4° Capítulo - Pela Primeira Vez Amada

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Chamei-o com decência, a voz um pouco rouca e perdida. Me sustentava pela porta do box de vidro.

A maçaneta da porta girou e ele apareceu com uma toalha no ombro. Veio em minha direção e envolveu-me com aquele pano seco e um pouco áspero. Fechei a toalha ao redor do meu corpo e caminhei juntamente a ele.

- Espere um pouco. – ele pediu.

Saiu de dentro do banheiro. Eu segui-o e o vi fechando as cortinas que deixavam a iluminação do dia adentrar o espaço. Só não chamei de sol porque uma garoa se iniciava, senti um frio repentino.

Agarrei ainda mais a toalha que começava a enxugar meu corpo espontaneamente. Ele voltou, com um semblante cuidadoso. Olhei-o por um momento e continuei a andar. Seu dedo tocou em algum lugar que fez um barulhinho, mas não me preocupei muito, logo percebi que era o ar condicionado que ele desligou.

- Parece que estamos enfrentando uma era glacial. – comentou.

Me sentou em um sofá reclinável e apontou para umas peças de roupas que estavam postadas ao meu lado.

- Vista-se, vou buscar uns condimentos que faltam. – o brilho eu seu olhar era encantador. – Ah, não repare nas calcinhas, não ache estranho, por favor. – ri da situação.

Ele me deixou à vontade, pela primeira vez alguém demonstrava amor, carinho, respeito, com exceção da tia Gê.

- Não se preocupe, eu entendo perfeitamente. – respondi. Comecei a me adaptar à temperatura ambiente.

Ele pousou as mãos na cintura. Depois de todo aquele acontecimento do elevador, pude observá-lo direito. A camisa branca social que vestia tinha as mangas suspensas até os cotovelos, acho que foi para não se molhar, tinha respingos de água na ponta do nariz, e os antebraços estavam com os pelos lisos totalmente molhados.

Reparei em mais um detalhe. Os olhos. Na primeira noite que os vi, achei que eram castanhos, mas havia me enganado, eram claros e belos.

A toalha me aquecia um pouco, minhas partes estavam cobertas, mas mesmo se não estivesse, ele não olharia. Eu sei que não existia o homem perfeito, o príncipe encantado disposto a tirá-la de uma torre cercada por um dragão, contudo ele era imperfeitamente associável.

- Em que tanto repara? – me questionou.

Eu olhei para outra direção, escondendo meu rosto, envergonhada.

- Nossas vidas se congestionaram de um jeito inexplicável. Eu sei que não quer nada comigo, mas o modo como aconteceu é perturbador.

- Por que pensa isso?

- Às vezes, penso demais... Coisas da vida, pensar faz parte.

- Então, vou buscar o que falei que ia buscar. – sibilou, eu escutei.

Enquanto ele saiu, aproveitei para vestir a roupa. Todas as peças caíram bem, até pareciam que foram feitas na medida certa, menos a camisa de flanela que cobriram meus braços e sobraram. Me olhei pelo espelho do escritório – acolhedor, bonito, digno – e vi alguém que não conhecia, um eu vestido de roupas compridas, cabelos naturais e molhados. Um rosto límpido, sem resquícios da forte maquiagem, aquela imagem refletia a minha infância, era apenas uma garota fantasiada de mulher, somente isso. Gostava daquela imagem, daquele olhar meigo, do jeito que a roupa cabia e me deixava com cara de uma pessoa normal.

Percebi o quão a vida podia transformar as pessoas, suas atitudes, maneiras, tudo. Eu era apenas uma garota de vinte e cinco anos com corpo de um mulherão, aquela velha inocência nunca se fora, talvez seja pelo fato dela nunca ter evoluído ao longo do tempo, talvez faltasse algo que quebrasse meu passado. Esse algo estava mais perto do que eu imaginava.

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