I- Premonição

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- "Ela vai morrer no dia do seu aniversário."

Por mais que eu tentasse evitar, esse pensamento voltava à minha mente.

- "Sua mãe vai morrer no dia do seu aniversário. "

A voz que sussurrava, abafando meus pensamentos, era tão real que me causava calafrios quando parecia tocar meus ouvidos.

Faltavam apenas algumas horas para o dia primeiro de agosto. Dia em que faria dezessete anos.

Todas as noites, há uma semana, assim que deitava para dormir, essa voz me atormentava com a funesta mensagem que insistia em me fazer acreditar na iminente morte da minha mãe.

Louise Weiss, uma professora de literatura aposentada e amante incondicional dos livros, fez de mim a mulher que sou hoje...

Herdei dela o amor pela leitura e com ela aprendi que lendo podemos viver dentro da realidade que criarmos, numa conexão quase telepática com nossos autores favoritos.

Acabei tendo a mesma profissão que ela.

Seria impossível eu não ter escolhido a literatura...

Lembro que quando era criança, enquanto eu brincava no chão da sala com minhas bonecas, ela estava sempre ali, deitada no sofá com um livro nas mãos e seus óculos na ponta do nariz.

Essa é a primeira imagem que me vem à cabeça quando penso nela.

Quando batia a fome e eu lhe pedia algo para comer, ela carinhosamente respondia:

- "Só um minuto meu anjinho, preciso terminar este capítulo".

Com 65 anos, minha mãe, dona Louise, seguia sendo tão bonita quanto sempre fora. Seus cabelos pretos e lisos, faziam-na ter ares de mulher indiana e recém se podiam notar os primeiros fios brancos.

Todas as noites desde o início de minha adolescência, eu ia até seu quarto, onde deitadas na cama com os pés para cima, conversávamos sobre a vida e coisas de meninas até que meu pai viesse dormir.

Ela tinha a saúde perfeita.

Então porque aqueles pensamentos tão mórbidos insistiam em repetirem-se todas as noites?

Nessa época eu cursava o terceiro ano do ensino médio pela manhã e à tarde trabalhava como estagiária na Delegacia de polícia do meu bairro.

Sempre antes de ir para a escola tomávamos juntas o café da manhã e ao voltar ela me esperava com o almoço pronto.

Na manhã de primeiro de agosto do ano dois mil foi diferente.

Quando entrei na cozinha, já cheia de assuntos para pontuarmos durante o café, ela não estava lá.

Fui até seu quarto, saber o que havia acontecido e a encontrei deitada e coberta, o que seria normal no frio de agosto do sul do Brasil.

Ela me olhou com um sorriso discreto no rosto inchado por recém despertar e disse:

-Feliz aniversário meu anjinho! desculpe por não ter preparado seu café justo hoje.

-Sem problemas, não se preocupe com isso, mas o que aconteceu que ainda está na cama?

-Me sinto indisposta esta manhã. -Respondeu abatida.-

-Vou nessa então. Você vai ficar bem? - Questionei apreensiva. -

-Vá tranquila, não é nada demais.

Eu sentia o contrário.

Sabia que algo não ia bem, só não queria acreditar. Fui para a aula mesmo assim.

Tudo parecia ter voltado ao normal quando eu me concentrei na divertida aula de história que a professora Darnele fazia parecer mais um teatro.

Foi quando Edna, a vice-diretora da escola me chamou na porta da sala de aula:

-Alice, pegue suas coisas e me acompanhe.

-O que houve?

- Seu pai está lhe esperando lá fora.

Naquele momento eu já sabia o que estava acontecendo.

Rapidamente guardei meus livros na mochila e quase correndo cheguei ao pátio da escola.

De costas para a porta estava meu pai.
Com as mãos nos bolsos do casaco verde musgo que ele não tirava o inverno inteiro quando não estava no trabalho.

Percebi então que ele não usava o uniforme da loja de carros em que trabalhava como vendedor.

Notei que ele olhava para o chão e naquele instante parecia ter bem menor estatura.

De origem judaica, Leo, meu pai, era um homem grande, de quase um metro e noventa, tinha os ombros largos e o cabelo já estava quase todo branco.

Mesmo assim era bonito e chamava atenção das mulheres.
Hoje estava diferente. Parecia ter encolhido vinte centímetros.

Tinha os ombros baixos e mesmo de costas se podia notar que não estava bem.

-Pai!?

Sem dizer nada ele apenas virou-se. Quando vi seu rosto pude compreender.

Ele estava chorando...

Senti como se o chão se abrisse à meus pés e como se estivesse prestes a ser sugada para um abismo do qual não se podia ver o fim.

A verdade insistia em confrontar-me, ainda que eu me esquivasse.

-Sua mãe, Louise. Ela teve um infarto.

-Como? O que? Ela estava apenas indisposta, mas disse que não era nada serio quando eu saí pela manhã. - Balbuciei enquanto lutava brutalmente contra o turbilhão de emoções que me tomava, tentando retomar a razão. -

-Infelizmente...ela não sobreviveu.

Meu mundo acabara de desfazer-se.

Minha melhor amiga, minha confidente e companheira de todas as horas me houvera deixado.

Como eu sobreviveria à esse pesadelo? Não podia ser real.

Por que? - Me perguntava em silêncio, enquanto grossas lágrimas redesenhavam minha fisionomia... Como se eu houvesse me tornado para sempre incapaz de carregar a felicidade no olhar.-

Era meu aniversário.

Só ela lembrou.

Isso não importava. Esse era o dia que eu nunca mais queria que fosse lembrado. Era o dia que não deveria ter existido.

O pior de tudo é que a voz da minha mente, o tormento que me houvera perseguido todas essas noites insistindo em dizer que ela morreria no dia do meu aniversário, agora era assombrosamente real.

As Crônicas de Ostara.  Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora