Já passavam das 19:30 e eu ainda estava me arrumando para encontrar meus amigos no Shamrock Irish Pub. Hoje era um dia em que definitivamente eu merecia algumas cervejas. Há pouco meu pai me trouxera até em casa e após um demorado banho quente, escolhi um vestido curto preto e uma jaqueta jeans para usar.
Terminei de me maquiar, tarefa um pouco difícil já que esse não era um hábito meu, calcei um par de coturnos de couro, que não eram exatamente os sapatos mais sexys e apropriados, porém eram confortáveis e me permitiam dirigir com segurança, o que na minha opinião era prioridade.
Enquanto dava uma última olhada no espelho, soltando os cabelos que eu insistia em manter propositalmente despenteados, pude ouvir o som assustador dos primeiros trovões da tempestade que estava por vir. Decidi me apressar, já que levaria pelo menos uns vinte minutos para chegar até o bar.
Peguei minha bolsa e as chaves do carro que estavam sobre a mesa da sala de jantar e andei até o elevador, deixando que a porta batesse às minhas costas.
Durante a descida até a garagem, sozinha no elevador, confesso que senti medo dos pensamentos macabros que me ocorriam sucessivamente, obrigando-me a recordar da horrorosa aparição que pensei ter visto esta tarde.
Não tinha certeza se fora real, porém de qualquer forma me deixara perturbada e uma onda de pânico percorria minhas entranhas só por cogitar a possibilidade de que acontecesse denovo.
Uma falha na iluminação, acompanhada pelo estampido que anunciava a chegada ao subsolo me livrou ilesa dos malditos pressentimentos que vinham me tirando o sono nos últimos dias.
Caminhei até o carro, e não pude deixar de sorrir ao vê-lo estacionado ali. Um Mustang 87 vermelho pelo qual eu juntara com sacrifício centavo à centavo do meu raso salário de professora secundária para comprar. Por ser antigo, nos dias mais frios custava à dar o arranque, porém jamais me deixara na mão e para mim era como uma relíquia inestimável.
- Velharia... hum... Lorenzo não sabe mesmo que o valor das coisas quase nunca está no preço. - Disse em voz alta sorrindo ao abrir a porta e entrar no carro.
Coloquei o cinto de segurança, acomodei-me no banco e liguei o rádio, que nesse momento tocava "Stay" do U2, uma das minhas músicas preferidas.
Enquanto dirigia e cantava, novamente me peguei absorta em meus devaneios, e não podia esquecer daquele homem misterioso e intenso, cujos beijos mesmo imaginários me faziam prender a respiração. Igor... Seria mesmo seu nome se é que ele existe? - Me ocorreu...-
Sem perceber que havia rodado já tantas quadras enquanto refletia, me surpreendi ao ver que já estava em frente ao bar onde havíamos marcado de nos encontrar. Eram 20:10, ou seja, um pequeno e aceitável atraso.
Estacionei, atravessei a rua e entrei no bar, tentando ser rápida em esquivar-me dos pingos de chuva que começavam a cair, cuidando de puxar mais para baixo a barra do vestido que persistia em subir.
Ao som da música ao vivo, entrei no clima de chegada. O guitarrista da banda que se apresentava no pub, dedilhava acordes de "Nothing Else Matters" do Metallica, o que me fazia sentir que a noite estava dedicada à mim, já que essa canção embalara vários momentos importantes da minha vida.
Comprei uma cerveja que tomei quase de um gole só e revistei o lugar com os olhos à procura dos meus amigos. Sem nenhuma dificuldade avistei Lorenzo, que aos sorrisos e gestos contava alguma história, roubando a cena de todos que estavam à mesa.
- Olha quem chegou! Já estava pegando o celular para te ligar, pensei que não fosse vir... - Disse Lorenzo tomando à frente dos demais quando ameaçavam me cumprimentar. -
- E aí pessoal! Como estão?! Desculpem o atraso. - Respondi com um aceno geral não muito educado, já que alguns dos presentes eu já não via há algumas semanas. -
- Nem se pode considerar um atraso Alice! Quanto tempo?! Fico feliz que tenha vindo... - Exclamou Diego ao levantar-se e me abraçar delicadamente, fazendo com que o Carolina Herrera 212 que usava sempre em excesso, impregnasse minha roupa e meus cabelos. -
- Obrigada pelo convite. - Falei, já me desvencilhando de seus braços e buscando Anna com o olhar constrangido. -
Anna que estava ao lado de Marina e Isadora, tratou de compreender meus olhos e de um salto já me puxava pela mão convidando-me para ir até o banheiro.
- Menina você não faz idéia do quão ansioso estava Diego até você chegar. Ele praticamente não falava, enquanto Isadora não parava um segundo de puxar papo e se jogar para cima dele... Argh que garota asquerosa. Não entendo porque Lorenzo sempre à convida se sabe que ela não gosta de você. - Dizia Anna ao levar-me quase de arrasto até a porta do banheiro. -
- Deixa pra lá Anna, bobagem... Afinal todos sabem que não quero nada sério com Diego, se ela quiser ficar com ele por mim tudo bem! - Respondi dando de ombros. -
- Não quer nada com sério com o moço mas sempre acaba na cama do "hermoso" Diego Martinez... Não sei não hein... Já há mais de um ano que vocês vêm estendendo esse "casinho" que todos sabem que por ele já seria oficial e você só na enrolação, porém, não larga o " osso"... - Rebateu enquanto caçoava de mim. -
- Está bem, reconheço que gosto de ficar com ele, mas é apenas sexo. Temos muita química, mas não rola nenhum sentimento, apesar dele ser lindo e inteligente.
- Lindo, inteligente, gostoso e rico, não esqueça. E não rola sentimento da sua parte, porque ele faz questão de deixar claro que é apaixonado por você. Meu Deus porque eu não tenho essa sorte?! Já pensou se ele desiste? Você poderia morrer de arrependimento... Eu morreria! - Disse revirando os olhos. -
- Não esqueça que somos pessoas diferentes Anna. Algo me diz que não é ele o cara certo para mim...
Diego Martinez era Engenheiro Civil e já aos trinta e quatro anos era dono de uma das maiores construtoras do estado. Gentil, educado e de temperamento tranqüilo, tinha uma beleza latina herdada dos pais imigrantes mexicanos, que mudaram-se para o Brasil quando ele tinha cinco anos.
Com um par de olhos castanhos incrivelmente escuros e brilhantes e uma pele naturalmente bronzeada, poderia ter a mulher que quisesse, mas insistia em tentar me conquistar desde o dia em que nos conhecemos no aniversário de vinte e seis anos de Lorenzo. Desde então, a gente ia embora das festas juntos, saía para jantar quando ele insistia e às vezes ele aparecia de surpresa na minha casa com filmes e pizza, quando acabava dormindo lá.
Queria poder amá-lo, mas infelizmente não temos o controle sobre os nossos sentimentos e desconversei todas as investidas dele em oficializar nossa relação.
- Bom, depois não diga que não te avisei. - Concluiu Anna enquanto voltávamos à mesa.
- Já vi que essa noite vai ser longa... - Pensei. -
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As Crônicas de Ostara. Livro 1- UM CONTO DE BRUXAS (Em Revisão)
RomanceLivro 1 - O passado é mentira, o presente é caos e o futuro não está escrito nas linhas das mãos. Registrado na Biblioteca Nacional. Plágio é crime! Seja criativo, não copie!