IV- Vodoo

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Acordei um tanto indisposta pela manhã. A noite fora turbulenta e tive meu tão planejado sono até mais tarde, costumeiro das manhãs de sábado, interrompido por um sonho sinistro que parecia real.

A música, o lugar, aquele cara, me fizeram ter a sensação de Deja vu.

Bobagem! Melhor esquecer.
-Pensei.-

Já que perdera o sono tão cedo, decidi que essa era uma ótima oportunidade para queimar algumas calorias, calcei os tênis, peguei os fones e o celular e cheia de coragem fui correr pelo quarteirão. Seria uma boa maneira de tirar da cabeça aquela maldita música.

Com o volume máximo, ouvindo whats up do 4 Non Blonds, me sentia quase saída de um episódio de Sense 8. Fazia frio, o que não era extraordinário para o final de junho e as ruas estavam desertas às sete da manhã.

Nada mais perfeito do que ter a rua só pra mim.
Me sentia livre. O vento fazia com que meus olhos ardessem e ressecava minha garganta.

Cem metros de corrida e eu já estava ofegante.

- Quanto sedentarismo! Desse jeito com sessenta anos vai estar de andador! - Exclamou Lorenzo  aos gritos, com um sorriso irônico nos lábios, quase me matando de susto.-

- Não acredito Lorenzo. Já a essa hora você me tirando o sossego? Ninguém merece! O que faz por aqui? - Questionei,  revirando os olhos. -

- Vim correr com você. Também te amo! - Rebateu, sorrindo. -

Lorenzo era professor de educação física e sempre fora um atleta nato.

Dava aulas na mesma escola que eu. Com boa genética, loiro alto e bonito, tinha facilidade em manter o corpo definido e seus meigos olhos castanho claros tiravam o sono da maioria das mulheres que o conheciam.

Sempre quando íamos a algum restaurante fingíamos ser um casal de namorados apaixonados, o que nos fazia rir muito, principalmente quando alguém perguntava como a gente se conhecera e inventávamos histórias mirabolantes e ridículas, quase sempre constrangedoras.

Éramos de certa forma dois encalhados convictos, devido à falta de apego e medo de compromissos que ambos tínhamos como nossa maior semelhança.  Talvez isso fizera com que nos tornássemos os melhores amigos.

Ele me apoiava em todos os momentos, ouvia minhas lamúrias nos dias de tristeza e sem noção do jeito que sempre fora, me fazia ter pelo menos um ataque de risos diário.

- Seu maldito invasor da corrida alheia, como você sabia que eu estaria correndo a essa hora da manhã, se sábado é justamente o único dia em que posso dormir até mais tarde? - Perguntei surpresa. -

-  Eu saí correr como de costume. Não esqueça que este hábito é meu senhorita e é você quem esporadicamente invade minhas corridas; mas hoje, quando passei pela rua de baixo, em frente à casa onde mora aquele velho que lê a sorte nos búzios, no qual Anna nos obrigou a acompanha-la quando o último namorado a deixou, ele estava sentado no cordão da calçada. Do mesmo jeito que no outro dia. Vestido com umas roupas estranhas e cheio de pulseiras e colares. Exalava incenso. - Explicou, um tanto confuso. -

- Ok, seu falastrão, mas o que tem a ver o velho com você ter vindo invadir o meu sossego?

- Pois é. Foi justamente ele quem disse que você estaria aqui.

- Como assim? Deixe de fazer piadas, fale sério.

-Alice, é sério, eu juro. Ouça.

- Está bem continue...

- Eu passava distraído ouvindo música, foi quando ele me jogou uma pedrinha dessas que ficam no canto da calçada.
Assim que olhei pra ele, vi que acenava me chamando. Me aproximei. Foi então que ele, com o cachimbo pendendo no canto da boca me disse:

- Está indo ao encontro de Alice, filho?

Sorri e respondi por impulso, sem ao menos me questionar como ele poderia saber seu nome:

- Não senhor. A essa hora num sábado com certeza ela está dormindo.

-Hoje você se enganou. Alice está saindo neste exato momento para correr. Se você apertar o passo ainda conseguirá encontra-la na esquina de casa, e quando isso acontecer, por favor pergunte à ela, se ela conseguiu ouvir o nome do rapaz com quem sonhou essa noite. Caso não, diga que me faça uma visita e eu lhe contarei.

Não vou negar que fiquei intrigado por um momento, porém logo percebi que era bobagem.

Então eu acelerei a corrida sem dar muita importância para o velho doido e tive um susto quando dobrei a esquina e vi que estava correndo atrás de você.

Me esforcei para te alcançar e foi quando você parou ofegante que cheguei até aqui.

- Como assim Lorenzo? Isso... é ridículo.

- Eu sei Alice, também penso assim. Ele deve ter visto você sair.

- Não. Não é a isso que me refiro. O sonho... Como ele sabe do sonho?

- Que sonho garota? Eu hein... anda tendo sonhos misteriosos agora?

- Eu iria te contar assim que agente se encontrasse. Tive um sonho muito louco com um cara em uma boate essa noite. Tinha uma música que não sai da minha cabeça tocando, ele era sexy e enigmático, um tipo inesquecível... Foi tão real que acordei sobressaltada e acho que. ..apaixonada. Sei que parece ridículo. Mas eu conheço aquele cara.

O que eu não compreendo é como o velho feiticeiro sabe... Não faz sentido.

- Elementar meu caro Watson! - disse Lorenzo, com uma expressão ridícula que mais parecia uma caricatura do Sherlock Holmes - Para tirar à limpo esta história, basta irmos até a casa do velho "vuduzeiro". - Disse dando um sorrisinho sarcástico -

- Jamais! Eu não coloco meus pés outra vez na casa daquele homem. Não me sinto bem na sua presença. Ele não é boa coisa.
- Bem, eu iria. Mas como não posso te obrigar só posso te dizer o seguinte: - Morra sem saber baby!

- Você é um curioso incurável. Vamos correr que foi para isso que saí do aconchego da minha cama. E de preferência em silêncio.

- Como queira senhorita mistério.

As Crônicas de Ostara.  Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora