Capítulo 2

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  – Tatiana, nada de longas despedidas. Você verá seu irmão dentro deum mês. Desça e nos abra a porta. Sua mãe está com dor nas costas –Papai disse-lhe enquanto se preparavam para carregar as coisas de Pasha,incluindo bolsas com alimentos de reserva.– Tudo bem, Papai.O apartamento fora desenhado como um trem – um corredorcomprido com nove quartos. Havia duas cozinhas, uma na frente, outraatrás. Os banheiros e os toaletes eram ligados às cozinhas. Nos novequartos, viviam vinte e cinco pessoas. Cinco anos antes, havia trinta etrês pessoas no apartamento, mas oito haviam mudado ou morrido ou...A família de Tatiana vivia no fundo. Era melhor morar no fundo. Acozinha de trás era maior, além de ter escada para o telhado e para opátio. Tatiana gostava de usar a escada traseira, porque assim podia sairsem passar pelo quarto do louco Slavin.A cozinha de trás tinha um fogão maior e um banheiro, também maisamplo. E só três outras famílias dividiam a cozinha e o banheiro com osMetanov – os Petrovs, os Sarkovs e o louco Slavin, que nunca cozinhavanem tomava banho.Slavin não estava em casa naquele momento. Bom.Ao se dirigir à porta da frente pelo corredor, ela passou pelo telefonecoletivo. Petr Petrov usava-o, e Tatiana teve tempo de pensar comotinham sorte de que o aparelho funcionava.Uma prima de Tatiana, Marina, morava num apartamento em que otelefone quebrava o tempo todo, havia fios elétricos defeituosos. Eradifícil comunicar-se com ela, a não ser que Tatiana lhe escrevesse oufosse vê-la, coisa que não fazia com frequência, pois Marina morava dooutro lado da cidade, além do rio Neva.Ao se aproximar de Petr, ela percebeu que ele estava muito agitado.Era óbvio que esperava que se completasse uma ligação e, embora o fiofosse muito curto para que andasse, ele se mexia com o corpo inteiroparado no mesmo lugar. Petr conseguiu sua ligação bem na hora em queTatiana passava por ele no corredor estreito. Tatiana percebeu issoporque ele gritou ao telefone: 

