Inexistência

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É ele estava irritado, Blake estava irritado. Como todo irmão mais velho que se diz na responsabilidade de nos amar, proteger e nos trancafiar num escritório enquanto viaja pelo mundo a "negócios". Os sapatos negros passeavam de um lado para o outro, enquanto voltava a sua atenção a uma ligação – Como é que ele diz mesmo? Ah, Sim! – Muito importante. Na mão direita o meu preciso e mal escondido isqueiro, que ele fazia questão de jogar para o alto com os olhos fixos em mim. Caleb entrou no exato momento em que ele desligava o celular. Blake tem um ótimo poder de intimidação, quanto a isso se parecia muito com nosso pai, assim como a sua aparência. Os cabelos castanhos escuros e repicados ressaltando os olhos verdes e os lábios finos, alto e de corpo atlético, uma replica mais jovem do que foi meu pai um dia:

— Que clima tenso... — Caleb entrou com passos cautelosos, parecia prever a bronca que cairia em suas costas, nas mãos trazia mais flores e uma caixa de chocolates.

—Sabe o que é isso? — Blake perguntou decepcionado.

—Um isqueiro...?— Caleb fez uma careta ao responder, embora aquilo não fosse uma acusação, parecia que Blake o estava culpando.

—Ela andou fumando de novo, NUM HOSPITAL!— Rugiu.

— Lilian, eu não acredito no que estou ouvindo, você estava fumando! — Caleb fingiu-se  surpreso.

Aproximou-se de mim me entregando a caixa de chocolates, para logo depositar um beijo em minha testa.

—Eu disse que subornei a enfermeira. — O tranquilizei.

—Boa garota. Eu tenho boas notícias— Sorriu abrindo os braços. No meio de tanta confusão ter uma boa noticia era quase um milagre. Blake se aproximou da janela afastando as cortinas, fitando o que acontecia lá embaixo, onde os transeuntes caminhavam tranquilamente seguindo a rotina.

Blake e eu nos entreolhamos, esperando por algo empolgante, e pude ver o fantasma de um sorriso brincar em seus lábios, coisa que há tempos não via. De alguma forma Caleb causava essa sensação, como quando eram crianças e vestiam aquelas fantasias ridículas do Superman.

—Aquele livro que ia doar a biblioteca...

—Museu — Corrigi de novo.

—Tanto faz. Apareceu alguém interessado em comprá-lo, um colecionador chamado Isaac Thorn. Ofereceram um bom dinheiro por ele.

—Quando foi isso?— Blake cruzou os braços frente ao peitoral, parecia interessado, ele era um homem de negócios então não podia culpá-lo.

—Ontem — Olhou para Blake— Na empresa.

— O que acha Lili?

—Eu não sei... — Não tive tempo de ler, e pensar que de alguma forma quase perdi a vida por um diário de mais de 500 anos. Me parecia uma boa desculpa para me livrar dele, mas e quanto àquilo que eu vi? E quanto aquela criatura que atravessou o meu caminho e jogou meu carro contra o poste como se fosse um brinquedo? Eu não devia ser grata por saber que coisas como aquelas existiam, e que eu vi?! Eu! Mais ninguém. E poder pensar que as historias que mamãe contavam de monstros em baixo da cama podiam ser reais: —Blake, podemos conversar?

—Okay. Eu sei quando não sou querido, estarei na cafeteria se precisarem de mim— Disse Caleb nos deixando a sós.

Blake se aproximou sentando-se numa poltrona, se reclinou fitando o teto esperando por alguma reação. Respirei e fiz o mesmo, me deitei sobre o travesseiro entrelaçando os dedos sobre o abdômen.

—Eu preciso contar o que aconteceu naquela noite...

—Eu sei o que vai dizer...

—Espera... — o interrompi — Não contei isso pra mais ninguém e nem sei se posso sem correr o risco de parar num sanatório, Blake eu sei que vai dizer que pode ter sido coisa da minha cabeça, mas não foi!

—Se estiver falando sobre o tal do "lobisomem"— Me lançou um olhar gélido — Eu sei que estão comentando pelos corredores do hospital, Lílian. O que estava gritando quando chegou...

—O que? — O encarei confusa e ao mesmo tempo surpresa. Não achei que alguém além de mim soubesse o que tinha acontecido. Mas é claro, quem em sua sã consciência acreditaria em "lobisomens"? Mas de alguma forma ele precisava saber o que aconteceu, o que eu vi de verdade!

—Lilian — Se levantou, sentando-se ao chão próximo a mim — Sei que está confusa e pensa ter visto...

—Blake...

—Os exames de sangue saíram— Me encarou com penúria, como se quisesse me poupar de tudo aquilo. Inacreditável como todo mundo tentava me poupar de alguma coisa. Por Deus, Eu não era mais uma garotinha de quinze anos que vivia chorando pelos cantos, eu não me preocupava com o que podia acontecer comigo ou surtar sempre que entrar num hospital, sinceramente, não fazia diferença. Precisavam me olhar como alguém que pode se defender sozinha — Eles apontaram que o nível de álcool no seu organismo estava 15% superior ao permitido quando dirigia. Os seguradores do carro me telefonaram ainda pouco e disseram que não iriam cobrir os estragos. Acharam 10 gramas de maconha no porta luvas.

— O que?

—Você estava bêbada e drogada, Lilian. Não existe um lobisomem.

                                                                                 -X-

Nunca tive medo do escuro, e agora um pouco menos. Encarava a entrada do meu closet como um inimigo cruel. Esmurrei o interruptor e vi as luzes revelarem algumas peças ao fundo. Não tinha nada para vestir nessa tal reunião de fim de ano. Não me lembro da ultima vez que participei de algo assim, é pra eu parecer séria, ou responsável? Ou os dois juntos?

A minha retaguarda estava Blake, deitado sobre minha cama com um imenso pacote de salgados, apontando e falando de boca cheia sobre como eu tinha sorte em ter um irmão com um gosto espetacular para roupas. Não estava disposta a usar o que ele sugerisse, ele é o único cara que mistura xadrez e listrado numa única peça, mas eu estava confortável em usar algo que não fosse os pijamas do hospital, fazia exatamente uma semana desde que deixei aquele lugar. Iríamos também nos encontrar com alguns clientes interessados na compra do diário de Jaqueline, não sabia que coisas velhas e acabadas valessem tanto dinheiro, acho que vou tentar vender o meu jipe.

—É pra manga desse vestido ficar assim mesmo é?

—Sim Blake, algum problema?— Blake tinha um péssimo hábito de contrariar tudo o que eu dissesse ou quisesse, e nas suas palavras pude sentir um "nossa que vestido estranho". Bom, não era de todo estranho, Foi um presente do Caleb no meu aniversário. Azul e abaixo dos joelhos, de manga única em forma de rosas no ombro, completamente drapeado. Um vestido bonitinho, e era o único sociável que eu tinha. Os olhos verdes mudaram de direção enquanto ocupava a boca o máximo que pudesse com salgados.

—Problema? Não, não. Está linda! Vou pegar meu terno na lavanderia — levantou da cama num salto — Esteja pronta em uma hora.

Automaticamente pigarreei e apontei para um papel amassado sobre o qual estava deitado fazendo-o regredir alguns passos, ele nunca foi dado à organização. De letras miúdas e bem feitas trazia o nome Jaqueline em sua borda. Parecia à letra da mamãe, algo me dizia que Blake não queria que eu visse. Fingi não me importar, Blake era muito sensível quando se tratava dela, os tempos que passaram juntos ainda o afetavam, e a maneira lenta e dolorosa com que partiu afetava a todos. Já disse que nunca tive medo do escuro? Quando pessoas têm coisas pela qual temer, todo resto parece insignificante, veja bem, você pode dedicar a sua vida inteira a prevenir algo que pode nunca acontecer ou usar esse tempo para fazer cada momento valer à pena. A escolha é sua.

—É uma síntese sobre o diário de Jaqueline. Achei nas coisas da vovó em Portland, acho que foi mamãe que fez. Se vamos vender alguma coisa melhor saber o quanto vale. Quer ver?

—Não. — Me olhei novamente no espelho ajeitando as mangas do vestido, Blake estava certo não tinha ficado bom.




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