CAPÍTULO XII DE VOLTA À ESTRADA

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Amanheceu mais seco do que nunca em Pé de Serra. O povo estava agoniado não só pela falta d'água, mas pela falta de dinheiro. As roças estavam condenadas. Dia após dia as famílias vinham ter na Rua em busca de uma maneira de subsistir. O preço das coisas no comercio subia vertiginosamente, ao ponto de um quilo de tomate aguado e feio custar o olho da cara como diziam. Não tinha jeito, ou chovia água ou dinheiro ou o povo não aguentaria.

O prefeito da cidade era Cicinho de Calinda. Era sua primeira gestão, e como ato mais notável mandou construir pela cidade mais de uma dúzia de cisternas para captar a água da chuva e dar paz ao povo no tempo de escassez. Mesmo que o dinheiro enviado pelo governo fosse o suficiente para fazer muito mais do que isso. Mas logo depois que terminou a construção das cisternas começou a estiagem. Dizia; "Não sei como, mas tenho certeza que essa seca é coisa da oposição", e fazia todos na prefeitura rirem.

Seu Mario foi acordado por Raimundo.

_ Oxe painho, que é esse monte de saca de farinha tudo bichada no meio da casa? Tu ficou doido, foi? Não vai me dizer que foi atrás de Totonho?

Seu Mario inventou uma história. Disse que um homem tinha batido em sua porta pedindo pra abrigar ali aquela farinha que ele mesmo produzira para vender na feira. Seu Mario tinha desconfiado da qualidade da farinha e por isso abriu saca por saca. E qual não foi seu espanto, quando viu que tudo estava estragado. O homem sumira e agora não sabia o que fazer da farinha.

Raimundo disse ao pai que tinha de deixar de ser besta e acreditar em todo mundo. Botou as sacas na carroça e foi dar cabo delas.

Logo depois do café ouviu-se uma bagunça do lado de fora.

"Mas será possível, agora? O que diabos quer aquele delegado?" Seu Mario logo imaginou que fosse haver outra sessão de interrogatório.

Abriu a janela para ver. O povo ia em direção à estrada de Riachão. Quase todo mundo. Do meio da praça dois carros da polícia serviam de base aos policiais que observavam toda a movimentação. E entre eles estava o delegado Adubaldo. Seu Mario saiu e foi até a praça. Naquela manhã, parecia estar mais cego do que nunca por isso custou até achar um rosto conhecido em meio ao povo. Achou bem o de Adalto.

_ Que é isso, que ta acontecendo aqui, Adalto? Quis saber.

_ Oxe Seu Mario, e tu não ta sabendo, não é? Dizem que o tal anel do rei ta enterrado na beira da estrada de Riachão. Diz que Givanildo fugindo da polícia tratou de enterrar a jóia no chão pra depois ir buscá-la, mas não teve tempo porque foi preso antes.

_ E é? Seu Mario fez cara de bobo.

A história estava mal contada. O anel estava em seu bolso, seguro, não poderia estar lá na estrada. A não ser que houvesse dois. Não havia.

O povo saía desenfreado rumo à estrada, do jeito que tinham. Uns de carro, outros de bicicleta, de carroça, de pé. Pás e enxadas nas mãos. Seu Mário não queria ir até que ouviu o delegado falar com alguém.

_ Só não vai quem não acredita que o anel ta lá ou quem já pegou o anel.

Então, sem alternativa, o velho tratou de acordar Maria e lhe alimentar. Contou para ela a novidade e foi para a estrada.

Não avançou muito, a estrada estava lotada de gente cavocando o chão. Um carro da polícia transitava a via, apenas para evitar que o povo fizesse mais buracos no asfalto do que já existia.

Seu Mario parou a mais ou menos um quilômetro de Pé de Serra. Afinal, era só um disfarce. Desceu da burrinha e com a própria mão começou a mexer a terra. Ao seu lado um moço descia o enxadão à terra como que quisesse encontrar petróleo e não o anel. Sua cova já tinha uma profundidade razoável quando parou um pouco para descansar.

_ Acha que ele enterrou tão fundo, menino? Seu Mario indagou.

O rapaz enxugou um pouco do suor que descia o rosto, tirou o chapéu de palha e olhou para o céu.

_ Sei não, senhor! Mas espero que Deus me dê a graça de encontrar. Cavo até a China se for preciso. Tenho cinco moleques dependendo disso. Com essa seca, não posso plantar, não posso colher. Não posso deixar todo mundo que depende de mim morrer de fome. Se não achar o anel, hoje mesmo me pico pra São Paulo.

Seu Mario segurou o choro.

Ficou ali uma meia hora ou mais, e depois voltou à cidade. Ele e mais um tanto de gente. Outros ficaram a tarde inteira ciscando a terra sem nada encontrar.

A caminho de casa Seu Mario vinha pensando na sorte do rapaz que cavava ao seu lado. Um anel só era pouco para salvar toda aquela gente sofrida.

Ainda assim, um pensamento sovina tomou-lhe conta. Aquele anel era seu. Deus o quis. Cada um que achasse o seu.


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