– Luba! É você? É você, Luba?Tão inesperado e agudo foi seu grito que Tatiana pulou de perto delee bateu na parede. Recompondo-se, ela passou rápido ao seu lado e,depois, diminuindo o passo, ficou escutando.– Luba, você me ouve? A ligação está ruim. Todo mundo quer falar.Luba, volte a Leningrado! Me ouviu? A guerra começou. Recolha o queder, deixe o resto, e pegue o próximo trem. Luba! Não, não em umahora, nem amanhã: agora, entendeu? Volte imediatamente! – Brevepausa. – Esqueça nossas coisas, estou lhe dizendo! Está me ouvindo,mulher?Ao virar-se, Tatiana viu de relance o dorso rijo de Petr.– Tatiana! – Papai a olhava com uma expressão que dizia: se você nãovier aqui agora...Tatiana, porém, fazia-se de boba, queria ouvir mais. O pai gritouatravés do corredor:– Tatiana Georgievna! Venha e ajude.Como sua mãe, o pai pronunciava o nome completo da filha sóquando queria que ela soubesse que ele falava sério. Tatiana apressou-se,pensando em Petr Petrov e perguntando-se por que o irmão nãoconseguia abrir a porta sozinho.Volodya Iglenko, da mesma idade de Pasha e que iria com ele para oacampamento, desceu com os Metanovs, segurando sua própria mala eabrindo a porta. Ele era um de quatro irmãos. Ele tinha que se virarsozinho.– Pasha, me deixe mostrar a você – Tatiana disse baixinho. – É assim.Ponha a mão no trinco e empurre. A porta se abre. Você sai à rua. E elase fecha. Vamos ver se pode fazer isso.– Abra a porta, Tatiana – disse Pasha. Não vê que estou carregandominha maleta?  Na rua, ficaram parados por um momento.– Tania – disse Papai. – Pegue os cento e cinquenta rublos que eulhe dei e vá comprar alguma comida para nós. Mas não enrole comosempre. Vá já, me ouviu?– Ouvi, Papai, vou já.– Você vai voltar para a cama – Pasha bufou e sussurrou à irmã.– Vamos embora – Mamãe disse.– Sim – disse Papai. – Vamos embora, Pasha.– Até logo – disse Tatiana, tocando o braço de Pasha.Ele resmungou uma resposta e puxou-lhe os cabelos.– Arrume seu cabelo antes de sair, sim? – ele disse. – Do jeito queestá, você vai assustar as pessoas na rua.– Cale a boca – Tatiana disse brincando –, ou eu corto tudo agoramesmo.– Muito bem, vamos embora – disse Papai, cutucando Pasha.Tatiana despediu-se de Volodya, acenou à mãe, lançou um derradeiroolhar a Pasha pelas costas e subiu de novo.Deda e Babushka estavam de saída com Dasha. Iam ao banco retirarsua poupança.Tatiana ficou sozinha.Ela deu um suspiro de alívio e caiu na cama.Tatiana sabia que nascera muito tarde na família. Ela e Pasha. Deveriahaver nascido em 1917, como Dasha. Depois dela houve outras crianças,mas não por muito tempo: dois irmãos, um nascido em 1919, outro em1921, morreram de tifo. Uma menina, nascida em 1922, morreu deescarlatina em 1923. Aí, então, em 1924, enquanto Lênin morria e oNovo Plano Econômico – aquele efêmero retorno à livre iniciativa –chegava ao fim, com Stálin tramando para ampliar sua base de poder noPresidium por meio do pelotão de fuzilamento, Pasha e Tatiana nasciam,com uma diferença de sete minutos, do ventre de uma cansada mulherde vinte e cinco anos, Irina Fedorovna. A família queria Pasha, seumenino, mas Tatiana foi uma formidável surpresa. Ninguém tinha gêmeos.Quem tinha gêmeos? Quase nunca se ouvia falar de gêmeos. E não havialugar para ela. Ela e Pasha tiveram que dividir um berço em seus trêsprimeiros anos de vida. Daí em diante, Tatiana dormia com Dasha.O problema, porém, continuava – ela ocupava um valioso espaço nacama. Dasha não podia se casar porque Tania tomava o lugar onde seufuturo marido repousaria. Com frequência, Dasha dizia a Tatiana: "por suacausa vou morrer solteirona". Ao que Tatiana respondia no ato: "logo,espero. Aí então posso me casar e ter meu marido bem junto de mim nacama."Depois de graduada na escola, no mês anterior, Tatiana conseguiu umemprego; então, não teria que passar outro verão ocioso em Luga lendo,remando ou encarando aquelas brincadeiras bobas com os meninos naestrada poeirenta. Tatiana passara todos seus verões de infância nadacha da família, em Luga, e no lago Ilmen, ali perto, em Novgorod, ondesua prima Marina também tinha uma dacha com os pais.No passado, Tatiana costumava esperar com ansiedade pelos pepinosem junho, tomates em julho e talvez um pouco de framboesa emagosto, bem como colher cogumelos e amora, pescar no rio – pequenosgrandes prazeres. Este verão, contudo, seria diferente.Tatiana estava cansada de ser criança. Ao mesmo tempo não sabiacomo ser outra coisa, e por isso conseguiu um trabalho na fábrica deKirov, ao sul de Leningrado. Era quase como ser adulta. Ela agoratrabalhava e lia o jornal, balançando a cabeça em relação à França, aoMarechal Pétain, a Dunquerque, a Neville Chamberlain. Ela tentava sermuito séria, concordava com as notícias sobre as crises nos Países Baixos eno Extremo Oriente. Eram essas as concessões de Tatiana à idade adulta– Kirov e Pravda.Ela gostava de seu emprego na Kirov, a maior fábrica industrial deLeningrado e, provavelmente, de toda a União Soviética. Tatiana ouvirafalar que em algum lugar da fábrica os trabalhadores construíam tanques.

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