Epílogo P.2 - Realizada (FINAL)

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Foram quatro dias de coisas que só adultos faziam, mas também foram quatro dias de troca de confidências, muito amor, carinho, longe de toda a vida agitada e satisfeitos com o que o destino nos presenteou.

Jonas sempre se mostrou muito prestativo desde o dia que ele encostou o carro na calçada. Mas não revelara mais que isso, eu não sabia se ele já havia vivido no escuro, se sua vida era mesmo daquele jeito, mas esses poucos dias mostrou-me mais dele.

Não era apenas o bom samaritano, gentil, educado, um anjo que por descuido caiu do céu. Ele também tinha defeitos, e eu gostei de saber disso, nem todos carregavam sorrisos no rosto todos os dias, e ninguém era obrigado a isso.

Jonas soltou seu primeiro palavrão quando queimou-se acidentalmente ao pôr pedaços de linguiça e carne na assadeira. Eu, em alerta, corri com o coração latejando na garganta, com medo que algo perigoso tivesse acontecido, e eu estava correta em achar isso ou aquilo, o trauma só fez mudar de lugar.

- O que houve? – perguntara, o olhando com o dedo na boca.

Ele olhara feio para mim.

- Me queimei nesta bugiganga! – dissera, adoçando o olhar.

- Vem aqui. – eu desfilara até ele, tirara o dedo de sua boca e colocara na minha, ele sorriu.

- Assim a carne queimará, meu bem. – ele fechara os olhos, mantendo aquele sorriso travesso que mais ninguém sabia fazer.

Estar apaixonada era a melhor coisa que poderia acontecer na vida de uma mulher, ou na vida de qualquer outro ser humano. Não só apaixonada carnalmente, mas espiritualmente, saber que a conexão jamais seria quebrada, que um insignificante gesto alegrava o dia, apaixonar-se era muito mais que sexo, era entregar-se e sentir reciprocidade, bastava um toque para saber o que o outro sentia. Meu amor por ele crescia e se renovava a cada dia.

- Tá bem, não quero comer nada queimado. Deixemos para mais tarde. – o vento ameno do sítio açoitando nossos corpos. Esfreguei meus dedos em suas costelas e na ponta dos pés beijei demoradamente seus lábios.

- Amor. – ele falara, ainda segurando meus lábios, alertando-me de algo.

- Tudo bem, querido. – saíra, deixando um falso ar de chateação.

Esse fora um dos muitos momentos da nossa lua de mel. Passeamos pelas cachoeiras cristalinas, andamos à cavalo, tivemos piquenique à beira de um lago de onde vieram muitas histórias de quando Jonas tinha seus doze anos, ele, a irmã e muitos primos em férias escolares brincando e enchendo-se de hematomas e contusões. Os olhos claros brilhavam como faíscas enquanto contava-me boa parte de sua adolescência. Eu, por outro lado, apenas ouvia, não tinha nada a dizer sobre aquela parte escura e sem graça da minha vida. No entanto, foi de muito proveito passear ao seu lado por suas recordações.

Mas esses dois dias voaram, e estávamos nos preparando para voltar à cidade grande, e aquele ar puro da natureza esvairia, infelizmente.

Enquanto eu selecionava qual trilha sonora nos leveria à SP, Jonas organizava nossa bagunça no porta-malas do carro após certificar-se de que trancara muito bem aquela casa arejada. O aperto no coração conversava comigo, dizendo que estava na hora de realmente mudar a vida, e, por estar completamente assustada, lembrou-me de que ciclos se fechavam para que outros começassem, eu meio que já tinha pensado em algo, depois de conviver intensamente com aquele mundo de drogas e violência. Eu tinha certeza do que queria fazer, poderia não livrar todas as pessoas do caos que estávamos basicamente destinados, porém o pouco que eu faria serviria de alguma coisa. Um pequeno gesto mudava qualquer que fosse a realidade de alguém. Vejam-me: sem nenhuma perspectiva consegui encontrar alguém capaz. No meu caso nos apaixonamos, mas não havia uma regra de que precisaria se apaixonar, só bastava ser humano e ter interesse, foi o que aconteceu a mim, e eu esperava que pudesse acontecer com quem esperava por alguém.

