Espalham por aí boatos de que ficarei aqui

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Institivamente, a primeira coisa que Caio fez foi procurar pelo seu iPhone. E foi uma reconfortante - porém, desagradável - surpresa ao ver que era o seu velho 3GS, em vez do modelo 5 que usava atualmente. Isto é, daqui há alguns anos. Ainda sob o som de Shakira em looping, foi até a cozinha, confirmou a data na folhinha presa na porta da geladeira. Depois foi no seu velho PC e repetiu o mesmo ritual, após uns segundos de readaptação ao Windows 7.

Abriu o Google Chrome e entrou em direto no Ursos.com, tido como um dos principais sites de relacionamento para pessoas como ele: gays, gordos, barbudos. Levaria ainda alguns anos para o site usar a alcunha atual de Bea.rs, o que rendia os apelidos de site azul - devido a cor predominante do site - e de Bia do Rio Grande do Sul.

Foi nesse site que Caio conheceu Alberto, onde enquanto surfava pela internet e cantarolava "Dónde estás corazón?" uma mensagem pulou em seu painel de mensagens de um tal OrsoBerto, cuja foto principal era um close em seu grande peito peludo. Foi um "oi" que rendeu uma conversa que se estendeu madrugada adentro. Depois disso, foram encontros, descobertas de afinidades, namoro, separação e a decepção de descobrir ser um acidente de percurso. Foi até o painel de controle, primeiro deletando todas as suas fotos. Depois, deletou todo o texto explicativo sobre suas preferências e por fim deletou a conta. Como em um ritual de despedida. Visitou outros sites de relacionamento e fez a mesma coisa. Em seguida foi a vez dos "apps de pegação". Era como se nunca tivesse existido, interneticamente falando.

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Há alguns quilômetros dali Alberto acabava de sair do banho. Vestindo um robe, foi até o seu laptop onde a página do Ursos.com estava aberta. Estava "à caça", como dizia alguns amigos seus. Fizera o seu perfil há alguns dias e já tinha umas cinquenta mensagens em sua caixa. Muitas delas elogiando suas fotos, outras com convites para sexo – uns mais ousados e diretos do que outros. Até que passeando pelos perfis online, se interessou por um em especial: C410B34R. Era também de Poá. Seu texto de apresentação parecia bastante agradável, assim como a sua foto de rosto e suas medidas. Não pensou duas vezes em mandar um "Oi". Infelizmente após alguns segundos uma mensagem pulava na tela avisando que "O Usuário não foi encontrado".

"Uma pena..." – lamentou.

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O segundo passo de Caio seria planejar sua viagem para o Rio de Janeiro. Gostava de Porto Alegre, mas fez muitas amizades produtivas e havia se apegado por demais à Cidade Maravilhosa. Fora que era uma garantia extra de que não encontraria com Alberto e acabar complicando ainda mais as coisas, gerando um caos no espaço-tempo. Foi perdido nesses pensamentos que se deu conta no quanto foi broxante a sua viagem espaço-temporal. Esperava mergulhar num túnel com visões de suas lembranças, de vidas paralelas. Ou, pelo menos, luzes e sons. Mas nada disso. Um simples piscar de olhos. Coisa mais sem graça.

Detestava usar o Excel, mas ele era essencial para o seu controle de gastos. Resolveu reservar uma parte maior do seu salário para o seu fundo de emergência, que na época serviu de ajuda para a sua viagem repentina. Dessa vez teria um ano para se planejar bem. Alguns sacrifícios seriam necessários, como a PSN e World of Warcraft. Logo agora que o seu Tauren Caçador estava indo tão bem no Cataclysm. Pelo menos ainda faltava alguns anos para o lançamento de Mist of Pandaria. Mas pretendia recuperar tudo após se estabelecer na nova cidade.

— Um ano passa rápido... – sussurrou para si mesmo, como consolo.

E passou mesmo. A maior vantagem de conviver com uma pessoa é conhecer seus hábitos. Mesmo que nunca tivesse se encontrado com Alberto nessa linha de tempo, Caio soube evitar os lugares que ele gostava de frequentar. Claro que algumas vezes o viu de longe em uma livraria ou outra, mas soube sair de fininho e passar desapercebido todas as vezes. Chegou até a vê-lo na companhia de Leonardo, já próximo da data da sua mudança. Estava para atravessar a Avenida Desembargador André da Rocha quando avistou os dois, de carro. Instintivamente, deu meia volta e seguiu pela Vinte e Quatro de Maio. Mesmo assim, vê-los juntos de relance, interagindo, doeu um pouco em seu peito. Mas menos do que antes. Parece que o plano de Eros estava dando certo, afinal.

E chegou o dia da viagem. O engraçado que na linha do tempo original, havia mentido a data de sua partida para Alberto, pois ele fazia questão de se despedir. Quase teve pena do seu ex imaginando o tempo que deve ter perdido procurando por ele no aeroporto.

Quase.

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora