O dia amanheceu cinzento e as espessas nuvens que encobriam o céu, pareciam imóveis à observar-me sair de casa.
O relógio ainda não marcava oito horas e eu já estava entrando no táxi à caminho da casa de meu pai, como de costume para aproveitarmos o máximo do tempo livre em nossas manhãs de domingo.
Seu Leo já me esperava no portão de casa, com sua xícara de café, sempre fazendo-lhe companhia e não disfarçou o largo sorriso ao me ver chegar.
Assim que pus os pés fora do carro, ele me abraçou como se não nos víssemos há meses.
- Quanto tempo meu anjinho?! Que saudades de você!
- Pai, nos vimos domingo passado! Também senti saudades. - Falei sorrindo. -
- Vá na frente, entre e deixe que eu pago o taxi e não senhora, nem pense em recusar...
-Tudo bem, não vou comprar essa briga. - Respondi birrenta, já em direção à porta de entrada da casa de meu pai. -
Ao entrar, percebi tudo metodicamente organizado, enquanto sorvi com gosto o delicioso aroma de café passado que me esperava quentinho.
A sala não era grande, porém tinha tamanho suficiente para ser ao mesmo tempo confortável e aconchegante. Os móveis eram semelhantes aos da nossa antiga casa, que haviam sido todos escolhidos por minha mãe e ele procurava manter a decoração o mais fiel que pudesse conforme ela faria.
O sofá era de madeira escura, com almofadas de couro marrom e no canto ficava uma mesinha de vidro fumê com um abajur de um tom rosa chá e alguns porta-retratos.
Havia também uma estante com muitos livros e um toca-discos que já não devia funcionar mais.
Nas janelas, grossas cortinas de linho cru que mesmo fechadas mantinham boa iluminação natural.
A casa inteira me era nostálgica e seria impossível estar lá sem lembrar-me a todo instante de minha mãe, como se sua presença fosse palpável, eu tinha impressão que logo entraria sorrindo à procura de algum livro.
- Pensativa minha menina? - Perguntou-me, interrompendo as lembranças inevitáveis que me amoleciam o espírito. -
- Pensar mantém a sanidade sabia? - Respondi, sarcástica -
- Nem sempre Alice...nem sempre. Pensar demais nos causa excesso de passado ou de futuro e acaba por roubar-nos do presente. Lembranças às vezes são boas para matar as saudades, porém, viver no presente causa menos dor e preocupação.
- Talvez tenha razão. Tenho vivido muito no passado, especialmente nos últimos dias...
- E por quê?
- O senhor não faz ideia das coisas que tem me acontecido.
- Sente-se enquanto eu busco um café pra você e logo conversaremos então...
Logo Seu Leo voltou da cozinha, com um prato de rosquinhas de milho das que eu adorava desde criança e uma fumegante xícara de café e acomodou-se ao meu lado no sofá.
Os anos e a ausência da dona Louise, Lolla, como a chamava, pesavam cada vez mais sua expressão e nos últimos meses, em que estivera sem trabalhar por ter se aposentado, me pareceu ter envelhecido um tanto mais.
Eu sempre lhe encorajei a casar-se novamente e recomeçar, mas ele sempre se recusou, alegando que só se pode amar de verdade uma vez e que seu amor sempre pertenceria à minha mãe, o que me marejava os olhos e arrancava suspiros ao ouvir, dando-me a esperança de algum dia ser amada assim.
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As Crônicas de Ostara. Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)
RomansaLivro 1 - O passado é mentira, o presente é caos e o futuro não está escrito nas linhas das mãos. Registrado na Biblioteca Nacional. Plágio é crime! Seja criativo, não copie!