Preparativos para a Colheita

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Por Peeta

Apesar de o meu pai ter me liberado das atividades na padaria pelo restante do sábado, essa é uma semana atípica, de trabalho multiplicado, e não posso deixar de ajudá-lo.

Afinal, faltam poucos dias para a cerimônia da Colheita e a cidade está cheia de pessoas da Capital – principalmente, equipes de televisão e de montagem do evento –, as quais, ao que parece, além do seu visual extravagante, são acostumadas a refeições e festas com fartura de comida e bebida.

Daí o incrível aumento das encomendas de produtos da nossa padaria e o motivo de eu estar aqui embalando pães e biscoitos variados para entregar na casa do Prefeito, onde muitos estão hospedados.

É aterrorizante saber que mais uma Colheita está tão próxima. Essa cerimônia é o primeiro estágio dos Jogos Vorazes, evento anual que assombra as famílias, especialmente as crianças, de todos os Distritos que formam nosso país, Panem.

Panem é uma nação que foi construída sobre as ruínas de um lugar anteriormente conhecido como América do Norte. Após sua fundação, o país foi dividido em treze Distritos e cada um deles ficou responsável pela produção de bens de um setor específico, sob o controle rígido da Capital, sua principal cidade.

Há cerca de 75 anos, o poder da Capital foi contestado. Os Distritos se rebelaram, devido à exploração e às injustiças perpetradas pelo governo tirânico, e a nação vivenciou o que hoje se conhecem como os Dias Escuros.

Ao final desse conflito, houve a derrota de 12 distritos e a destruição do Distrito 13, como um alerta para prevenir futuras rebeliões.

Nessa época, foi também formulado o Tratado da Traição, o qual estabeleceu novas leis para manter a paz no país, isolando completamente os habitantes em seus próprios Distritos, e criou os Jogos Vorazes, como punição aos rebeldes derrotados.

Assim, todos os anos, cada Distrito deve oferecer à Capital dois tributos, um menino e uma menina, com idades entre 12 e 18 anos, que são forçados a lutar até a morte, numa enorme arena cheia de perigos, até que apenas um deles saia vitorioso.

Tenho 16 anos e, portanto, posso ser sorteado como o tributo do Distrito 12. Esse fato costuma tirar meu sono. Porém, nesse exato momento, meus pensamentos estão longe de todo o horror que vai começar em breve.

Na verdade, estão vagando entre a visita inesperada de hoje de manhã e tudo o que fico imaginando que eu poderia ter feito de diferente, pois, no fim das contas, desperdicei mais uma chance de falar com Katniss. Eu poderia ter dito alguma coisa. Qualquer coisa.

— PEETA MELLARK! O que você pensa que está fazendo? – Meu irmão Michael interrompe minhas divagações.

Infelizmente, não foi apenas um susto que ele me deu, pois, com o meu sobressalto, encostei o braço esquerdo no tabuleiro recém-saído do forno e não pude evitar a queimadura.

— Que brincadeira sem graça, Mike! – resmungo, com uma careta de dor.

Ele tenta ver o estrago que causou, mas me afasto, escondendo o ferimento.

— Desculpa, Peeta, não vi que você estava tão distraído. Deve ser por causa da proximidade dos Jogos, não é?

— O que mais poderia ser? – disfarço.

— Apesar de eu não correr mais o risco de ser um tributo, por já ter mais de 18 anos, ainda tenho pesadelos com a Colheita – murmura meu irmão mais velho, pensativo. — Falando nela, já começaram a montagem dos telões na praça, o posicionamento das câmeras e tudo mais. Fico fascinado com aqueles equipamentos... – Michael continua a falar, porém não presto muita atenção.

Fico horrorizado só de pensar que, como se não fosse suficiente a crueldade de confinar 24 crianças numa arena para se matarem mutuamente, condenando 23 delas à morte, os Jogos Vorazes são tratados como um grande espetáculo e uma fonte de diversão para a Capital.

Além disso, todos os habitantes dos Distritos são obrigados a acompanhar todas as etapas como telespectadores.

Isso só comprova o quanto estamos à mercê da Capital, que nos subjuga e oprime também ao nos transformar em cúmplices de suas atrocidades.

Afinal, as pessoas dos Distritos, que, a princípio, sofrem com a brutal realidade de entregar suas crianças em sacrifício, acabam anestesiadas pela forma como os Jogos são tratados, como entretenimento.

Pode parecer absurdo, mas é isso que observo todos os anos. Inicialmente, há o luto pela partida dos nossos jovens tributos, mas logo esses participantes se tornam as celebridades de um reality show cheio de emoções e surpresas, que, quanto mais belos, sedutores e letais, mais patrocinadores conseguem.

Aí começam as apostas, a curiosidade em relação a quem resistirá ao massacre, a escolha de um possível sobrevivente preferido para poder ficar na torcida por ele e, finalmente, a visita festiva do vitorioso aos Distritos alguns meses após o final de cada edição dos Jogos Vorazes.

Não culpo os habitantes de Panem por caírem nessa armadilha, pois esses são alguns dos mecanismos repugnantes de controle usados pela Capital. A alienação e a banalização do sofrimento alheio.

Preciso parar de me torturar com essas ideias. Balanço a cabeça, como se assim fosse possível afastar as minhas constatações aterradoras, e Michael, que ainda não havia parado de falar, olha pra mim com ar questionador:

— O que foi? Falei alguma besteira?

— Talvez. Mas, mudando de assunto... – Sorrio e viro meu braço queimado em sua direção. – Acho que você deveria tentar inventar uma máquina que produza um fogo que asse o pão, mas não queime a nossa pele – sugiro, brincando.

— Interessante... Um fogo que não queime a pele. Parece algo que alguém da Capital inventaria.

— Vou dar essa ideia a alguns deles, quando for fazer a entrega das encomendas. – digo e Michael ri.

Subo as escadas de nossa casa à procura da pomada para queimaduras, mas não a encontro.

Busco, então, em minha memória o melhor remédio: aquela imagem que gravei hoje de manhã, em detalhes, para ocupar minha mente em situações assim... Na verdade, em qualquer momento, a lembrança daquela cena será capaz de me fazer ficar perdido em meus pensamentos.  

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Olá, pessoal! Grata por acompanharem a fic até aqui. Se estiverem gostando (ou não!), comentem e votem, por favor. A opinião de vocês é muito valiosa!

Alguém notou a singela homenagem que fiz ao Cinna, no diálogo do Peeta com o irmão? ❤

Ele é um dos meus personagens preferidos, mas, como a fic se passa antes dos primeiros Jogos, não vai aparecer no decorrer da narrativa.

Beijos!

Isabela

O presente de Peeta para PrimOnde histórias criam vida. Descubra agora