Cheguei a casa mancando, tive que fazer um esforço enorme para subir todos os degraus que levavam até o segundo andar e xinguei minha mãe mentalmente por ter a ideia de comprar uma casa tão grande. Fui para o banheiro e me deparei com tamanha dificuldade quando comecei a tirar minhas roupas. Minhas mãos tinham se tornado inúteis depois dos violentos esfolados que ganhei no clube, eu não conseguia segurar nada sem que causasse algum incômodo nos ferimentos.
Entrei no box do banheiro e abri a torneira com as pontas dos dedos, já sentindo a água fria do chuveiro levar todo o vestígio de suor e sujeira impregnados na minha pele. Após isso, tomei coragem suficiente para finalmente deixar a água remover todo o sangue seco das palmas das minhas mãos. Eu sabia que iria arder, mas eu também sabia que teria que fazer aquilo uma hora ou outra. Então apenas aceitei a dor com uma careta e esperei que os segundos seguintes acabassem logo.
Depois de alguns minutos deixando a água esfriar minha cabeça me peguei pensando nele de novo. Parecia um vírus que desconfigurava meu consciente provocando várias panes no sistema. E entre uma lembrança ou outra, lembrei que tinha esquecido completamente de comprar as coisas que minha mãe me pediu.
Droga.
Ela ia me matar.
E eu nem tinha formulado uma desculpa do motivo eu estar com as mãos e o tornozelo todo ferrado do pequeno acidente com o skate. Ainda bem que minha mãe ainda não tinha chegado do trabalho. Iria me dar tempo para pensar.
E pensando bem, nada do que aconteceu hoje era o esperado. Eu não planejava encontrar o Caio, nem me esconder na caçamba, muito menos cair de skate. E a consequência disso seria mentir.
Depois de tomar banho e me vestir, desci até a cozinha pra pegar gelo para colocar no meu tornozelo. Quando estava voltando para meu quarto ouvi meu celular tocando e me apressei para atende-lo. Chegando lá olhei o identificador de chamadas e lá dizia "Mia".
O que minha irmã estava fazendo me ligando?
- Ahh, Alô?
- Olívia! - diz ela numa voz frustrada.
- Oi... - digo com receio
- Você precisa vir pra cá amanhã!
- O quê? Por quê?
- Minha mãe... Ela voltou!
Sento na cama com a notícia. Eram raras as vezes que Mirella vinha para Florianópolis ver a filha.
- O que ela tá fazendo aí? - exclamo eu surpresa.
- A questão é: deu um problema aqui em casa e preciso da tua ajuda! VOCÊ VAI VIM PRA CÁ AMANHÃ DE MANHÃ! - grita minha irmã no telefone.
- Mas Mia, o que vou falar pra minha mã...
- Inventa qualquer coisa, eu preciso desligar, tchau! - interrompe ela, desligando na minha cara.
E assim sobra apenas eu com o "tu, tu, tu" do telefone indicando que Mia tinha encerrado a chamada.
***
Sobre o fato de minha irmã ser uma completa doida, que faz as coisas sem se importar com os outros graças a aquela maldita confiança que está sempre grudada nela. Faz uns belos 15 anos que eu conheço Mia e ainda não concluí se isso é um defeito ou uma qualidade. Porque ela sempre ganhou e perdeu sendo assim. É uma personalidade de atitude que faz ter confiança para fazer o que bem entender. O problema é quando essa autoconfiança vem em excesso, cegando a realidade. E o que sobra é o peso amargo da ilusão destruindo todas as suas expectativas e planos.
E eu estou com muito medo de que esse "problema" que aconteceu em Florianópolis tenha relação com esse defeito/qualidade da minha irmã.
E foi por essa razão - a razão de eu estar parte preocupada e parte curiosa - que vim para Florianópolis com a liberação da querida Isabel, minha mãe. Pensei que ela iria me fazer uma série de perguntas exigindo mais detalhes sobre essa viagem - porque foi o que aconteceu quando ela me viu toda machucada quando chegou do trabalho, mas eu inventei uma desculpa qualquer porque antes de minha mãe chegar eu aproveitei para ir até o mercado novamente e finalmente comprar o que ela pediu -. Eu falei para minha mãe que precisava ir até Florianópolis para ajudar Mia a segurar a barra já que sua mãe tinha voltado para fazer uma visita. E minha mãe conhecia o caráter frio de Mirella, então para mim foi tudo fácil.
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Cidades Incertas
Fiksi RemajaDesde aquele dezesseis de julho, Blumenau se tornou um lugar cruel para se viver, o sentimento de culpa assombrava a cabeça de Olívia Queiroz causando uma série de turbulências emocionais.Três anos depois, a oportunidade de se mudar bate em sua por...