Capítulo 44 - Todo prisioneiro quer fugir

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Capítulo 44 - Todo prisioneiro quer fugir

         Malévola já estava cansada da indiferença de Eli. Pensava que o homem interessado na falecida Marisol, tão desprovida de bondade quanto ela, acabaria cedendo às suas investidas, mas não foi o caso. Apesar da bruxa poder conquistar facilmente um outro homem, um que não a conhecesse, era Eli quem ela queria. Tinha seus motivos para isso, não muito bons, desprovidos de amor e carregados de desejo.

         A pior das piores trajava um vestido vinho que destacava o tom escuro e púrpura de seus lábios. Os cabelos caíam em cascata, soltos e sedosos, com largas espirais nas pontas. Sua cintura delicada estava contornada pelo tecido, e a gargantilha de pedras preciosas destacava o colo. Absolutamente linda, ela era a prova de como a maldade pode ser tentadora.

          Os terríveis olhos dela caçaram Eli, e o encontraram consertando o pé de uma mesa sobre o gramado, do lado de fora do palácio. Ela permaneceu contemplando o fadem, que exibia sua força dando pesadas marteladas contra um prego. O dia nublado o ajudou a não ficar com sede nem suar demais. Estava até fresco, uma brisa suave, como se o clima soubesse que tudo iria piorar, e oferecesse um pouco de descanso.

            Ver o rapaz trabalhar fez com que Malévola se lembrasse de certo alternador do seu passado. Com seu típico andar felino, a bruxa aproximou-se de seu prisioneiro, o convidando para entrar. Era mais uma ordem do que um pedido, ambos sabiam disso. Eli suspirou, frustrado, recolhendo as ferramentas gastas e guardando-as numa espécie de galpão à parte. Voltou-se para a mulher e foi como se sua beleza não significasse nada, de tanto desprezo por suas maldades. Ele caminhou silenciosamente até chegar ao corredor dos quartos. Parou logo no começo, deixando que ela continuasse a andar e ampliando a distância entre ambos.

- Preciso que leve um móvel do meu quarto. Acho que está com cupins - ela mentiu, apontando para o cômodo vazio.

- Qual o móvel?

- O criado-mudo.

- E não pode transportá-lo para fora com o seu dom?

- Entre, Eli - ela o ignorou e persistiu.

             O fadem era esperto o suficiente para entender que ela não tinha boas intenções. Na condição de servo da bruxa, não sabia o que fazer. Sonhava em fugir dali, mas temia tanto que Malévola se vingasse ferindo a Aurora, que esse medo o mantinha preso. Tanto sofrimento por causa de uma flor. A terrível rosa vermelha e seu poder sobre a moça que cuidou como uma filha. Ele não fugiria, tampouco se envolveria com Malévola. Olhando para os próprios pés, evitando encarar a mulher que o observava, entrou no quarto, indo até um dos criados-mudos, o que estava à esquerda da cama. Havia outro idêntico no lado direito.

- Qual deles?

- Esse mesmo - ela respondeu.

          Eli agachou-se e analisou o móvel, que estava perfeito e livre de cupins, como ele suspeitava. Tirou um incômodo jarro de rosas vermelhas de cima e o depositou em cima de um tapete, erguendo o móvel sem dificuldade. Ele se virou e Malévola tocou em suas mãos. Quase que o criado-mudo cai no chão. O rapaz fracassou ao tentar se afastar.

- Acha que pode consertar? - ela insistiu na farsa.

- Eu tenho o dom da invisibilidade. Posso lidar com cupins invisíveis.

             A bruxa gargalhou.

- A ironia é o perfeito encontro da inteligência com o senso de humor.

            Ele bufou, indo apressadamente até a porta, mas ela foi mais veloz. O fadem permaneceu com o móvel nas mãos, para evitar qualquer proximidade, usando-o como um escudo.

O Conto dos Contos - A origem dos contos de fadasOnde histórias criam vida. Descubra agora