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Se houvesse um prêmio para maior procrastinação na categoria de "Redator Revelação com maior Pança e Barba", Caio teria ganho de lavada. Se nas cinco horas seguintes digitou um parágrafo inteiro, foi muito. Alberto, por sua vez, ficou a tarde toda trancado em sua sala e não incomodou ninguém – para alívio de Caio. No fundo, ele torcia para que o velho urso e seu companheiro Leonardo superassem a crise e que desistisse dessa idiotice toda de estar apaixonado.

O relógio mal deu dezoito horas e Caio rumou para o elevador, negando os convites de Max para um happy hour com os amigos.

— Ah, vamos. Vai ser legal! – insistia Max. – Até os Três Marias vão aparecer.

— Sem cabeça, Max. Dormi pouco e muito mal ontem. Quero chegar em casa e apenas desmaiar na minha cama.

— O que aconteceu lá no escritório que você não pode ou não quer contar? O Alberto te cantou?

— Não.

— Então, o que foi?

— Max, amanhã eu prometo almoçar com você e te conto tudo.

— Amanhã é sábado.

— Eu prometo te ligar à tarde.

— Ok... - respondeu o amigo, frustrado – Mas de amanhã você não escapa.

Caio estava a um fio de ser muito mal-educado com o melhor amigo. Mas a coisa ia além de uma cantada do seu chefe. Envolvia artefatos antigos, viagens no tempo e histórias de amor mal resolvidas. Pelo menos ia ter tempo de pensar numa história para convencer Max.

Finalmente, após enfrentar o metrô lotado, o jovem chegava em casa. Mal entrou em seu apartamento e foi surpreendido por uma voz familiar, no meio de sua sala.

— Oi Caio. Sentiu minha falta?

Era Eros. Estava esparramado em seu sofá, com as suas vestes de guerra, mais parecendo um adepto de sadomasoquismo do que o deus do amor em si. Aliás, o único detalhe que o diferenciava de um (grande, gordo e barbudo) humano normal eram as pequenas asas em suas costas.

— O bastante para não querer vê-lo por muito tempo. – respondeu o rapaz, andando em direção a cozinha. Abriu a geladeira e pegou um refrigerante. – A não ser que você tenha uma justificativa muito boa para invadir o meu apartamento, nós não temos mais nenhum negócio a tratar.

— Eu não posso visitar um velho amigo? – Berrava o deus da sala.

— Não somos amigos. – saindo da cozinha.

Eros se levanta e convida o jovem para sentar-se, aproveitando para pegar o controle remoto da tevê e um controle do PS4, voltando ao sofá. Caio ainda permanecia de pé, com o refrigerante na mão.

— Vem, senta aqui. Quero te mostrar uma coisa. – insistiu o deus, ligando a tv. – Aposto que você vai gostar...

A tela de quarenta e duas polegadas mostrava um quarto de casal, num apart-hotel, onde um rapaz gordo, de cavanhaque, jogava um Nintendo 3DS sentando numa poltrona. Perto dele, uma mala ainda fechada. Quando, por uma porta, entra um velho urso, gordo, de barba grisalha, trajando um robe.

— Já decidiu aonde você quer jantar, Leo? - perguntava o velho.

— Qualquer lugar está bom, Alberto. Você conhece aqui muito melhor do que eu. – respondeu o rapaz, sem tirar os olhos do portátil.

"Oi?", pensou Caio, diante de tudo aquilo. Seriam mesmo Alberto e Leonardo ou apenas uma maquinação de Eros? Ao virar-se para o deus, viu que ele manipulava o controle com um sorrisinho nos lábios. Foi quando percebeu que logo abaixo na tela tinha um menu com algumas opções de frases como um jogo, dizendo:

"— POR QUE NÃO PEDIMOS ALGO EM VEZ DE SAIR?"

"— PODEMOS IR NAQUELE QUE FOMOS DA ÚLTIMA VEZ E VOCÊ GOSTOU."

"— NÃO ESTOU COM FOME. PODEMOS FAZER UM LANCHE..."

"NÃO FALAR NADA."

Eros aperta um botão no joystick e uma das opções brilha na tela brilha. E como por mágica, logo em seguida as palavras saem da boca de Leonardo:

— Por que não pedimos algo em vez de sair?

E não era só isso. As falas de Alberto também eram opções do jogo.

"— PORQUE PRECISAMOS CONVERSAR."

"— OLHA QUE NOITE LINDA! EU GOSTARIA DE PASSEAR COM VOCÊ."

"— VOCÊ NÃO PODE LARGAR ESSA PORRA DE JOGO POR UM INSTANTE?"

"SAIR DA SALA."

— Estou indeciso sobre sobre "precisar conversar" e "pedir para largar o 3DS". O que me sugere? – pergunta o deus, se virando para Caio, que olhava a tudo, estarrecido. Diante do silêncio do jovem, Eros aperta um botão do joystick e...

— Porque precisamos conversar.

— Podemos conversar aqui.

— Não, não podemos. – respondeu Alberto, já com uma pequena alteração na voz.

— Ok. Vou tomar um banho.

Mal Leonardo saiu do quarto em direção ao banheiro e Alberto sentou-se na beira da cama king size. Estava visivelmente apreensivo. Até que ficou olhando para o seu celular por uns instantes, pegou o aparelho e discou para um número. Segundo depois, o iPhone de Caio tocava.

— Não vai atender? – perguntou Eros. O nome de Alberto aparece no display do aparelho. Caio relutava..

– Acho que é importante. – insistiu o deus.

Meio que a contragosto, Caio atende a ligação.

— Alô?

— C-caio? É Alberto. Tá podendo falar? – perguntava num tom baixo, confirmado pela visão na tela do velho urso se afastando do quarto e indo para a sala do apart hotel.

— Se for rápido, sim.

— Eu queria te ver hoje. É possível? Preciso conversar com alguém...

— Alberto, pro seu próprio bem, melhor não. Você conversou com seu companheiro sobre aquele problema?

— N-não. Ele está no banho.

Não era preciso ver pela tevê o quão palpável era o nervosismo do velho urso. A única pessoa que parecia se divertir com aquilo tudo era Eros, que escolhia as respostas de Alberto numa velocidade maior do que Caio podia acompanhar.

— Olha só, Alberto. Seja honesto com o seu marido. É tudo o que posso te recomendar nesse momento. Tenha um bom fim de semana. Até segunda. – e desligou.

Pela tela Alberto estava sentado numa poltrona na sala chorando em silêncio. No canto inferior, apareciam quatro novas opções para escolher e continuar o jogo:

"CONTINUAR CHORANDO."

"LIGAR DE NOVO."

"VOLTAR AO QUARTO."

"DESISTIR DE TUDO."

O cursor brilhava na última frase, quando Eros se vira apara Caio e pergunta, sorridente:

— Então, está pronto para me devolver a Lágrima de Cronos?

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora