— Como eu pude ser tão estúpido??? — perguntava Caio a si mesmo, com as duas mãos na testa. — Você fez o Alberto se apaixonar pelo Meia Tartaruga Ninja. Tão óbvio! Você veio dizendo que eu ando ferrando com o seu trabalho, mas você acabou com a minha vida!!
— Sim e não — respondeu Eros, que calmamente lavava as mãos, sem encarar o rapaz.
— Como assim, sim e não?
— Pois bem. Em primeiro lugar você nunca esteve destinado a ficar com o Alberto.
— Como assim?
— O destino dele sempre esteve ligado ao Meia Tar... quero dizer, Leonardo. Você foi um erro de percurso que cometi e atrasou o destino dos dois por quase um ano. Eu consegui consertar as coisas, mas, nesse ínterim, você era o elemento a ser retirado na equação.
Caio se recosta na parede do banheiro apertado e desliza até sentar no chão. Seu olhar estava distante. Perdido. Lágrimas brotavam de seus olhos, enquanto procurava uma explicação racional para algo que de racional não tinha nada.
— Eu não imaginava que você se tornaria uma pessoa descrente de amor — continuou o deus — Pessoas normais choram por um tempo e depois se recompõem, dão a volta por cima. Eu mesmo tentei te ajudar diversas outras vezes para reparar o meu erro, mas como você não acredita em amor, meus poderes não funcionam em você.
O rapaz continua calado, em lágrimas, quase imóvel.
— Se isso fizer se sentir melhor, desculpe — disse Eros.
Caio nada respondeu, apenas encarou o deus do amor com ódio no olhar. Tentou se levantar, quase escorregou. Eros bem que tentou ajudar, mas o rapaz recusou-se veementemente. Voltou a lavar o rosto, respirou fundo e disse:
— Melhor você voltar pra mesa, antes que pensem algo sobre nós. Eu vou daqui a alguns minutos. E, chegando lá, me deixa ir embora, ok?
— Mas...
— Só em deixa ir embora, tá legal?
— Eu vou dizer que você está resolvendo algum problema na agência pelo celular.
Caio ignora o comentário do deus, que por sua vez volta para a mesa, novamente vestido com o seu terno cinza escuro. Alberto e Leonardo desfrutavam de seus lanches.
— Está tudo bem com o Caio? — perguntou Alberto, preocupado.
— Sim, sim. Ele tá lá no celular. Acho que resolvendo algum pepino da agência.
Minutos depois, Caio volta à mesa. Disfarçou a cara de choro o máximo que pôde. Na pior das hipóteses, iriam achar que chorou por causa do reencontro com Alberto e das lembranças do rompimento que o reencontro trouxe.
— Pessoal, desculpe a demora. Problemas na agência — Caio diz, encarando Eros seriamente.
— Sua conta chegou. — Aponta Leonardo sobre a mesa.
— Beleza. Bom, vou pagar lá no caixa mesmo. Vou nessa.
Alberto fez questão de se levantar para dar um abraço. O mesmo abraço de urso de minutos atrás. Um abraço que Caio só conheceu por um erro de percurso. Caio se segurou para não cair em lágrimas ali mesmo. Abraçou Leonardo, que sempre fora alvo de seus comentários e visto por ele como o cara que destruiu sua vida. Sendo que, na verdade, era ele, Caio, o errado na história. E, por último, seu "amigo" Eros. Apertou a sua mão. Deu uns tapinhas nas costas e seguiu até o caixa. Pagamento feito, tudo o que queria no momento era sumir dali.
Quando estava a três passos da esquina, sentiu alguém puxar o seu braço. Era Alberto.
— Você não está bem — afirmou com a sua voz grossa.
Caio parou pensativo por um instante. O que iria dizer? Que descobriu que deuses vivem entre nós e que um deles errou e ferrou com a sua vida? Olhou à sua volta em busca alguma coisa, qualquer coisa que o ajudasse naquele momento. Encarou Alberto em silêncio por alguns segundos e finalmente desabafou:
— Sempre foi você.
— Como?
— Minha inspiração. Meu Norte. A felicidade de apreciar o brilho dos seus olhos. Você foi o tipo de pessoa que esperei toda a minha vida. Aquela pessoa com quem eu adoraria envelhecer. Tipo, você é o cara mais sensacional e incrível que eu conheço. Me imaginava com você aos noventa anos, e eu te levando para apreciar o pôr do sol. Mesmo se não ficássemos juntos, eu esperaria o tempo que fosse por uma segunda chance. Nem que fosse para apenas estar ao seu lado. Queria ser especial para você.
— Eu não fazia ideia.
— Então um dia eu vi você e o Leonardo interagindo lá no seu escritório. O seu olhar, os gestos. Ali eu já tinha percebido algo. E como eu torci para ser exagero da minha parte. Mas não era.
— Mas eu ainda gosto de você. Você sabe disso. Você é como um filho para mim...
— Até na hora de definir o que sente de mim, você usou a palavra "gostar" em vez de "amar". E, sim, existem diferenças entre essas duas palavras, Alberto. Mas eu entendo, agora mais do nunca, o bem que o Leonardo te faz. Ele sempre vai ter uma coisa que desejei por toda a vida: seu amor.
— Eu me importo com você. Mas não posso retribuir esse amor. Acho que nunca pude. Você é especial para mim, sim, mas como filho. Não como namorado. Te gosto e quero muito.
— Eu entendo melhor do que imagina. Infelizmente, apesar do cérebro processar isso muito bem, o coração ainda custa a aceitar. Sabe, nós dois ficamos juntos por pouco mais de um ano. Para mim, foi, sei lá, uns dezessete. Mas passou. Sou só uma nota de rodapé na sua história, talvez até um erro de percurso.
Caio vai se afastando, rumo à estação de metrô. Alberto ainda tenta um último apelo:
— Eu queria fazer algo por você...
O rapaz se vira e fala:
— Se você encontrar o Cupido por aí, avisa que ele me deve uma grana preta.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Caio não acredita no amor
General FictionDepois de uma desilusão amorosa, Caio decidiu não mais mais acreditar em amor. O que ele não imaginava eram as consequências dessa atitude.