A Teoria da Dama

CONHEÇA LILY.

Como vai ser o novo? Sei que Liverpool é uma cidade tão linda quanto Manchester, mas não sei qual dos dois é meu lugar. Meus pais dizem que Liverpool é a cidade perfeita para a Skyland, mas eu ainda acho que lugar de perfume é na França (não que eu queira me mudar para lá).

Nem tudo está perdido. Eu já tenho até uma amiga por aqui: Sophia Werlang, a mais loira e mais bonita de toda a fila formada para pegar os uniformes no colégio novo. Nossa amizade começou como aquelas que a minha mãe talvez faria se ela frequentasse filas de supermercado: rápida e divertida. Começou com nós duas comentando o quanto o uniforme é feio e parece com roupa de hipismo. Eu achava esse tipo de roupa elegante até aquele momento.

Nós ficamos tão amigas que começamos a trocar mensagens, e nesse meio tempo, já sei de bastante coisa sobre ela, acho até que ela não aparenta ter metade dos problemas que têm. Ela acabou de se mudar para Liverpool porque já faz um certo tempo que seus pais morreram, e é hora de começar uma nova vida com seu padrasto que não parece ser um cara tão amigável assim. Ela é uma garota forte, tão forte que eu nunca vou conhecer alguém igual, eu tenho certeza.

Nós ficamos tão amigas que agora ela está no meu quarto me ajudando a colocar meus quadros na parede. Serão seis postos lado-a-lado logo a cima da minha cama, todos prontos para abrigarem fotos tiradas com uma Polaroid.

— Nada de fotos de Manchester. Novo lugar, novas memórias — ela diz, olhando de longe para ver se os quadros então alinhados.

Ela mais do que eu, ela precisava de novas memórias.

— Quem é esse bebê, Lily? — ela pergunta, pegando uma das fotos espalhadas pelo carpete.
— Minha irmã, Lauren. Ela tem quase dois anos e é a coisa mais linda do mundo.
— Estou vendo! — ela sorri, revirando o amontoado de fotos.
— Prometo te apresentar ela em breve.
— Vou cobrar.

Eu me sinto bem em já ter alguém aqui, caso contrário, ficaria sozinha até as aulas começarem e poder pensar em conhecer alguém. Meus pais vão estar sempre trabalhando e levam Lauren com eles na maioria das vezes — vantagens de serem chefs.

Mas havia uma regra que separava Sophia de mim. Seus horários. Ela tinha hora para chegar em casa, como se ela fosse uma pequena garota que não sabe se cuidar.

Antes que ela fosse embora, notei no seu antebraço quatro pontos roxos, como se alguém tivesse pressionado os dedos ali tão fortemente que a machucou.

— O que é isso?
— Longa história... sempre estou me machucando...
— Isso foi um acidente, então?
— Claro.

Suspiro vendo ela se despedir com um "te vejo amanhã no colégio!"  E eu voltei ao meu quarto para preencher um dos quadros com fotos minhas e de Lauren.

XXX

Sophia não é o único rosto conhecido por mim aqui. Tenho que lidar com Alice, minha meia-irmã. Fruto do primeiro casamento do meu pai. E ela é só um ano mais velha que eu, o que me faz pensar em como meu pai é um pouco rápido demais.

Alice chegou a morar comigo alguns meses em Manchester, mas logo veio morar aqui com a mãe dela. Não consigo pensar no quanto teria sido horrível a nossa convivência esse tempo todo. Ninguém nunca acreditou em mim quando listo os mal feitos dela. Alice foi uma criança perversa, e agora, não creio que ela tenha se redimido.

— Oi Lily, saudades de mim?
— Depende, você quer que eu seja educada ou sincera?

Ela estava parada na minha porta, e eu procurava um motivo na vinda dela até aqui. Encher o saco, talvez? 

— Educada, por favor.
— Estou de saída, desculpa.

Nossas conversas eram recheadas de sarcasmo e ironias desde sempre, para sempre.

— Não vou demorar.
— Sei que não.
— Meu pai está?
— Não. O meu pai está trabalhando.

Ela estava disposta a ficar longos minutos esperando, mas ao contrário de mim, eu não tinha nem paciência, muito menos disposição.

— Desfrute do meu sofá, Alice! — Falei, a deixando sozinha na sala e correndo de volto para o meu quarto.