Também conhecido como Cupido

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— Eros, sério? — Foi a primeira coisa que passou pela cabeça de Caio e que saiu de sua boca. — Desculpe-me, mas sempre me venderam você como um garotinho pelado de cabelos encaracolados, não um mashup de coadjuvante de Xena com American Chopper. Isso se eu não estiver alucinando...

— Esquece que também sou filho de Ares?

— Depende da versão. Platão te define como filho de Pínia e Poros. Mas eu gosto mais da versão Ares e Afrodite. É mais digna, sabe?

Nesse momento foi perceptível uma outra veia sobressaindo na testa da careca daquele que dizia ser o deus do amor, fitando Caio seriamente numa expressão que contradizia com o seu propósito divino. Outros mortais estariam se borrando de medo de estar em sua presença. Mas esse garoto não. Ele o encarava como um perturbado fantasiado. A única conclusão possível era que a sua descrença era tão forte que chegava a afetar os seus poderes divinos.

— Você é bom com as palavras.

— Anos jogando RPG — justificou o rapaz. — Sem falar na Wikipédia.

Nesse exato momento, como que por mágica, um atendente surge entre os dois com uma bandeja com dois grandes copos e um prato com alguns cupcakes. Ele entrega um Double Damage Morango para Caio e um Expresso 4X4 Chantilly e as iguarias para Eros.

"O Deus do Amor bebe café." — pensou Caio, imaginando que talvez essa fosse a desculpa dele ter uma mira tão péssima.

— Mas continuando, — disse o deus — qual é o seu problema?

— Comigo? Nenhum. Foi você que me abordou aqui dizendo que eu ferro com o seu trabalho.

— Você é esperto. Sabe quem eu sou e o que eu faço.

— Vai me dizer que se ofendeu com o que eu penso? Sobre não acreditar em amor?

Eros abocanha um dos cupcakes quase por inteiro, deixando metade da cobertura espalhada por sua barba negra.

— EXATAMENTE!! Você tem ideia de como os Três Marias saíram abalados daqui, com as suas declarações? Ou do taxista de ontem à noite? Ou dos seus amigos, lá no bar?

— Eles são adultos. Vão sobreviver. Se realmente eles acreditam em "amor" — diz gesticulando aspas no ar — vão superar numa boa. Se não, não era amor verdadeiro, não concorda?

A frieza da resposta surpreendeu Eros, que abocanhava o segundo cupcake. Caio permanecia sério.

— Aliás — Caio continuou — se você fosse realmente eficiente, teria atendido o meu pedido há muito tempo.

— Pedido?

Caio recostou os cotovelos sobre a mesa, inclinando-se para a frente, e apoiou a cabeça sobre as mãos. Olhava por cima dos óculos e sua face emitia um sorrisinho sarcástico:

— Pelos os meus cálculos, faz quase três anos que venho pedindo para trocar a minha parte de amor nesta vida por dinheiro. Ou você nunca viu as minhas postagens no Facebook? Pelo saldo da minha conta bancária, você tem mandado muito mal. Será que eu deveria pedir ajuda a Tique?

Aquela era a gota d'água. Eros se levanta raivoso e saca uma besta, apontando para a cabeça de Caio, que parecia não se abalar. As pessoas em volta no café pareciam cegas ao que estava acontecendo.

— FILHO DA PUTA!! ME DÁ UM MOTIVO PARA NÃO ESPALHAR SEUS MIOLOS POR TODO ESTE LUGAR!!

— Deuses são alimentados por crenças, assim como contos de fadas...

O dedo de Eros tremia no gatilho da besta. Bastava um gesto e era o fim daquele mortal insolente. Talvez tivesse que se reportar para os seus pais, mas poderia muito bem ser um acidente de trabalho. Já aconteceu antes e poderia acontecer de novo.

— E DAÍ??

— Daí que eu não acredito em amor. Sua força motriz. Logo, eu não acredito em você. Logo, seus poderes não funcionariam comigo.

Ele sabia. Eros estava incrédulo com o que estava ouvindo. Realmente havia subestimado o rapaz.

— Fora que eu tenho uma teoria sobre como você está todo raivoso e cheio de ódio, sua besta não vai funcionar. É como você querer substituir o chocolate por morango na receita de brigadeiro. Desanda.

A besta na mão do deus se dissolve no ar e ele senta de volta na cadeira e abocanha o terceiro cupcake. Sua testa não apresentava mais nenhuma veia inchada. Caio termina o seu Double Damage Morango e diz:

— Olha, nada pessoal. Eu prometo ficar mais calado quando me perguntarem sobre esse lance de amor e coisa e tal. Mas faz uma forcinha e vê se dá para cair uns milhõezinhos lá na minha conta, beleza? Talvez eu escreva uma fanfic sobre isso, mudando o meu nome, é claro, e vá vender online.

Porém, antes que levantasse, Eros o segura pelo antebraço, pegando o jovem de surpresa.

—Sabe, vou te dizer uma coisa: eu pensei que usando uma abordagem direta como meu pai usaria seria o suficiente, mas eu estava errado. — Caio tentava se desvencilhar, em vão. — Mas nesses casos, quando o "plano A" falha, é hora de pôr o "plano B" em ação.

—Plano B? Que diabos seria isso?

Era a vez de Eros exibir um grande sorriso repleto de dentes brancos, olhando em direção à porta do Café Geek.

—Família.

Caio olha na direção da porta e tem a confirmação de que deuses existem.

E que são grandessíssimos filhos da puta.

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora