Lá e de volta outra vez

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— Lágrima de Cronos? Sério? – Disse Caio jocosamente, tentando segurar o riso, segurando o pingente em suas mãos. Em seguida olhou para a tela do smartphone e voltou a sua atenção para Eros – Você tem três minutos até o meu taxi chegar.

O deus do amor, por sua vez, mantinha-se sério. Era visível uma veia exaltada em sua testa. Mas respirou fundo e tentou manter a calma.

— Uma Lágrima de Cronos pode fazer você voltar ao tempo. A qualquer lugar do passado que você possa ter vivido.

Okey, digamos que eu acredite nisso tudo. – Rodopiando o pingente. – Qual é o truque? Pois não sei se você sabe, mas tem um ditado muito verdadeiro que fala que ninguém viaja no tempo para dar notícia boa. Você não está fazendo isso por ser uma cara legal.

Ver Caio rodopiar o pingente com descaso deixava Eros muito desconfortável, o que aumentava ainda mais o prazer de Caio de brincar com a bijuteria em sua mão.

— Eu acho que você devia confiar mais nas pessoas. Não é fácil conseguir um desses...

— Então me explica como funciona. Eu tenho que bater os calcanhares e recitar algo? Coreografia? Palavras mágicas? E o paradoxo temporal? Posso levar meu iPhone, patentear e vender pra Apple por uma fortuna?

— É a sua mente que viaja no tempo. – Respondeu, apreensivo. – Se você quer mesmo nunca ter conhecido o Alberto e apagar esse sentimento por ele, você pode fazê-lo.

— E o que acontece comigo? Eu me esqueço de tudo e vivo a minha vida? E se eu me esbarrar com ele e tudo acontecer de novo?

— Você não vai esquecer do que viveu até aqui. O que vai acontecer é que a medida que você for desfazendo as coisas, seus sentimentos irão mudando. Até não sobrar nada.

Caio parou de rodopiar o pingente. Pensou nas possibilidades. Manteve-se em silêncio por alguns segundos até que esboçou um largo sorriso.

— Então, com isso aqui vou ter mais de três anos de spoilers?

— Acredito que sim.

— Você é um safado mesmo, Eros! Você acha que eu não sei que você está fazendo? – O deus permaneceu atônito. – Você quer eu tenha todo o trabalho sujo e limpe a sua cagada!

O deus do amor olhou sério para o jovem. Não havia nenhuma veia saltitando em sua testa.

— Isso tudo é pra não me pagar? – Continuou Caio, num tom de deboche. – Acho que é a primeira vez na história em que dinheiro é mais valioso do que tempo.

— Se não quer aceitar o meu presente, basta devolver. – Disse Eros, esticando a mão para reaver o pingente. Caio o fecha em sua mão, encolhendo o braço, balançando o indicador num sinal de negativa.

— Na-na-ni-na-não. Eu não disse que não toparia. Como isso funciona?

— Você precisa de um gatilho.

— Gatilho?

— Algo que você fez no dia que você quiser voltar. Uma sensação, uma lembrança, uma música...

— Só isso? Nada de sangue, sacrifícios? Esperava ter que queimar algum livro de D&D, umas cartas de Magic the Gathering, ou talvez de Pokemon...

— Não. É só acionar um gatilho e voilà.

— E você? O seu eu do passado vai saber disso?

— Não. Só me lembrarei disso quando nos encontrarmos hoje.

— E se eu errar a data? Me ferro?

— A Lágrima tem uma salvaguarda. Você pode fazer dois "pulos". Desde que seja para o passado. Depois disso, ela vira um pingente comum. Uma bijuteria, como você diz.

Ao longe na avenida podia se ver as luzes do táxi, em sincronia com o GPS do iPhone mostrando a sua aproximação pelo aplicativo. Caio segurava o pingente, pensativo, ao mesmo tempo que encarava Eros. Não era bom com datas, mas aquela vez era especial, lembrava perfeitamente o que fazia quando tudo começou. Respirou fundo e começou a recitar...

— Te busqué en el armário, en el abecedário, debajo de el carro...

A poucos metros, o táxi já piscava as luzes, confirmando que era o carro solicitado para a corrida que levaria Caio para casa.

—...En el negro, en el blanco, en los libros de historia, en las revistas y en la radio...

A medida que o táxi se aproximava, Caio cerrou os olhos, acelerando a sua fala. Como se a chegada dele fosse o ponto de desistência daquela loucura toda.

—...Te busqué por las calles en dónde tu madre em cuadros de botero emmimonedero...

Podia ouvir ao fundo a buzina do táxi, anunciando a sua chegada.

—ENDOSMILRELIGIONESTEBUSQUÉHASTAENMISCANCIONES!!

E num piscar de olhos, o som da buzina se foi. O breve silêncio foi substituído por uma voz feminina cantando espanhol. Vindo direto das pequenas caixas de som conectadas ao seu computador. Ao abrir os olhos ele se viu em sua quitinete, em Porto Alegre. Sentado, de cuecas, em frente ao seu PC. Enquanto Shakira perguntava "Dónde estás corazón?" em um vídeo no You Tube.

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora