A sexta-feira havia seguido incrivelmente tranquila na agência. Tanto que o chefe de Caio deixou que saísse mais cedo. Recusando o convite dos companheiros de trabalho para um happy-hour, seguiu até a nova cafeteria, na Rua do Ouvidor, centro do Rio. Havia marcado com três amigos que queriam lhe dar uma notícia em primeira mão.
O Café Geek juntava duas paixões de Caio: nerdices e café. Sua fachada era decorada com diversos objetos referentes às séries, desenhos, filmes, jogos e quadrinhos que tanto admirava. Logo o local havia se tornado um point agradável e acolhedor. Da entrada já podia avistar os Três Marias, como se referia a Mauro, Mário e Marlon.
Mauro, Mário e Marlon eram um caso curioso. Não por serem um trouple, como é chamado um casal de três. Tampouco por serem homens e adeptos do poliamor. Mas pela assustadora semelhança entre eles. Exceto pela altura, porque Mauro era mais baixo e Marlon mais alto. Os três eram brancos, peludos, gordos e ostentavam barba. Muitas pessoas achavam que os três eram irmãos. Quando estava junto com o trio e presenciava essa situação em que alguém fazia a fatídica pergunta, Caio adorava se imaginar respondendo por eles: "Não, minha senhora. Eles só se comem...".
Após abraços calorosos, sentado à mesa, Caio faz o seu pedido ao atendente. Era palpável a empolgação do trio.
— Bom, como diria Shakira, estoy aqui. Qual é a novidade?
O trio sacou a mão direita numa sincronia digna de uma competição olímpica; era visível nelas um anel prateado com um pequeno triângulo. Em cada anel o triângulo ficava numa posição diferente, de modo que os três juntos formavam um triângulo maior. Caio observava aquilo em silêncio, enquanto os Três Marias o encaravam.
O rapaz encarou os anéis por longos instantes, até que se dirigiu ao trio com um sorrisinho amarelo.
— Eu entendi que estão noivos, mas não pesquei o lancezinho dos triângulos.... É alguma coisa egípcia?
— TRIFORCE, CAIO! —falou Marlon. —Como nós amamos Zelda, resolvemos também imortalizar o nosso amor pelo jogo em nossas alianças!
— Putz, como não pesquei essa! — falava Caio com a mão na testa. — Falha minha, pessoal!
Mentira. Tinha sacado desde o início. Mas como não queria estragar o momento deles, seria uma "mentirinha saudável" que adorariam conversar entre os amigos. Mário tomou o rumo da conversa, voltando a ficar empolgado:
— Bom, nós te chamamos aqui porque vamos realizar a cerimônia lá na cobertura do meu tio. Apesar do Marlon ser ateu, ele aceitou numa boa que uma amiga da minha mãe, que é espírita, formalizasse a união.
— Vai ser uma coisa simples, só uns amigos chegados — continuou Mauro — Vai ter uns comes e bebes.... E nós te chamamos aqui porque temos um convite especial para te fazer....
— Nós queremos que você seja o nosso padrinho, Caio — terminou Marlon, sorridente.
Os segundos se arrastaram por longos instantes. Matematicamente falando, era como se a empolgação do trio fosse inversamente proporcional à reação de Caio. Até que Marlon quebrou o silêncio:
— E então?
— Passo — respondeu o amigo secamente.
Atônitos, os três arregalaram os olhos. Caio continuou:
— Eu não posso ser falso com vocês. Mas seria hipocrisia aceitar seu convite. Se eu não acredito no amor entre duas pessoas, quanto mais entre três.
O silêncio do momento era palpável. Até que Marlon se levanta, seguido pelos outros dois, com uma visível cara de mal-estar.
— Beleza, então. Bom, a cerimônia vai ser no domingo. Se quiser aparecer, tudo bem. Senão, foda-se.
Vendo os três partirem, Caio não compreendia o que tinha feito de errado. Na sua cabeça foi melhor assim, pois não queria ser falso com amigos. Por outro lado, achava um melodrama a atitude dos três. Só porque disse — de novo — que não acreditava em amor. Novamente se encontrava distraído em seus pensamentos.
Foi quando sentiu alguém cutucar seu obro direito. Chegou a pensar que era um dos Três Marias que tinha voltado para reforçar o convite, mas ao se virar viu um homem corpulento, mas com uma certa barriguinha, alto, tatuagem pelos braços e pelo corpo. Vestia uma espécie de kilt de couro — ou seria uma toga romana? Estava com o peito peludo nu, com algumas tiras de couro, assim como os braceletes. Sua cara de poucos amigos refletia em sua careca e sua barba negra e cheia. E nas suas costas era possível ver... um par de asas pequenas?
— Caio Martins de Oliveira? — perguntou num timbre firme, ao mesmo tempo que se sentava a mesa.
— Sou eu.
— Você tem ideia do que está fazendo?
— Esperando meu Double Damage Morango.
— Engraçadinho — disse o grandalhão, pausadamente. — Eu estou cansado de ver você ferrando com o meu trabalho.
— Perdão? Mas a não ser que você trabalhe com redação, não existe maneira de eu atrapalhar o seu serviço. A não ser que...
O estranho esboçou um sorriso.
— O senhor trabalha num daqueles serviços de telegrama cantado, contratado por alguém para felicitar os Três Marias pelo casório! — disse Caio, seriamente.
Era possível ver uma veia saltando na testa do grandalhão, curiosamente harmonizando com sua expressão de fúria. Ele olha para baixo, respira fundo pausadamente e volta a encarar Caio:
— Preste atenção à sua volta, espertinho...
Foi então que Caio reparou que o Café Geek estava num clima romântico como nunca havia visto antes. Eram abraços carinhosos, selinhos, beijos profundos. Praticamente todas as pessoas do lugar estavam num love só. Uma verdadeira celebração do amor. Até que sua atenção se voltou ao estranho, que, com uma das mãos sobre a mesa, batia a ponta dos dedos, ritmicamente.
Até que o som parecia mais alto que o normal, quando percebeu que todas as pessoas do café repetiam o mesmo gesto, independente do que estivessem fazendo. Voltando sua atenção ao estranho, Caio reparou nas tatuagens do seu braço. Uma delas era um grande coração atravessado por uma flecha, onde se lia, com letras garrafais, uma pequena palavra de quatro letras que parecia pulsar no ritmo de um batimento cardíaco.
"EROS"
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Caio não acredita no amor
General FictionDepois de uma desilusão amorosa, Caio decidiu não mais mais acreditar em amor. O que ele não imaginava eram as consequências dessa atitude.