8° Capítulo - Aturdida

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Andar três quarteirões a pé é, no mínimo, desconfortável. Calçadas desniveladas, pedras maiores que as outras, insistentes em arrancar o salto alto que calçava.

Uma certa coragem minha enfrentar o frio e as ruas penumbradas, desertas, até parecia cena de filme de terror.

A todo momento vinha um arrepio repentino, e sempre olhava todos os cantos da rua para ver se havia alguém me rodeando, ou até mesmo me seguindo. Sabe aquela sensação que sufoca o peito, uma amargura questionável? Pois é, era o que definia minha inquietude.

A mensagem que recebi me colocou em perigo constante.

Alguns gatos miando e saltando de telhados fazia-me acelerar os passos.

O que li me propôs a arriscar-me um pouco, ele já teria falado com a mulher, se separado amigavelmente, eu esperava, e aguardava a minha chegada.

Eu o beijaria, correria para os seus braços, pediria infinitas desculpas, diria estar arrependida por ter falado algo tão absurdo.

As coisas na minha vida aconteceram tão rápida e instantaneamente que não parei no tempo para pensar sobre tudo que se desenrolou naquele pequeno e tão prazeroso fim de semana. Três dias atrás eu chegaria para a antiga Victória e diria "nossa, você está péssima, sua vida será curta, morrerá de invalidez". Hoje não, não mais. Amadureci tão rápido, fui tocada tão cedo, perdi boa parte de uma infância cheia de amigas para trocar confidências, dizer por quem estava apaixonada, quem balançava meu coração. Mas não, estava mais do que na hora de esquecer o passado, deixa-lo onde deveria ficar, era hora de levantar a cabeça e sorrir para a porta que se abriu.

Conhecer Jonas foi a prova de que as coisas nem sempre se encaminhavam para o lado negro, o precipício, você terá opções a escolher. Ele era atencioso, amoroso, tinha pegada (não posso negar isso, é impossível!).

A esquina do suposto restaurante se aproximou. Enquanto não chegava, o telefonema que recebi poucos minutos atrás me fez pensar um pouco. Augusto sofreu uma ligeira mudança na voz, ficou mais grossa e melódica, quase hipnótica. Imaginei-o em minha mente, mas não o vejo há muito tempo, não posso nem arriscar descrevê-lo atualmente. Seria a primeira vez, observei, que o veria depois de crescido. Nas poucas palavras que trocamos ele me disse que estava vindo ao Brasil para realizar um documentário, gravar entrevistas, e desenvolver uma distopia sobre sadomasoquismo. Isso mesmo, aquelas pessoas que sentiam prazer levando chicotadas... Na boa, eu não me via realizando esse tipo de coisa. Disse também que precisaria visitar casas com essa peculiaridade, me pediu para acompanha-lo. Então ele sabia o que eu fazia, ou pelo menos fazia até esses dias. Não seria problema, de forma alguma, um tanto interessante dividirmos esse tipo de experiência.

Augusto morava com o pai, Sr. José Fisher, apenas essa afirmação eu tinha. Tia Gertrudes não tinha muitas informações sobre o pai do filho dela. O cara era bem de vida, dono de algumas joalherias espalhadas pela Europa. Augusto ressaltou que estava vindo também para fechar contratos aqui. Não estendeu muito o lado de negócios. No final da ligação ele disse algo como um "até logo" e eu concordei "esperando sua chegada". Achei essa frase um tanto provocativa, mas saiu sem eu prestar atenção.

O alívio fluiu pelo meu corpo ao ver o carro no finalzinho da rua. Será que a conversa com a mulher ainda acontecia? Bem, se eu passar pela porta sem dar a entender que estou interessada em bisbilhotar o interior, ninguém prestará atenção.

A rua era extensa. O asfalto liso, o farol dando sinal para carros fantasmas passarem, pois não existia nada na rua. Percebia-se que era pouco habitada. Essa região aqui era bem sinistra. Os saltos tilintaram sozinhos, um eco profundo refletindo nas paredes e becos. Me afoguei ainda mais no casaco de pele que ganhei de tia Gertrudes; ela comprou na liquidação. Por mais que fosse vagabundo, empenhava um bom trabalho contra o vento que bagunçava meu cabelo e arranhava minhas pernas expostas, apenas protegidas por uma meia calça fina. Nem me dei conta que havia me vestido para fazer programa, tornou-se algo tão natural que eu executava sem perceber, virou rotina, e quando ia ver já estava sendo despida por algum homem, até me diverti com aquela lembrança, será mesmo que minha vida mudaria?

Garota de ProgramaOnde histórias criam vida. Descubra agora