Três anos atrás...

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Era uma terça-feira chuvosa em Porto Alegre. Por sorte Caio havia escolhido uma mesa no segundo andar do restaurante isolada das demais e ainda dava para uma grande janela de vidro, onde podia disfarçar o seu choro. Contê-lo estava sendo uma tarefa hercúlea. O fato de estar chovendo torrencialmente contribuía para o cenário. Só faltava estar tocando alguma música estilo me-deixem-aqui-na-fossa do Roxette para completar. Uma verdadeira comédia romântica.

Ele apenas olhava para a janela, encarando a chuva, evitando qualquer possível contato visual com o homem sentando à sua frente na mesa. Alberto era o seu nome. Tinha o dobro da idade e do tamanho de Caio, além de ostentar uma vistosa barba negra que começava a ficar grisalha na área do queixo, e encarava o jovem com uma expressão de pena. A vontade de Alberto era de colocá-lo no colo e protegê-lo. Mas infelizmente ele era o causador daquelas lágrimas silenciosas. Tirou um lenço do bolso e entregou ao rapaz. Meio a contragosto, Caio aceitou e assoou o nariz, aproveitando para enxugar as lágrimas.

— Pode ficar — disse Alberto, com a sua voz grossa, porém suave.

— Aceitar lenços de presente é mau agouro, sabia? — dizia Caio entre soluços — Além de desfazer as amizades, ainda chama lágrimas.

O homem não teve como esconder um sorriso diante daquela situação.

— Incrível como até nessas horas você tem uma explicação.

— Nem sempre, senhor... Agora, por exemplo, estou procurando uma explicação lógica para o que está acontecendo.

Alberto conhecia aquela atitude muito bem. Quando estava chateado ou insatisfeito com alguma coisa, o chamava assim. Senão, usava a expressão "fio", que segundo o rapaz "era uma maneira de ao mesmo tempo ser carinhoso e não tão íntimo, além de um ótimo recurso quando esquecia o nome da pessoa".

— Porque esse tipo de coisa não requer explicações lógicas. Apenas aconteceu. Meu sentimento por você se transformou. Eu gosto de você, mas como um filho...

— Seu sentimento não parecia nem um pouco transformado ontem no meu apartamento. E tampouco parecíamos pai e filho — cortou Caio.

— Pois é, eu tinha ido no seu apartamento justamente para conversar com você a respeito. Mas não tive coragem. Me desculpe...

— Quem é o cara?

— Como assim? — reagiu Alberto, espantado com a pergunta.

— Não ofenda a minha inteligência. Tirando a diferença de idade e de peso, nós nunca brigamos, o sexo é bom e eu não banco o ciumento. Nesse caso só resta uma opção: um "lanchinho", que virou algo mais.

Alberto ficou em silêncio por alguns segundos. Deu uma respirada profunda e esboçou um sorriso de canto na boca.

— Nada te escapa, né, filhote? — Olhou para um lado, depois para o outro, como se procurasse por uma resposta. Caio, por sua vez, o encarava sério. — Não vamos entrar em detalhes. Não quero machucar você...

— Não me chama assim. Machucar? Mais ainda, quer dizer? Eu JÁ estou machucado, Alberto. Você não acha que pelo menos eu mereço uma explicação? A não ser que você não tenha levado a sério esse último ano que passamos juntos.

— Eu estou saindo com o Leonardo. Isso tem dois meses. — Caio arregalou os olhos, permanecendo em silêncio. Era como se sua mente tivesse travado numa tela azul do Windows.

—Leonardo, o Meia Tartaruga Ninja?

Caio conheceu o tal Leonardo numa visita que fez na agência onde Alberto trabalhava. Ele cursava o terceiro período do curso de Design Gráfico. Apesar de não ser ciumento, se incomodou um pouco com os elogios que seu namorado havia feito ao novo estagiário. Ele recebeu o carinhoso apelido de Meia Tartaruga Ninja de Caio porque seu nome era Leonardo Rafaelo. Geralmente usava esse apelido quando via que Alberto ficava elogiando demais o rapaz. Apesar de quase terem brigado uma vez por causa disso, nunca imaginou os reais motivos de defender o rapaz com tanto afinco. Até agora.

— Não gosto quando você fala assim dele, você sabe disso.

— Me dá um motivo para não fazer isso? Chamar ele de Meia Tartaruga Ninja é o mais brando que consigo pensar neste momento, mas, se quiser, posso realmente apelar e...

— Eu o amo, Caio. De verdade.

Silêncio na mesa. Não havia nada mais a ser dito. Caio pega a sua bolsa e se levanta. Alberto tenta impedir, mas antes que sequer insinuasse segurar Caio, este se desvencilha e só responde com um "não", num tom baixo e seco. Voltou para casa no meio do temporal. Não se importou em chegar ensopado. A chuva serviu para esconder as lágrimas. Menos de duas semanas depois, já estava no aeroporto indo reconstruir a sua vida na chamada Cidade Maravilhosa.

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora