Capítulo 3 – Segredos
Solange tomava seu desjejum no salão principal do palácio do Reino Encantado, sentada na cabeceira da mesa. De rabo de olho avistou Eli, que se aproximava demasiadamente quieto e com uma expressão de desgosto. Ela o conhecia desde menino e sabia que havia algo de errado, algo que ele estava escondendo. As rugas de preocupação eram nítidas na testa dele. Inclinado contra uma parede azul, o rapaz parecia imerso em pensamentos, concentrado, como se não conseguisse tirar algo da cabeça.
– Soube que você chegou tarde ao castelo ontem – a rainha disse. – Estávamos todos muito cansados e adormecemos durante a viagem. Todos menos você. O que houve?
– Vossa Majestade, fiquei muito preocupado com as meninas. Decidi caminhar um pouco para pensar.
– Sim, sim. Temos muitas preocupações. Temo pela minha neta – Solange murmurou.
– Aurora parece ser muito forte e...
– Não, estou falando de Estela. Malévola estará sempre por perto. Quanto a isso não posso fazer mais nada. A propósito, gostei da ama de leite que você encontrou, Maria. Do jeito que a Marisol é, Maria vai acabar alimentando as duas.
Eli não respondeu. Pensou na Marisol que conhecia, cabelos loiros ao vento pela correria nos jardins do castelo, olhar sincero e impetuoso, uma moça protetora de animais indefesos e de fala decidida. Lembrava-se dela torcendo por ele nas competições. De repente, não quis mais ser sua amiga. Marisol sempre pareceu gostar de sua família, mas havia algo que ela amava acima de tudo: seu reflexo. Não conseguia passar na frente de um espelho sem admirar o quanto era linda. Como iria reagir à Branca de Neve? Era certo que a menina iria superar sua beleza. E como iria lidar com o fato de sua própria filha não ser tão bonita? Ah... a menina se parecia muito com o pai... Por que ela estava disposta a cooperar com Malévola? Ajudar a matar a própria irmã? Ela cometeu um crime terrível, e logo tornou-se bruxa. Não era mais a fada de antes. Depois do assassinato, nem fada ela era!
– Eli, você está me ouvindo?
O fadem levou um susto e foi subitamente chamado à realidade.
– Perdão, Majestade, estou um pouco distraído.
– Por causa da Marisol e de suas indelicadezas? Sempre desconfiei que você nutrisse fortes sentimentos por ela. Temo que ela não seja boa nem para você, nem para ninguém. É melhor você esquecê-la. Por favor.
A rainha Solange olhou friamente em direção às janelas da lateral direita, desviando olhar dele, como se quisesse esconder uma profunda dor. Eli parecia não conhecer suas suspeitas, como há dois dias, quando ela sugeriu que não teria paz se não descobrisse quem era o traidor. Ele parecia não ter notado os sinais. Ela sabia que o fadem era de confiança, mas acreditava que guardar a verdade para si poderia, de alguma forma, ajudá-la. Talvez ele já soubesse que Marisol era a assassina.
– Você tem alguma suspeita de quem matou Anabel? – Ela o testou.
– Eu não tenho suspeitos, minha rainha.
Seu olhar sem brilho, suas mãos entrelaçadas e o coçar da orelha direita denunciavam: mentiroso. Então ele sabia, ela sabia e mais ninguém poderia saber sobre Marisol. Isso poderia gerar uma guerra e incitar mais ódio contra Aurora. O povo já teria muitas dificuldades em gostar da menina pelo fato de ser mestiça de trevas. Se fosse descoberta, Marisol seria condenada, e Solange já havia perdido uma filha, não queria perder outra, principalmente uma tão desviada de seu caminho.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O Conto dos Contos - A origem dos contos de fadas
FantasiaAurora é temida pelas fadas, odiada pelos conversadores, vigiada pelas bruxas e um mito entre os humanos. Seu mundo é dividido entre ambição e inocência. A guardiã do Reino Encantado precisa escolher entre ser uma bruxa como sua avó Malévola, ou seg...