As definições de problemas foram atualizadas

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Como diria um filósofo laranja: "Eu odeio segundas-feiras". Mas para Caio, a segunda estava com gosto de primeiro dia útil do ano. Pior: gosto de último capítulo de novela. A partir daquele dia, tudo era surpresa, tudo era novidade. Levantou-se da cama, tomou uma rápida ducha gelada para acordar de vez. Se arrumou e foi para a agência. Apesar de originalmente trabalhar como redator em Porto Alegre, acabou se estabelecendo como social media quando se mudou para o Rio de Janeiro.

Mal entrou no vagão do metrô e já pipocavam mensagens pelo WhatsApp. Era Max, perguntando se já estava chegando.

"No Metrô ainda. Chegando em vinte minutos."

"Eu soube pela Carla que hoje o Paulo vai apresentar o novo sócio."

Paulo, seu chefe, havia comentado com alguns funcionários sobre os planos de crescimento da agência há algumas semanas.

"Entendi, e ele quer todo mundo limpinho e cheiroso, rsrsr"

"Pois é. A reunião vai ser as onze."

Pelo visto o dia era mesmo de mudanças.

Conforme combinado, vinte minutos depois Caio já estava em sua mesa, munido de seu cappuccino duplo e pão de queijo. Mal ligara o Mac e Max se materializava ao seu lado.

— Preocupado? – perguntou Caio, degustando um gole do cappuccino.

— Curioso, na verdade. Espero que, com a chegada desse novo sócio, cabeças não rolem por aqui.

— Verdade. Tudo o que precisamos é de um sobrinho por aqui arrotando regras.

— Deixa eu ir lá, porque o cliente pediu mais uma alteração no layout. Pelo visto a esposa se arrependeu do tom roxo que escolheu. – e Max seguiu para a sua mesa.

A manhã seguiu normalmente, e conforme o combinado, as onze em ponto a equipe já se encontrava na sala de reuniões. Normalmente a sala comportava confortavelmente umas oito pessoas. De modo que as quinze pessoas da agência tiveram que se espremer um pouco.

Diante dos burburinhos, a curiosidade sobre o novo sócio era maior do que o temor de corte de funcionários. Paulo fazia questão de manter em sigilo absoluto qualquer tipo de informação a respeito, com medo de mau agouro.

— Você está muito tranquilo. – perguntou Max, sentado ao seu lado.

— Na verdade estou com a cabeça longe daqui.

— Algum problema?

— Na verdade não. Estou cogitando se compro o Street Fighter V para PC ou para o PS4.

— Aff, nem me fale nessa safada da Capcom. Onde já se viu? E nós, portadores do XBOX ONE?

— Já está errado por ser Caixista. Fica com o Killer Instinct, que é um "jogaço". – simulando diversas aspas no ar com as mãos. - Sony rules, sorry!

A risada de ambos foi interrompida pela chegada de Paulo, visivelmente ansioso, trajando um treno cinza escuro, combinando com a gravata da mesma cor e a camisa azul.

— Bom dia, pessoal. Desculpe o atraso. Sei que devem estar tão ansiosos como eu para o anuncio de hoje... – e começou um discurso sobre como começou a empresa, a luta de ser uma agência pequena diante de tantos gigantes no mercado e as inúmeras conquistas que tiveram até aquele momento. Caio sentiu falta do cappuccino. Imaginou se acrescentasse um Double Damage Morango ao Duplo Cappuccino. Ou daria uma coisa sensacional ou um verdadeiro desastre. A tarde colocaria em prática o seu experimento.

— ...mas aconteceu que, nessa busca por um sócio, uma das grandes se interessou por nós. E fez uma proposta tão boa que não pude perguntar.

O clima de apreensão era palpável na sala. Uma gota de suor escorria discretamente pela testa de Max, apesar do forte ar condicionado. Caio entendia o porquê. Max e Pedro pretendiam adotar uma criança ainda este ano. Estavam na fila há anos e agora que tudo estava encaminhando uma má notícia podia colocar tudo a perder. Deu um discreto soquinho no braço do amigo para chamar a sua atenção, seguido de uma expressão de que tudo vai dar certo. Paulo falou por mais alguns minutos sobre os planos que tinha para a sua vida pessoal, de curtir mais os gêmeos recém-nascidos, da preocupação que teve para que seu pessoal continuasse na empresa, pois sabia que assim como ele, sua equipe também tinha sonhos e ambições e acima de tudo, contas para pagar.

— Bom, então nada mais justo que apresentar seu novo chefe. - pegou seu smartphone, digitou algumas palavras. Segundos depois a porta da sala de reuniões se abria. A medida que o novo dono entrava pela sala, os olhos de Caio se arregalavam. Em câmera lenta, viu passo a passo do seu novo chefe se posicionar ao lado de Paulo. Ostentando um grande sorriso, combinando com a sua barba grisalha, seu grande corpanzil num terno preto.

— Pessoal, este é o sr. Alberto Ferrero. Novo dono da Agência Venture.

Então Caio lembrou de algo que Alberto disse na Terra Prime: "Eu ainda tenho negócios a tratar aqui no Rio, fora que eu quero aproveitar esses dias para termos uma segunda lua de mel na Cidade Maravilhosa". Então esses eram os negócios.

Max discretamente cochichou para Caio.

— Ele não estava lá no casamento dos Três Marias?

Caio sequer ouviu a pergunta. Só pensava qual cidade era mais longe: Vancouver ou Wellington. Transtornado como estava, naquele momento, Nova Iguaçu já era uma opção viável. Mas acima de tudo não podia transparecer.

— Não sei, acho que sim. – mentiu o melhor que pode.

Alberto começou um discurso de apresentação, falou da sua vida, sua carreira, coisas que Caio já sabia de cor e salteado e sinceramente, não estava muito animado em ouvir. Sua mente borbulhava em planos. Precisava planejar as coisas daqui por diante com cuidado. Estava muito tentado a fazer as malas e recomeçar em outro lugar. Chegou a pensar em usar o segundo salto da Lágrima de Cronos. Voltaria pouco antes da Copa do Mundo e ganharia uma grana com apostas, garantindo uma nova vida. Vancouver é uma das melhores cidades do mundo para se viver, já Wellington ficava na Terra Média, por mais que insistissem que era na Nova Zelândia.

Mas, sua vida ia se resumir a isso? Fugir ao menor sinal da sombra de Alberto? Sentiu como se os últimos quatro anos de fuga tivessem sido em vão.

Subitamente suas divagações são interrompidas por Max, que balançava o seu ombro. O jovem parecia ter despertado de um transe.

— Caio! Você tá bem?

— Nada não. Pensando com os meus botões. Vou comprar a versão pra PC mesmo.

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora