Capítulo 34 - Ela ameaça, ela cumpre
César desistiu de tentar sair do Reino dos Conversadores. Precisou exceder o controle que exercia sobre si mesmo para romper com o choro e adentrar no castelo. Não queria parecer fraco diante da cavalaria. Após deixar os guardas de tocaia em pontos estratégicos do muro, à espera de qualquer sinal de Felipe, o rei retirou-se para o seu quarto, sendo seguido por Victor.
- Pai? O senhor está bem? O que aconteceu lá fora? Como viemos parar aqui tão rápido?
- Passamos por uma parede de transporte. Malévola deve estar atrás do meu menino agora.
- Parede de transporte? Malévola? Mas por que ela estaria atrás do Felipe?
- Porque sim! A rainha Solange tentou, eu tentei, mas foi tudo inútil. Nós fracassamos.
O rei conversador estava tão nervoso e desolado que abraçou o filho mais velho, algo que não fazia há muito tempo. Victor sentiu o pai tremer e ficou muito preocupado. César era durão, carrancudo, severo, impassível. Como alguém tão forte poderia demonstrar tanta fragilidade? Pela primeira vez o príncipe chegou à conclusão de que não conhecia o pai o suficiente. E por mais triste que fosse aquele momento, ambos, pai e filho, sentiram-se mais próximos.
- Tenho certeza de que ele está bem... - Victor quis consolá-lo.
- Assim espero.
O príncipe conduziu o pai à imensa cama. O ajudou a descalçar os sapatos e afrouxar as roupas. Cobriu-o com uma coberta grossa e amarela de algodão. O rosto de César estava molhado de suor. Com um pano úmido que havia numa bacia de prata do cômodo, o rapaz limpou as bochechas e a testa do rei, que encarava o nada, absorto em seus pensamentos e preocupações.
- Pai...
Ele não respondeu, nem sequer havia escutado.
- Pai!
- Que? O que?
- O senhor vai ficar bem?
- Eu vou ficar bem se vocês ficarem bem. Felipe nunca entendeu. Eu sempre quis que ele fosse feliz, só que não com a neta da Malévola! E agora essa bruxa desgraçada deve estar com ele, machucando-o ou sabe-se lá o que!
- Por que não me explica sobre a Malévola? O que aconteceu?
- Um dia, meu filho, se for necessário... Agora eu quero ficar sozinho.
Victor não insistiu. Afastou-se da cama e foi até a porta, abrindo-a e fechando-a com cuidado, para evitar ruídos. A curiosidade veio visitá-lo outra vez, e decidiu pernoitar em sua mente. O príncipe ficou intrigado, querendo saber qual era a história de Malévola com seu pai. Sabia que a bruxa era terrível, mas para deixá-lo como uma criança assustada, deveria ter feito algo de muito grave no passado. Será que havia torturado seu pai? Ou ferido sua mãe? Mas a rainha havia falecido logo após Felipe nascer. Será que teriam mentido para ele? E se a bruxa tivesse mesmo cometido assassinato, que interesse ela poderia ter em sua família? E quanto ao portal que impedia a entrada de bruxos? Eram muitas as dúvidas, e quanto mais ele imaginava possibilidades, mais impedimentos surgiam e quebravam sua linha de raciocínio, obrigando-o a descartar suas hipóteses. Teria que se contentar em esperar que o pai lhe revelasse, no tempo dele, a verdade, nos mínimos e obscuros detalhes. E faria de tudo para que essa espera fosse bem curta.
***
Ninguém estava tão abalado quanto Aurora, que presenciara aquela desgraça. A dor emocional que afligia seu coração se misturava à física, mesmo que seus ferimentos estivessem se curando rapidamente. A cabeça parecia que ia explodir, o que a obrigou a comprimir os olhos e esfregá-los. Já havia testado todas as posições sobre a cama, e nenhuma era confortável. Gotas quentes deslizaram sobre o rosto, indo direto para o travesseiro. O arrependimento a golpeou, na forma de um desejo violento de voltar atrás e obedecer à avó que a amava, Solange. Teria evitado o sofrimento de Felipe e o seu. Sentiu-se estúpida, rebelde e estava pagando por isso. Jamais poderia imaginar que as consequências de sua fuga seriam tão trágicas. A guardiã não sabia que aquilo não era nem metade das pretensões de Malévola para o seu aniversário. Nem sequer imaginava o gran finale.
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O Conto dos Contos - A origem dos contos de fadas
FantasíaAurora é temida pelas fadas, odiada pelos conversadores, vigiada pelas bruxas e um mito entre os humanos. Seu mundo é dividido entre ambição e inocência. A guardiã do Reino Encantado precisa escolher entre ser uma bruxa como sua avó Malévola, ou seg...