XI- Rhom

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Andaluzia, dias atuais.

Após os festejos pela chegada do verão, terminávamos de organizar o acampamento, afim de que pudéssemos retomar a rotina e voltar a fabricar e vender nossos tachos, enquanto as mulheres praticavam a quiromancia pelas praças e centro da cidade.

O vento assoviava alegres melodias, cortando-nos a face, frio e impiedoso mesmo sob os raios de sol da manhã.

A pátria dos Kalderash era onde estivessem seus pés e sua fronteira estava delimitada apenas pelos costumes, que nos diferenciavam dos Gadjos.

Cresci ouvindo Bába dizer que os ciganos se reconhecem pelo cheiro, porém, basta uma ou duas palavras em Romani para terem certeza.

Nos últimos dias eu estava diferente...

Estar entre os meus sempre me bastou e me sentia em casa em qualquer lugar do mundo em que estivesse, o que importava era que houvessem sorrisos, festa, dança, comida e dinheiro, já que saúde nunca me faltara, tampouco mulheres.

Sempre busquei a mulher certa, que me fizesse perder a hora pelas manhãs e rezar para que a noite chegasse rápido e que estando entre suas pernas jamais desejaria sair.

Nunca aceitei um casamento arranjado como o da maioria de meu povo e os Rhom já comentavam sobre eu ainda estar solteiro, diziam que estava passando da hora, já que logo eu faria 33 anos.

Mas eu sentia já há meses estar próximo de encontrá-la. Aquela, cujas fitas dos cabelos me atariam as mãos quando eu morresse.

Agora minha espera passara a ter nome... Alice.

Desde o dia em que havia sonhado com ela pela primeira vez, meus pensamentos tornaram-se delírios febris que ardiam ao ver seus olhos refletidos nos meus, e eu sabia ter nascido apenas para encontrá-la e roubá-la para mim.
Precisava ir ao seu encontro.

- Que bonito Igor, sentado à sombra suspirando enquanto toda Kumpania trabalha colocando tudo em ordem. Aposto que mais da metade das suas coisas ainda estão na caminhonete. Não tem vergonha?

- Já vou Bába, parei só um minuto para beber água.

- E pensar naquela gadji impura que eu sei. Acha que sua avó é boba? Já vivi muito Igor e ninguém me engana. As cartas me disseram que você vai derramar lágrimas por causa dessa mulher e você devia me ouvir. Aprenda com os mais velhos meu filho e evite sofrer por alguém que não te merece, pela filha da mulher que nos deu às costas e nos traiu.

- Mas eu não paro de sonhar com ela Bába e meu coração bate mais forte quando penso nela. Sei que meu destino está costurado ao dela.

- Pois descosture, rasgue se for preciso. Ou escolha entre seu povo e a gadji, já que os dois jamais terá e você sabe disso. Com tanta moça bonita sonhando em se casar com você, como Samara filha de Soraia, veja só, uma morena das mais belas que já se viu por nossas andanças, não tira os olhos de você, mas você faz o que? Perde seu tempo com pensamentos tolos sobre alguém que nunca terá. Não esqueça querido, os Rhom não aceitariam perdoá-la. Desde pequeno você escutou as histórias sobre a mãe dela, e sabe o que deve acontecer à ela quando for encontrada pela Kumpania. Esse é o preço que Lolla deve pagar por ter traído os seus. Não traga desgraça à nossa família, nem desgosto à seu pai. Case-se com Samara. Ouça o que sua avó diz.

- Vou pensar Bába, prometo que vou tentar tira-la da cabeça.

- Por minha Santa Sara Kali, vai tentar e conseguir, eu sei meu filho, você é um homem criado nas nossas tradições, Igor Maximoff, confio que não vá nos decepcionar. Um Maximoff sempre coloca a família e suas raízes em primeiro lugar.

- Agora vou terminar de arrumar minhas coisas na tenda, obrigada Bába Iolanda.

-Thie Avel hertô! Que Deus te salve e te guie! - Disse minha avó, já voltando aos seus afazeres.

Há pouca distância, percebi que Samara, furtivamente não tirara os olhos de nós, na tentativa de saber sobre o que conversávamos. Ela era esperta e não desistia de nada que resolvesse fazer. Desde muito nova deixou claro estar determinada à se casar comigo, e não foram poucas as vezes que ao passar por mim nas festas dizia baixinho:

- Você será meu um dia...

Disfarçou ao ver que eu lhe encarava, desviando o olhar de serpente à espreita que me dirigia.

As palavras que Bába dissera, mexeram comigo de certa forma. Eu tentaria tirar Alice dos meus pensamentos, contudo, não acredito que conseguisse tirá-la do coração.

As Crônicas de Ostara.  Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora