouviu!? - Gritava ela outra vez. - Vá embora!
  Deu um salto e correu para o lugar onde Minho lembrava ser o banheiro. Ouviu a porta ser batida com violência, o chão e o teto balançando diante de tal força. Mais uma vez ela gritou. Pedia para que ele fosse embora.
  Ouviu o choro de Madison invadir o quarto silencioso. Se arrastou para sua "passagem secreta" e fez seu caminho para o lugar onde dormia com os amigos.
  A voz de Madison ecoou pelos dutos e chegou até ele. Um lamento cheio de dor e tristeza:
- Minha cabeça dói...

EM REVISÃO • Deserto MortalOnde histórias criam vida. Descubra agora