— Eu achei que tinha sido um presente. – perguntou Caio, fingindo descaso, ainda com o iPhone na mão.
— Não se faça de bobo. – retrucou Eros.
— Mas, falando sério, o que você quer com uma bijuteria velha? Eu usei os dois saltos. Ela é inútil pra você, certo?
— Você sabe o que significa se apertar o botão, não sabe? – O deus do amor exibia o controle de PS4, sorrindo. Na tela da tevê, Alberto chorava sentando numa poltrona na sala de seu apart hotel. E o cursor do 'jogo' brilhava na opção de 'Desistir de tudo'. Caio sentia que aquilo não significava boa coisa. Precisava fazer algo, mas o quê?
— Façamos assim: você desliga o jogo e conversamos. Posso pedir uma pizza, o que acha?
— Meia calabresa e meia portuguesa?
— Uma de cada, se quiser. E que tal uma doce pra sobremesa? Eu adoro a de banana com canela.
— Boa! – responde o deus do amor, visualmente empolgado. Até que ele mostra o joystick e aperta o botão, para desespero de Caio.
— Mas eu não estou com fome. – completou Eros, sorrindo.
Na tela, Alberto enxuga as lágrimas, se levanta em direção à janela da sala. Ele a abre até o máximo. Olha para a calçada, na rua. Respira fundo. Eros observa a tudo, com uma expressão sádica no rosto. E Alberto começa a escalar a borda da janela. Quando do nada o smartphone dele toca. Como que despertando de um transe, Alberto vai atende-lo. O deus do amor via aquilo com cara de incrédulo. Até ouvir uma voz do seu lado:
— Oi Alberto. É Caio. Pensei melhor sobre o que você me falou. Acho que podemos nos ver sim. Ahãm... você me busca aqui em uma hora? Perfeito. Até lá, então. – e desliga o iPhone.
Eros via tudo, mudo. Eram perceptíveis as veias em sua testa. Na tela da tevê, Alberto parecia outra pessoa. Depois de desligar o smartphone, olhou para a janela, balançou a cabeça com um sorriso, ciente da besteira que ia fazer. Fechou a janela e voltou ao quarto. Leonardo acabara de sair do banho. Alberto conversa algo com ele, que parece concordar. E o velho urso vai até o guarda-roupas e tira algumas peças. Quando Alberto está tirando o robe, a tevê se desliga. O deus do amor se vira para Caio, que exibia o seu iPhone.
— Tecnologia é uma coisa maravilhosa, não acha? Eles fazem apps para tudo. Tem até um que controla a tevê. Adoro.
Eros bufava de raiva. Caio vagarosamente se levantava do sofá.
— Bom, a pizza ainda está de pé. Embora você não mereça. Me dá dois minutinhos que eu já...
Antes mesmo que terminasse a frase, o deus estava com ambas as mãos no pescoço do rapaz pressionando-o contra a parede.
— SABE O QUE EU MAIS ODEIO EM VOCÊ?! – Vociferava o deus. O jovem tentava responder, gesticulando que Eros o estava enforcando.
– VOCÊ SEMPRE SABE O QUE DIZER!! SEMPRE-SABE-O-QUE-DIZER!!! – e joga o jovem pela sala, caindo perto do sofá, desnorteado.
— FOI ASSIM NO BAR! NO TAXI! COM ALBERTO! COMIGO!! – se aproximava lentamente, o deus do amor, que não parecia nada amável naquele momento. Caio tentava pôr as ideias em ordem. E entender o que Eros falava.
— Foi você, na Terra Prime. – disse, tentando se levantar. – Manipulou os meus amigos no bar... eu sabia, he, he!! Ninguém Se estressa tanto assim só por dizer que não acredita em amor.
— CALA A BOCA!!
— É isso que te incomoda, não é? Esses anos todos...
— ONDE ESTÁ A LÁGRIMA?! – gritava Eros, erguendo Caio com uma única mão. Ignorando completamente os gritos do deus, o jovem esboça um sorriso.
— Por que, Eros? Todo esse teatro? Todos esses joguinhos? É pessoal e intransferível?
O deus joga Caio no sofá.
— É isso que você acha? Que é especial? O diferentão? Escolhido dos deuses? O alvo de Eros? O salvador da humanidade? Eu vou dizer o que você é, rapaz... UM PIADA! Uma peça em um jogo que eu jogo desde o princípio das eras! – e continuou:
— Eu adoro ver vocês, humanos, se lamentando pelos amores perdidos, pelas paixões conquistadas... achando que encontraram suas almas gêmeas, que vai ser pra sempre. – esbravejava Eros, se aproximando de Caio.
— E lá estou eu, desfazendo os casais apaixonados. E fazendo novos! E assim o ciclo se mantém. Até que acidentes de percurso como você surgem!
— Acidentes de percurso?
— Vocês, descrentes!! Nem usando a Lágrima te fiz mudar.
— Oi?
— Ah, você acha que foi o primeiro a usá-la? – e entoa uma grande gargalhada – Eu adoro oferecer a pessoas desiludidas como você e vê-las reconstruir suas paixões, se achando especiais... únicas! Mas você, não... você fugiu como um carneirinho assustado.
— Mas foi você que falou que os dois estavam destinados!
— E só existe o Alberto nesse mundo, seu beócio? Uma pessoa normal teria partido pra outra! Mas você, não! "Ui, vou me isolar", "não quero mais saber de amar ninguém", "Alberto não me ama mais, mimimi"! – falava Eros, jocosamente.
— O que você não aceita é que eu consegui entender que não preciso ficar buscando alguém para ser feliz.
Antes que Caio continuasse seus argumentos, Eros volta a agarrá-lo com uma das mãos, desta vez pelo colarinho da sua blusa. Por mais que o jovem tentasse se libertar, era inútil diante da força do deus.
— Agora, porque você não facilita tudo e devolve a minha Lágrima de Cronos?
— S-sua Lágrima? – sussurrou o jovem.
— Moros roubou as minhas flechas para fazê-la!! E pior, deu de presente para Zeus!! Por direito ela me pertence!! Assim como as flechas do destino! E foi o que fiz, tomei o que era meu de direito!
— Grande exemplo! Então você desfaz os casais pra depois vê-los usarem a Lágrima pra refazerem suas vidas, só pra voltarem a te cultuar com mais força?? Isso tudo por uma mágoa de miguxa?
Eros volta a enforcar Caio com as duas mãos. Seus olhos estão vermelhos de puro ódio.
— Estou cansado de você e sua petulância. E já que meus poderes não funcionam em você, vou resolver isso da maneira antiga, como meu pai faria. Depois eu reviro esse local e no fim, vai parecer um assalto. Como se alguém fosse se importar com você.
Caio começava a perder os sentidos. Tentava em vão se livrar dos braços fortes de Eros, que continuava a falar:
— E sabe qual vai ser a melhor parte? Nunca mais vou ver a sua cara nessa existência.
Então, num esforço hercúleo, o jovem consegue dizer algumas palavras:
— Ne...ver...is...a...long...time. Good...bye...
— O quê?
— No...ans...wers...for...the...as...ki...ng...
— MALDITO, ESTAVA COM VOCÊ O TEMPO TO...
E Caio não ouviu mais nada.
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Caio não acredita no amor
General FictionDepois de uma desilusão amorosa, Caio decidiu não mais mais acreditar em amor. O que ele não imaginava eram as consequências dessa atitude.