CAPÍTULO XIII O BATE-PAU

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Passou uma semana depois daqueles dias. A cidade estava mais calma. Ainda que nas rodas de conversa não houvesse outro assunto. O delegado continuava fuçando as casas e as gentes procurando o anel.

Fazia muito tempo que Seu Mario não ia ver o filho em sua casa. Então acordou uma segunda-feira disposto a lhe fazer uma surpresa.

Mas ainda cedo uma notícia o aterrorizou. Dilce havia sido demitida do emprego. Entrou em casa de Seu Mario com os olhos cheios de lágrima, e ele percebeu. Depois de insistir um pouco, acabou obtendo a confissão da nora que logo partiu.

Isso fortaleceu o desejo de ir ter na casa do filho a fim de saber se precisavam de algo naquele momento delicado.

Na estrada de terra Maria vinha queixando-se da viagem. " Não vê o sol que ta fazendo, não, velho biruta? Quer matar nós dois é? Deixa eu subir em cima de tu pra ver o que é bom?". E como Seu Mario não ouvisse os seus pensamentos, decidiu empacar. Nunca tinha feito isso, mas já havia perdido a paciência com o velho destrambelhado. Uma coisa seria fazer uma viagem por mês, como antes. Mas agora eram três por semana quase sempre. Pronto, estava decretada a greve da burrinha.

Seu Mario ficou surpreso com a atitude da amiga. Desceu, deu uma encarada nela para ver se estava bem. Nenhum sinal de doença achou. Então ficou achando que era só cansaço.

_ Tá ficando velha hein? E deu um tapinha na bunda de Maria.

"Velha é tua mãe, safado!" Maria não deixava quieto.

Seu Mario foi para a sombra de um umbuzeiro que havia ali e arrastou a companheira. Uma leve brisa cortava o sertão e amenizava o sofrimento dos dois.

Ele ficou de cócoras, e com anel nas mãos começou a olhar o céu. Não se sabe se já houve na história daquele lugar um céu tão limpo. Seu Mario mesmo não via uma nuvem fazia muito tempo.

A estiagem chegava aos quatro meses. Era fácil enxergar nos campos das roças a vegetação amarelada e seca e até mesmo cadáveres de gado que não resistiam à falta de água. Maria olhava em volta, e contemplando este cenário a vontade era sair correndo dali. A fidelidade que tinha a seu amigo, contudo, a fez ficar.

Passados alguns minutos a raiva de Maria passou, ou então foi o calafrio que o lugar estava dando nela que a impulsionou. Seguiram viagem e em menos de quinze minutos chegavam à porteira de Raimundo.

Logo da entrada era possível avistar a casa pintada a cal, o que não era possível no tempo em que a plantação outrora era vigorosa e robusta.

Não havia na roça de milho sequer uma espiga que se salvasse. As plantas esturricadas ao sol deitavam sobre o solo como que tentando esconder-se do calor.

Foi seguindo devagar atrás de Maria, cabeça baixa e olhando para o chão todo rachado. Seu Mario não acreditava em que seus olhos viam. Era bem pior do que imaginava.

Antes de alcançar a porta da sala os dois cães de Raimundo correram para eles, e melhor seria dizer que se arrastaram. Pele e osso, Jubinha e Tota. A falta da água atingira até os pobrezinhos. Um nó desceu pela garganta de Seu Mario que emudeceu. Deu um carinho nos dois que acabaram por desabar ao chão.

Deu uma espiada casa adentro e não viu nem o filho nem a nora. Caíque àquelas horas estava no colégio.

_ Raimundo, Raimundo!

Dilce estava no quarto, deitada, lamentando a má notícia do desemprego recente. Raimundo que estava nos fundos da casa, deitado na rede da varanda, quase caiu ao ouvir a voz do pai.

Raimundo tinha vergonha. Não queria que o pai visse a situação da lavoura nem que soubesse que fora o salário de Dilce, que mal dava para comer um pouco, não havia de onde tirar dinheiro. Mesmo a comida era escassa. A demissão da esposa punha-os em cheque. Havia poucas espigas da antiga safra para vender. Tudo era desesperador.

Dilce não era trabalhadora registrada. Tinha contrato de boca com o dono do supermercado, o que era muito comum ali. Então, não teria direito a Fundo de Garantia ou Seguro Desemprego.

Neste cenário catastrófico Seu Mario chegou ao filho.

_ A benção painho!

_ Deus lhe abençoe! Cadê Dilce?

_ Tá deitada ainda. Não se conforma ter sido demitida. Já falei que vamos dar um jeito. Na vida há jeito pra tudo, menos a morte, né pai?

Seu Mario deu um riso sem graça.

Ficaram ali sem ter assunto.

_ O povo ta falando que essa seca é culpa de um tal El Niño, pai?

_ Conheço este cabra não.

Raimundo riu, sabia que não adiantava explicar. O fenômeno responsável pelo aquecimento das águas era um dos principais fatores que contribuíam para a seca de quase dois anos no estado.

Seu Mario passou a tarde ali, e quando voltou à Pé de Serra estava desconcertado. Não tinha mais o que fazer, senão vender o bendito anel, fazer dinheiro e salvar a família. Estava decidido.

Teve que enfrentar na volta para casa o calor e uma dezena de mosquitos que os acompanhou para completar a insatisfação de Maria que jurou nunca mais carregar o velho nas costas.


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