Time goes by so slowly

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Estranhamente o domingo começou chuvoso, diferente do original. Desde que voltou no tempo, Caio sempre via esse tipo de coisa como mau presságio. Odiava quando encarava uma situação que imaginava que saberia como terminaria e do nada era pego de surpresa. Mas na maioria das vezes as coisas aconteciam como na Terra Prime. Exemplo: o Brasil continuou perdendo de sete a zero para a Alemanha, o que lhe rendeu uma boa grana no círculo de apostas. Até porque era um resultado tão improvável para a época. O bom disso tudo é que pode comprar diversos gadgets que na Terra Prime eram só planos, como o PS4, o iPhone 6S Plus.

"Talvez fosse uma maneira dos deuses me avisarem de que, daqui por diante, nada está escrito." – pensava com seus botões. Nesses quatro anos, mentiu muitas vezes e escondeu o que realmente pensava. Mas as consequências foram boas. Havia evitado bastante dores de cabeça. Mas, e lá dentro? Ainda não acreditava no amor, mas de uma maneira diferente. Soube evitar qualquer possibilidade de relacionamento durante esses anos. Claro que às vezes saía para algum encontro de ursos, se encontrava com alguém, mas não queria nada além de abrir umas camisas, trocar uns beijos e sexo. O medo de passar por tudo de novo ainda era forte. Admitiu pela primeira vez em anos que o amor existia. Só não funcionava com ele.

Felizmente, à tardinha o tempo limpou e tinha o mesmo céu estrelado com a lua cheia e brilhante da última vez. Combinou de pegar carona com Pedro e Max, que também levariam Carol e Aline para o casório. Para Caio, tudo seguiu conforme o script, parecendo uma reprise de um seriado antigo. A mesma senhora de antes se aproximou, avisando-o que estava na hora do discurso do padrinho. Estava mais confiante dessa vez. Seguiu até a varanda, onde os três noivos estavam abraçados. Ao seu lado estava a mesma mesa farta, cheia de docinhos, dos quais se distinguiam os cupcakes e os bem casados, cercando um grande bolo de três andares, com cobertura branca em tons dourados e no topo três bonequinhos vestidos como o Link da série The Legend of Zelda, erguendo as suas espadas para o alto, como os três mosqueteiros.

Postou-se próximo aos noivos, onde algum dos parentes lhe entregou um microfone. Retirou um papel do bolso, deu uma lida rápida, voltou a guardá-lo. Respirou fundo, deu boa noite aos noivos e aos convidados e pôs se a falar. Repetiu o mesmo discurso. Palavra por palavra. Até mesmo a piadinha com o cupido. Só que dessa vez não havia nenhum careca, barbudo, mal-humorado ali. Tampouco viu Alberto e Leonardo. Vai ver que, se estivesse na cerimônia, estavam em algum outro lugar na cobertura.

Fim do discurso. Palmas. Em seguida a 'formalização' da cerimônia, com a amiga da mãe de Marlon, que disse algumas palavras. Troca de alianças, pedaços de bolo. E Caio se encontrava num canto apreciando a paisagem da varanda. Lembrou até do medo de praia a noite.

— Foi um belo discurso, rapaz...

Seu coração se acelerou, embora tentasse disfarçar. Aquela voz rouca, porém, suave. Virou-se e deu de cara com Alberto. Não havia mudado nada desde a última vez que o viu, nessa mesma época, mas na Terra Prime. Com a vantagem que dessa vez era um perfeito estranho.

— Obrigado. – respondeu o jovem, o mais polidamente possível.

— Perdão, nem em apresentei. Alberto. – estendendo-lhe a grande mão peluda.

— Caio. Prazer.

— Você conhece os meninos há muito tempo? – Alberto apontava para os Três Marias, que conversavam animadamente com Leonardo.

— Faz uns três anos, eu acho. Mas antes disso conversávamos pela internet...

— Eu tô meio de penetra. É o meu companheiro, Leonardo, aquele junto com os três, ali, que conhece eles.

— Se vocês estão juntos, não está sendo um penetra. Quando se ama alguém de verdade não existe mais o "eu" e "ele" e sim o "nós".

— Verdade. - Alberto o fitou por alguns segundos, como se aquelas palavras lhe fossem familiares. Para o arrependimento de Caio, eram. Usou esse discurso quando estiveram juntos, em outra época e lugar. Temendo que acontecesse algo, se despediu daquele estranho conhecido e foi procurar seus amigos.

A noite seguiu conforme o planejado. O bate-papo sobre bugigangas nerds fora tão divertido quanto da primeira vez. Mas sem sinal de Eros. Só precisou discretamente manter-se longe de Alberto. Por segurança. Não tinha chegado tão longe para pôr tudo a perder no último minuto. Viu a hora e resolveu ir para casa. Recusou a carona dos amigos e lá estava na porta do prédio, esperando chegar o táxi que pediu pelo aplicativo. Dessa vez estava cantarolando Murder On The Dancefloor, da inglesa Sophie Ellis-Bextor. Era um dos seus videoclipes favoritos, em que uma dançarina, interpretada pela própria Sophie, participava de um concurso de dança e usava de alguns métodos pouco louváveis para ganhar o prêmio. Se estivesse no lugar dela, faria a mesma coisa.

– Então, Caio. – uma voz irritantemente familiar interrompia seus devaneios. Ao virar-se, deu de cara com Eros, com a sua "roupa de batalha", com kilt e tiras de couro. – Ainda não acredita no amor?

Caio se aproxima do deus e rebate com outra pergunta:

— Me diga você, filho de Afrodite e Ares, eu ainda represento ameaça para você?

O deus dá um grande sorriso.

— Não. Embora meus poderes ainda não funcionem em você, vejo que sua presença não está intoxicando as outras pessoas.

— Bom, então deu tudo certo no final. Vou sentir falta de saber das coisas. Vocês ficariam ricos lá no Olimpo com a venda dessas Lágrimas de Cronos. Ia bombar mais que o iPhone 7.

— Falando nisso, você usou os dois saltos?

— Sim. Precisei consertar um erro que tive no meio do caminho e usei o segundo salto. Nada grave, mas tudo deu certo no final. Mas e agora?

— O que que tem?

— Vai usar uma espécie de Neuralizador em mim? Ou poção do esquecimento?

— Não.

— Nossa, me senti honrado pela confiança.

— Não é uma questão de confiança. Você não é o primeiro nem o último mortal a interagir conosco. Fora que, uma coisa que aprendi a seu respeito é que você preza muito o conhecimento. TER o conhecimento. Espalhar que estamos por aí não lhe traria nenhuma vantagem.

— Verdade, a não ser que eu escrevesse uma fanfic a respeito.

A conversa foi interrompida pela buzina do Taxi. Caio cumprimentou Eros com o olhar, entrou no carro e seguiu para a sua casa.

Amanhã era um outro dia.

Caio não acredita no amorOnde histórias criam vida. Descubra agora