- Voltei. – ele entrou no carro e bateu a porta, vestindo roupas frescas.

Nosso motorista havia ido embora. Jev retornara para a cidade com a limusine e voltara no mesmo dia com o carro de Jonas. Havia uma motocicleta antiga de Jonas no sítio que serviu de veículo para que Jev fosse embora de uma vez, nos deixando, finalmente, à sós.

Demos as mãos, enquanto fitávamo-nos.

- O que houve...

- Estava pensando como será a vida daqui para a frente.

- Feliz ao meu lado. Vivendo, perigosamente, ao meu lado. – sorriu.

- De uma coisa uma eu tenho certeza sobre você: não é nada perigoso, a não ser quando estamos... você sabe...

Ele beijou a minha mão.

- Eu quero um emprego, e cursar uma faculdade.

Jonas ligou o carro e seguiu a estrada de chão. Liguei o som e deixei que qualquer coisa preenchesse-nos.

- Olha, Vic. – ele disse. – O escritório está precisando de uma recepcionista. Agora que sou o um dos sócios do prédio, posso empregar algumas pessoas. Se quiser...

- Sério?! – pulei no banco. – Seria maravilhoso! Ai, eu quero, quero muito.


Anos  Depois...


Estávamos aqui quatro anos depois. A fila de autógrafos era extensa, em uma das livrarias mais populares de São Paulo.

Familiares, amigos e admiradores aguardando seu momento ao lado de Abelardo. Seu romance "Garota de Programa" ganhou alguns corações, vejam só.

Mudamos. Absolutamente. E era a única coisa importante, a mais que importante a ser ressaltada. Mudar, quando temos força de vontade e pessoas dispostas a serem âncoras importantes, é possível. Resta saber se você será capaz de motivar-se, e não deixar você mesmo destruir o que você tanto almejou.

- Mamãe. Mamãe! – Ana puxava minha mão.

- O que houve? – ela estava tão linda. Aqueles cabelos tão escuros e sedosos

- O titio está a esperando. – reclamou, olhos tão claros como os do pai.

Titio. Ri baixinho. Era engraçado ouvi-la dizer isso.

Passei tantos anos com Abel que eu não o considerava mais um primo, já éramos como irmãos.

Olhei para a frente e não me dei conta de que eu pensei demais e mal vi a fila andar.

- Está ficando velha, Vic? – ele sorriu. Tão saudável e cheio de superação.

- Tenho direitos autorais?

- Engraçadinha.

A pele tão vivida e recuperada, as maçãs ressaltadas e cabelos encaracolados muito bem hidratados presos em um coque. Segurei a emoção.

Entreguei meu exemplar a ele, esperando o autógrafo. Após ter o fotografado abraçando uma Ana que segurava o livro e se espremia ao lado dele, os olhos brilhando e um sorriso caloroso, saímos para que a fila prosseguisse.

Olhei uma última vez e ele se despediu jogando um beijo, eu devolvi.

- O que ele escreveu? – afoita, Ana tocou o meu braço, querendo muito ler cada letrinha. Depois que o Jonas começou a ler para ela antes de dormir – um hábito que aplicara em Mariana, que estava com onze anos e com um quarto cercado por livros –, essa pequena quer ler até o conteúdo da embalagem de produtos.

Encostei em alguma estante e abri a página da dedicatória.

"Com o amor mais absoluto do mundo para a menina, hoje mulher, que me ensinou a jamais desistir. Apenas isso. Muito obrigado, Vic, se um dia eu esquecer dos seus ensinamentos será por velhice, ou estarei morto. Se estou aqui hoje, agradeço única e exclusivamente a você."

Olhei-o de longe, sorrindo e dando um autógrafo atrás do outro. Vê-lo dava-me a sensação de que todos na vida tinha uma segunda chance, ou terceira, quarta, quantas fossem necessárias para cometer erros e aprender com eles.

Eu ia ficando por aqui, imaginando quais seriam os próximos capítulos da minha vida.

Finalmente eu tinha uma família.

Garota de ProgramaOnde histórias criam vida. Descubra agora