Jonas
Meu casamento estava de vez imerso na lama. Uma pena porque eu tentei de todas as formas salvá-lo, mas sofri por isso, enquanto tentava justificar os meus empecilhos, ela me traía, muito conveniente. Aproveitaria aquele jantar para deliberarmos, não passaria de hoje. Errado, eu não estava fazendo isso porque me apaixonei novamente, era mais uma questão de justiça e verdade, e não de passionalidade.
Eu não queria mesmo deixar Victória sozinha. Nossa conexão foi algo absurdo, mesmo tendo vidas explicitamente desiguais, tínhamos um elo absurdamente assustador. Nossos corpos era o encaixe perfeito, há muito eu não havia dormido tranquilamente, receando acordar à gritos e críticas. Seu perfume adocicado permaneceu comigo, fechei os olhos casual e rapidamente, absorvendo o seu aroma. Era cedo para dizer "eu a amo", mas a certeza que aquele momento aconteceria era grande.
A garotinha do sonho.
Desde o momento que vi suas órbitas vazias, os cabelos negros, era ela. Não tinha uma sensibilidade com o paranormal, o pressagio, sonhos que deveria interpretar, mas a ligação não podia ser outra coisa.
O restaurante estava aparentemente lotado. Estacionei o carro no final da rua. Travei-o percebendo o sussurrar da noite. Peguei uma jaqueta que morava no banco traseiro do carro, vesti-a e tirei o terno sujo de, digamos, prazer.
Caminhei até o restaurante. Blenda havia deixado milhares de dezenas de mensagens informando o local, e até mesmo xingando-me por nomes que prefiro deixá-los ali. Uma única árvore estendia-se pela calçada, as folhas farfalhando pelo esforço do vento frio. Espremi os braços contra o meu corpo, tentando agregar calor para compelir o frio. Não achei muito promissor um restaurante numa rua tão pouco movimentada e penumbrada. Mesmo cheio de receios do desenrolar daquele jantar, não podia me dar ao luxo de questioná-la sobre o local que levou as crianças, por mais que duas delas já fossem adolescentes, um deles emancipado.
Peguei o celular do bolso. Uma mensagem recente chegou:
"Jonas... eu sou péssima nisso, tanto em falar quanto em escrever os meus sentimentos. Só quero dizer que... farei o que for para tê-lo, mas não posso fazer isso enquanto esteja casado. Não sinta-se pressionado, sei como é o divórcio, o casamento desandado, só quero que saiba que estarei aqui quando quiser. Que besteira minha! Não precisa colocar uma aliança no meu dedo, ou dizer que me ama, só não desapareça, podemos ser bons amigos. Só não quero ser o motivo... é isso. Eu o terei se quiser, mas sua família continua sendo prioridade, tudo bem? A propósito, esse é o meu número pessoal."
A insatisfação foi esvaindo aos poucos.
Antes de deixar alguém me ver chegando, apertei a tecla para responder e digitei:
"Estou em um restaurante que desconheço. Está há dois quarteirões de onde você mora, venha me encontrar aqui. Tem um único carro preto na rua, e um único restaurante às claras. "
Enfiei o celular no bolso. Senti que havia apertado alguma tecla, mas não dei importância porquê já encarava alguém.
Estava em frente ao restaurante, completamente vazio, alguns garçons portando bandejas com pratos, copos e talheres sujos, entrando pela porta da cozinha.
- Estão aqui há muito tempo? – perguntei a um dos recepcionistas. Alto e robusto, pele bronzeada, como se pegasse um sol na praia todos os dias. Terno preto, olhar incisivo e sombrio, óculos de lentes transparentes com um ponto de ligação no ouvido. Seria um segurança? Pensei que fosse apenas um recepcionista.
Ele olhou feio para mim.
- Na verdade, senhor, a mulher está sozinha. – ele me disse. Sim, não observei bem, mas agora podia ver, meus filhos não estavam mais ali. – A menininha já dormia sobre a mesa. Então ela pediu para que o filho mais velho os levasse para casa. Estão aqui desde às oito da noite, cansaram de esperar pelo senhor, com todo o respeito. – ele amenizou a voz que encrespava algo perto do inquisitório.
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Garota de Programa
RomansaNão há nada mais precioso em uma criança que sua inocência perante as maldades do mundo. Um acontecimento lamentável acaba por tirar Victória de sua vida e a afasta da família. Anos depois, ela descobrirá que a vida lhe faz propostas irrecusáveis...