Em uma noite fria, escura e tempestuosa, Laura, que cuidava de um orfanato em Toronto, foi até a porta quando ouviu um estranho barulho. Batidas consecutivas, e então de repente um silêncio absoluto. Estava em seu escritório escrevendo os acontecimentos do dia, como gostava de fazer, e seu coração acabou por acelerar de forma tão ligeira que pensou que fosse ter um infarto. Sentia as batidas na orelha direita, e na calada da noite, de forma forçadamente calma, caminhou até a enorme porta principal. O chão de madeira rangia a cada passada.
Pensou duas vezes antes de abri-la e fechou os olhos para conseguir escutar melhor, mas não ouviu nada mais que o som das gotas indo de encontro ao asfalto sólido. Sem fazer muito barulho, tocou a fria maçaneta redonda e girou-a delicadamente, pronta para o pior. Pegou um velho guarda-chuva, que pairava inerte em um canto lúgubre distante da porta, e o segurou com força. Ao finalmente abrir, olhou para todos os lados, esperando que alguém estivesse lá para surpreendê-la, mas tudo que encontrou foi um cesto deixado debaixo da varanda coberta. Curiosa para saber o que havia dentro, olhou e encontrou uma garotinha.
Seu rosto era iluminado apenas pela luz morna e distante da rua deserta, e seus pequenos olhos verdes brilharam de encontro aos seus. A mulher imediatamente trouxe-a para dentro, e, desde aquele dia, a pequena menina sempre morou ali.
Ashley era estranha para os outros, talvez pelo fato de ser quieta e de não gostar de ser incomodada ou apenas por ser completamente diferente do estereótipo normal que as pessoas estão acostumadas a ver. A garota sempre possuiu uma força fora do normal e guardava alguns segredos que preferia não deixar que ninguém soubesse. Sua longa madeixa vermelha, meio alaranjada, chamava atenção por onde ia, e seus olhos vívidos expressavam seu mais profundo pensamento, mesmo que seus lábios não o fizessem. Ela era como um livro aberto se quisesse ser, mas à medida que o tempo passava, se transformava lentamente na garota estranha do Orfanato. Por mais dedicada, delicada e polida que fosse, as pessoas não costumavam ver nada do que ela representava como algo bom. Principalmente as que iam ao orfanato para adotar uma criança, pois acabavam sentindo-se ameaçadas de alguma forma pelo seu jeito único de ser. Nunca pôde entender, pois para si mesma ela era apenas mais uma dentre muitos, e não o que os outros pintavam sobre a sua pessoa.
A garota acreditava piamente que nunca faria parte de lugar algum ou que um dia poderiam entendê-la, e já não tinha mais tanta esperança de ser adotada. Casais vinham, e pela janela do segundo andar, observava-os partindo com mais uma criança feliz que nunca seria ela. Por mais que Laura tentasse, a garota sempre foi uma incógnita, alguém sem passado que precisaria de muita sorte para ter um futuro. Laura a amava muito, pois a tratava como a própria filha que nunca teve. Mas frequentemente se perguntava se um dia Ashley seria adotada e, consequentemente, se seria alguém. Será mesmo que desde o nascimento teria sido destinada a nunca ser aceita?
As outras crianças costumavam zombar sempre que ela aparecia no refeitório ou nas horas vagas, onde havia diversas coisas a se fazer — xadrez, dama, peão e até pequenas bolas de vidro parecidas com o olhar intenso de um gato, que não eram tão comuns, mas com certeza divertidas. Viviam dizendo que era estranha e criavam muitas histórias sobre seu passado. Alguns até diziam que viera de outro planeta para devorá-los.
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Novael (VOL. 1) - O Conto de um Reino Perdido | EM BREVE DISPONÍVEL IMPRESSO
FantasíaNovael não é apenas a história de um Reino desconhecido para lhe manter acordado durante a noite. Não é mais uma aventura onde as coisas são previsíveis, tampouco lineares. E se o tempo envolvesse cada detalhe, e desse uma pitada de mistério à medid...