Capítulo 2

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"Dizem que o tempo cura todas as feridas, mas isso presume que a fonte da dor é finita. [...]"

(Príncipe Mecânico)

Sento debaixo da nossa árvore favorita. Era uma grande, sua copa era extremamente alta e grossa. Nós dois sempre sentávamos aqui e conversávamos sobre tudo. Disputávamos quem atirava a pedra mais longe...

Abro o lacre do pacote com cuidado. O pacote parece que foi prejudicado com o tempo. Quase um ano e meio sem chegar em nossas mãos.

Haviam três folhas, um bilhete e alguns objetos. Pego as cartas primeiro. Ignoro a data, mas é certo que foi um ano atrás.

Minha adorada irmã,

Antes de mais nada, sinto muito sua falta.

Aqui continua a mesma coisa. Exercícios e treinamentos todas as horas possíveis, não sei como consegui ter tempo de escrever-lhe algumas palavras bobas, mas me sinto totalmente emocional hoje. Não me julgue, sou seu irmão preferido e eu sei disso.

Hoje vi alguns meninos brincando, mesmo com o temor da guerra eles conseguiram arranjar um motivo para diversão e me lembrei de você. Você sabe que é a minha preferida também, mesmo não tento os atributos masculinos e essas coisas, mas vejo algumas coisas em você que admiro. E por isso a amo mais que tudo.

Minhas roupas estão desgastadas e amareladas pela sujeira. Pelo visto não estou mais em Londres, não é mesmo? Sinto falta das noites em que saía despreocupado e sem moderações sobre minhas atitudes, use isso enquanto pode Cami... Não poderá ser solteira para sempre, mesmo sabendo que odeia os homens, menos eu e Filipe e Teodor, é claro.

Não me odeie por isso, só me preocupo com você.

Seu irmão que te adora hoje e sempre

Dave.

Limpo algumas lágrimas. Parecia que eu estava escutando ele ler essa carta para mim.

- Também te adoro...

Passo para a próxima. Ignoro a data como fiz com a anterior. Essa era mais longa, tendo duas páginas. Começo a ler.

Como está, Cami?

Amanhã estarei em uma jornada muito perigosa. Meu comandante acha que estou apto o bastante para ir em missão com outros militares. Quero muito ir, sei que estou pronto, mas sinto um leve aperto no coração como se tivesse algo me impedindo a ir.

Claro que não comento isso à ele, pois seria motivo de chacota, mas ele me admira, e eu não vou desapontá-lo.

Teremos que invadir uma pequena vila, parece que nossos inimigos estão mantendo alguns inocentes em reféns. Preocupo-me com eles.

Torça para que eu saia vivo. Meu comandante me disse que poderia ir para casa caso conseguisse sair vivo, e eu sei que vou. Não vejo à hora de voltar para casa, me estabelecer e criar uma família, Cami. Quero ter meus filhos, os vers crescerem... Ver meus netos. Entende isso, Cami? Esse sentimento?

Como sempre, sentindo saudades...

Com carinho,

Seu irmão.

Meus soluços quebram o silêncio da mata. Ergo os olhos para ver a data.

Um dia antes de sua morte.

Choro por sua perda.

Choro pelos seus sonhos que não foram realizados.

Choro por ele não ter conseguido voltar para casa.

Choro por eu ter perdido alguém tão especial.

Pego seus objetos e sorrio levemente apesar da dor... Um pequeno lenço vermelho, provável que era do seu uniforme, uma corrente e um pingente. Abro o fecho e coloco rapidamente em meu pescoço.

Por último o bilhete que Dave me mandou. Mesmo com minha visão borrada pelas lágrimas, não reconheço sua letra.

"Sinto muito a perda de seu irmão, ele te estimava muito. Todos os dias ele me falava o quanto a admirava e eu passei a fazê-lo.

Dave era um ótimo atirador, o melhor que conheci em muito tempo.

Quero que me avise se necessitar alguma coisa e lhe ajudarei.

Comandante C. Reginald Philamp ,27º Batalhão"

Não o conhecia, mas o odiava. Por sua culpa Dave morreu, por sua culpa não tenho mais meu irmão...

A morte de Dave deve ser vingada e eu serei a responsável...

-/-

- Como vai fazer isso, menina?

A senhora Wugly amassava a massa de pão rigorosamente, e ficou pior assim que contei o que queria fazer.

- Li a carta para a senhora, e o maldito bilhete, senhora Wugly. Como quer que eu fique sentada lendo algum livro tedioso enquanto sei que o culpado da morte de meu irmão está lá...

- Minha doce menina... – Senhora Wugly limpa o suor com seu antebraço. – Sei que ainda sente muita dor com a perda do seu irmão, mas pense comigo. O que seus pais iriam fazer? Sua reputação será manchada para sempre!

Reviro os olhos. – Meredity... Olhe para mim, tenho 24 anos, já sou uma solteirona completa... Não gosto de ir aos bailes, não gosto de usar vestidos e saltos...

- Eu sei pequena, mas é o que as mulheres usam...

- Por quê? Porque não podemos simplesmente andar por aí com calças como os homens?

Ela me lança um olhar desesperado.

- Sh! Não diga nunca mais isso! – ela me dá um tapa na minha mão direita e recuo com o susto.

- Não é como se isso fosse tirar da minha cabeça... – resmungo

- Eu sei o que vai tirar essas idéias horríveis da sua cabeça... Vem, amasse esse pão.

Arregaço as mangas do meu vestido cinza e termino com o que Meredity Wugly começou. Ela só não sabe que eu imaginava que a massa era o pescoço do tal Comandante...



Vingança não vem com AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora