Dias de luta

3.2K 111 94
                                    



Se quando eu fosse criança, a lei Maria da penha já estivesse em vigor, hoje, com toda certeza, eu não estaria aqui. Não que eu ache ruim, mas sim por que tivemos que deixar tudo para trás.

Não sou uma adolescente como tantas outras, que tem um quarto decorado, pôster de famosos pendurados pelas paredes, roupas de grife ou até mesmo descoladas, não, sou uma adolescente que divide um trailer com a mãe. Isso mesmo, um trailer. Ainda lembro-me com tristeza de minha infância, mas no fundo eu sei, que a minha tristeza não é maior que a de minha mãe. Esta sim merecia um Grammy de ouro.

Meu pai era pedreiro, até aí tudo bem, o problema mesmo era quando ele bebia, se tornava um homem extremamente agressivo. Bater em minha mãe lhe parecia muito pouco, então começou a me agredir. Vivemos isso por doze anos, até que um dia, ou melhor dizendo, uma noite, ele saiu para beber, eu tinha quatorze anos, lembro-me bem daquele dia catastrófico, ele chegou de madrugada, chutando a porta e tudo que estava em seu caminho. Minha mão estava comigo em meu quarto, a porta do mesmo estava trancada, tendo a cômoda escorada em si como forma de aumentar a nossa segurança. Estúpido. Como que uma pessoa pode viver assim? Com medo dentro de sua própria residência? Humilhante. Essa era a nossa forma de viver.

Agarrada a cintura de minha progenitora, dei um grito quando meu pai começou a dar machadadas na porta, dando inicio ao nosso maior pesadelo. Quando entrou, largou o machado no chão, com pressa e raiva começou a tirar a fivela de sua calça.

- Largue ela! – ele ordenou. Porém, minha mão ignorou. Eu imaginei que ele fosse "apenas" me bater, como fizera diversas outras vezes, no entanto, a intenção era ainda pior.

- Não! – gritou em resposta, aos choros. Pude sentir suas lagrimas quentes molhando minha testa. Eu já havia apanhado tanto em meu pouco tempo de vida que, meu coro já nem sentia mais o pesar da mão dele marcando minha pele.

- Não me obrigue a bater em você! – foi só ai que eu percebi, ele estava apenas de samba canção. Tive medo. Pela primeira vez em muitos anos, eu senti medo. Ele estava ali, quase sem roupa, bêbado e fedorento, ordenado que minha mãe me deixasse a sós com ele. Ele não teria coragem, ou teria? Teria.

- Já disse que não! E nossa filha! Não se atreva! – me apertou ainda mais em seus braços finos. Ela também estava com medo.

E mesmo meu quarto estando escuro, tendo apenas a iluminação da cozinha que clareava pelas costas de meu pai, aquele homem asqueroso veio até nós e tirou minha mão de cima de mim pelos cabelos a jogando no chão. Eu gritei por socorro, ele me desferiu um tapa. Não me intimidei, apesar de estar com medo, tornei a gritar. Ele me deu soco. Com a boca sangrando, e com as mãos em seus ombros expulsando-o, eu continuei a gritar. Ele tampou minha boca. Diante disso, a única coisa que eu podia fazer era tentar morde-lo, e tentei. Com todas as forças que tinha, tentei morde-lo de uma forma que chegasse a arrancar um pedaço de sua carne, no entanto, não consegui. Meus dentes apenas deslizavam em seu palmo.

Minha mãe, que a pouco chorava, gritava e esmurrava as costas dele, haverá sumido. Quando o senti morder meu seio por cima da blusa me desesperei, minhas pernas batiam-se desordenadamente, minhas mãos estavam fechadas esmurrando aquele ser nojento que tentava a todo custo abusar de mim. De repente, sinto seu corpo gordo e pesado desabar sobre o meu, a respiração ficou dificultava. Consegui afastar meu rosto e vi o que tinha acontecido: ele estava desmaiado, minha lhe acertou com o fundo do abaju. Com muito esforço conseguimos jogar ele no chão.

Foi ai que tudo mudou, me lembro de ter ouvido o som do molho de chaves, minha mãe falando para eu pegar o "necessário" e nós entrando no trailer velho, que estava em nosso quintal estacionado.

Aquele que me possuiOnde histórias criam vida. Descubra agora