Capítulo 47 - Coração enganoso
O rei Lúcio acordou preocupado de uma noite mal dormida. O corpo se revirava sobre a capa, os olhos fechados pareciam se esquecer de avisar à mente de se desligar dos problemas. O futuro do reino tinha que ser decidido antes do esperado e o mal-estar da sobrinha o incomodava. Solange havia explicado sobre a pressão que Malévola exercera em Aurora, apesar de ser um relato com uma pobreza de detalhes tão grande que apenas instigava sua curiosidade. Ainda assim, informou o suficiente para que o rei ordenasse que todos os criados deixassem a moça descansar.
Ele lavou o rosto com olheiras terríveis e tratou de descer para tomar o desjejum, sendo acompanhado apenas pela filha. Com a mestiça no palácio, era de fato estranho Henrique ainda não ter acordado.
- Branca, minha querida, seu irmão ainda dorme?
- Não. Ele pediu uma cesta com quitutes e deve estar por aí com a senhorita Rosa.
- O que? Mas o Henrique é mesmo...
- Habilidoso. Pelo que pude ver estavam felizes. Não precisa ficar tão nervoso.
- Apenas felizes ou felizes de modo... Intrigante?
Branca encarou o pai e sorriu. Ele parecia tão apreensivo, tão sério. Como se tivesse medo do que poderia acontecer, mas ao mesmo tempo estivesse ansioso. Talvez se visse com os próprios olhos a intimidade com que os dois estavam se tratando iria se tranquilizar. Só que isso seria assunto para depois dele comer em sua companhia. Lúcio parecia mais magro e desanimado, o que se tornou preocupante. Como a boa filha que era, barganhou com ele:
- Eu te conto se prometer se alimentar o suficiente. O senhor parece cansado. Um pão e uma fruta. Não irei negociar por menos que isso.
O rei franziu o cenho, e como uma criança, escolheu o menor pão que tinha e, habilmente, pegou uma uva.
- Uma uva? Pai, como princesa, eu exijo mais maturidade da sua parte. Pode escolher: banana ou maçã?
Lúcio encarou as frutas. Seu apetite era escasso, então teve que se forçar a comer uma maça. Em pouco tempo seria notável que sua saúde estava fragilizada, ainda que tomasse regularmente os chás especiais do Reino dos Conversadores. Talvez aquela maçã ainda pudesse ajudá-lo a esconder a doença por mais tempo, enquanto depositava toda a culpa em fadiga, insônia e preocupações. Ele engoliu os pedaços olhando nos olhos da filha. Aqueles lindos olhos ingênuos que tanto lembravam os de Sofia. Quanto tempo mais ele teria com sua garotinha? Era impossível prever.
- Boa escolha – Branca elogiou, o incentivando. – Adoro maçãs!
***
Henrique não queria permanecer nos jardins, onde seria facilmente encontrado e vigiado. Andou o suficiente para mostrar aos guardas que havia atingido seu objetivo, surpreendendo-os com a amabilidade da companheira que tanto o desdenhou. Em busca de mais privacidade, conduziu Aurora por um bosque perto do palácio, onde havia caçado e treinado a mira com as flechas permanentes. Não era uma coincidência ele estar com elas em suas costas. Depois de uma pequena caminhada a princesa sentou-se sobre um banco de madeira, e ao seu lado o mais belo de todos se recostou confortavelmente, só que perto demais, ferindo os bons costumes. Ambos comeram o lanche separado na cesta em meio a conversas bobas e sorrisos.
- Vai querer mais suco? – ele perguntou.
- Não, estou satisfeita – ela respondeu fazendo uma careta.
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O Conto dos Contos - A origem dos contos de fadas
ФэнтезиAurora é temida pelas fadas, odiada pelos conversadores, vigiada pelas bruxas e um mito entre os humanos. Seu mundo é dividido entre ambição e inocência. A guardiã do Reino Encantado precisa escolher entre ser uma bruxa como sua avó Malévola, ou seg...