Sussuro Descuidado

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Quinta-feira calorosa na Lapa, no Rio de Janeiro. Foi numa conversa de bar entre amigos, que a pergunta surgiu.

Aconteceu no Boteco do Tião, um daqueles famigerados pé-sujos, com mesas invadindo a calçada, máquina de caraoquê no fundo,— onde as pessoas cantavam alegremente sucessos da nossa música popular, desses que evidenciavam uma dor de cotovelo. Sua maior modernidade era a tevê de trinta polegadas presa na parede, passando a novela das oito, que agora era das nove. Em compensação, era muito aconchegante e tinha sempre uma cerva geladinha e um dos melhores frango a passarinho da cidade. Alguns naquela mesa eram amigos de longa data, outros, mais recentes. Caio, uma das pessoas sentada à mesa, estava distraído entre um gole de Coca-Cola e um pedaço de frango a passarinho quando respondeu:

— Eu não acredito em amor.

O grupo calou-se diante da resposta, encarando o rapaz, atônitos, como se tivesse dito uma heresia ou ofendido algum ente querido. Foi Max, um de seus melhores amigos, que quebrou o silêncio, num tom de brincadeira:

— Como assim, cara? Não existe ninguém que não acredite em amor!

— Prazer, ninguém — respondeu o rapaz com um sorriso amarelo, abocanhando mais um pedaço de frango a passarinho.

Aline ajeitou os óculos de aros redondos e o olhava seriamente:

— Como assim não acredita? Em nenhum tipo de amor?

Ciente do estrago que a sua afirmação estava causando, Caio ainda tentou explicar da melhor maneira possível:

— Bom, acredito no amor dos pais pelos filhos, em amizade.... Mas....

— MAS...? — perguntou o grupo em uníssono.

— Eu não acredito que uma pessoa possa amar outra. — E pegou outro pedaço.

Aline se levantou da cadeira, bufando, sendo segurada por Carol, sua namorada (e, diga-se de passagem, a mais sensata do casal).

— Então, o que eu sinto pela Carol é uma mentira??

— Não.

— Mas você acabou de falar que uma pessoa não pode amar outra.

— Sim, mas há exceções. Vocês duas, Pedro e o Max; o....

— Talvez o errado nesse tipo de pensamento seja você — cortou Max. — E pelo que eu me lembro, você estava namorando há um tempo atrás.... Era tudo mentira, então?

Caio sabia que a conversa ia chegar nesse assunto.

— Não, mas foi um erro. Eu não procurava amor. Desde aquela época era complicado eu chegar e fazer essas coisinhas de "fofuxo, amor, sodadi".... No fim das contas eu gostava mais do sexo do que do namoro em si. E olha que o sexo não era grande coisa.

O fuzilamento visual só não era maior do que o silêncio. As veias saltavam na testa de Aline. Pedro, o namorado de Max, parecia estar a dois passos de estourar a cara de Caio com a garrafa de cerveja. Até que foi Carol, a baixinha do grupo, que quebrou o silêncio.

— Faz sentido. — Todos a encaravam com espanto. De todos naquela mesa, Carol era a que Caio tinha menos afinidade. Na verdade, achava ela bem chata, daquele tipo de pessoa que é tão fã de uma coisa que sua gama de assuntos ficava restrita àquela coisa, fosse a nova temporada de uma série ou um café temático recém-inaugurado. Com certeza, ela ia fazer uma dezena de citações a Doctor Who e....

— Desde que conheci a Aline, ela nunca falou sobre você se relacionar de verdade com alguém. Sempre disse que era um ótimo amigo, mas que evitava ter algo a mais com as pessoas.

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora