Capítulo 28

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  No dia seguinte, 8 de setembro, havia agitação na cidade desde manhã cedo. O rádio anunciava: "Ataque aéreo, ataque aéreo!"No hospital, Vera pegou a mão de Tatiana e exclamou:– Você ouviu esse barulho?Foram juntas para a entrada do hospital na Avenida Ligovsky, eTatiana ouviu pesados e distantes estrondos que não vinham para mais perto, só cresciam em frequência.– Verochka – Tatiana disse calmamente –, são os morteiros. Fazem esse som quando eles soltam as bombas.– Bombas?– Sim. Eles colocam essa máquina no chão, não sei bem como funciona, mas ela dispara bombas grandes, bombas pequenas, bombas explosivas, de pavio curto, pavio longo. As piores são as bombas de fragmentação – disse Tatiana. – Eles têm também essas pequenas bombas antipessoais. Disparam cem de uma vez. São letais.Vera olhou a Tatiana, que deu de ombros.– Luga. Eu não devia ter ido lá. Mas... ouça, você pode cortar fora a minha perna?Voltaram para dentro.– E se eu tirar agora o seu gesso? – Vera disse. – Acho um pouco drástico cortar fora sua perna.Era a primeira vez que Tatiana via sua perna ao longo de seis semanas. Ela quisera ter mais tempo para contemplar seu membro estranho, murcho, sem o gesso. Mas enquanto mancava ao redor, ouviu uma comoção no final do corredor, no setor de enfermagem. Todas as enfermeiras subiam as escadas, Tatiana foi mancando atrás delas. Doía-lhe a perna quando nela punha seu peso.Do telhado, viu duas formações de oito aviões voando sobre sua cabeça. Uma explosão, seguida de fogo e fumaça negra, atingira metade da cidade, bem ao longe.Está realmente acontecendo, ela pensou. Os alemães bombardeiam Leningrado. Pensei que tinha deixado tudo isso para trás, lá em Luga.Pensei que lá havia visto o pior que jamais veria. Pelo menos, pude deixar Luga e voltar à paz. Aonde posso ir agora?Tatiana sentiu um cheiro pungente de ácido e pensou: o que é isso?– Vou para casa – Tatiana disse para Vera – ficar com minha família. –Mas ela só pensava naquele cheiro.À tarde, eles souberam que os armazéns de depósito de Badayev,que supriam Leningrado de alimentos, haviam sido bombardeados pelos alemães e agora eram ruínas flamejantes.O cheiro pungente era de açúcar queimado.– Papai – perguntou Tatiana, enquanto sentavam, solenes, à mesa do jantar. – O que vai acontecer a Leningrado?Papai não tinha resposta.– O que aconteceu ao Pasha, eu suspeito.Mamãe começou a chorar.– Não fale assim! – ela exclamou. – Você assusta as crianças .Dasha, Tatiana e Marina se olharam.O bombardeio continuou até o fim da tarde. Anton chamou Tatiana e os dois subiram ao telhado. Podia parecer estranho andar sem o gesso, mas não havia nada mais estranho que a visão dos fragmentos negros e esfumaçados no céu de Leningrado. Alexander tinha razão, ela pensou. Ele tinha razão a respeito de tudo.Tudo o que ele me disse que aconteceria, está acontecendo.O coração de Tatiana encheu-se de respeito e afeto e ela fez uma anotação mental, prometendo ouvir cada palavra que ele dissesse de agora em diante, mas então sentiu-se atravessada por uma ponta de medo. Não lhe dissera Alexander que haveria uma batalha mortal nas ruas da cidade?Dimitri com sua arma, Alexander com sua granada e Tatiana com sua pedra. Não lhe dissera Alexander que comprasse comida como se ela nunca mais fosse disponível? Talvez ele exagerasse um pouco , ela pensou, algo aliviada. Não havia ele insistido que saísse da cidade, quando ele vinha ao seu encontro em Kirov?Enquanto a fumaça negra pairava como um monumento celestial sobre Leningrado, Tatiana tinha um pressentimento, como uma leve e penosa escuridão, ao pensar sobre o futuro da família .Anton, olhos expectantes, examinava o céu.– Tania! – ele exclamou. – Eu já consegui. Uma bomba caiu, uma incendiária, e eu a desarmei com isto! – ele apontou para o pedaço d epau em sua mão, cuja extremidade final estava ligada a um meio círculo de concreto que parecia um capacete de soldado. Pulando para cima e para baixo e acenando ao céu com o seu punho, Anton gritava:

– Estou pronto pra vocês, venham, venham outra vez!– Anton – disse Tatiana rindo –, você é tão louco quanto o Slavin.– Oh, muito mais louco – disse Anton, todo contente. – Ele não está no telhado, está?Tatiana podia ver incêndios na direção de Nevsky, na direção do rio.De repente, a cabeça de Mamãe surgiu na porta da escadaria, ela não se atrevia sair de corpo inteiro ao telhado. Ela gritava:– Tatiana Giorgievna! Você está louca? Desça já!– Não posso, Mamãe, estou de plantão.– Eu disse, venha! Venha já!– Eu desço em mais uma hora, Mamochka. Vá, desça.Mamãe, brava, resmungou e desceu, mas voltou dez minutos depois,com Alexander e Dimitri.Tatiana, bem no alto do telhado, sacudiu a cabeça.– O que você está fazendo, Mamãe? Trazendo reforços?– Tatiana – Alexander disse, indo em sua direção –, desça conosco.Dimitri permaneceu perto da plataforma com Mamãe.Como Tatiana não se mexeu, Alexander, franzindo o rosto, disse:– Imediatamente, Tania.– Não posso deixar o Anton sozinho aqui, não é? – ela disse suspirando.– Vou estar bem, Tania – Anton gritou, brandindo aos céus o pedaço de pau. – Estou pronto para eles.– Soldado, ponha o capacete na cabeça. – Alexander disse para Anton ao sair de lá.Lá embaixo, no quarto, Dimitri disse:– Tania, querida, você não devia ir ao telhado durante um ataque aéreo.– Bem, não faz muito sentido subir no telhado em outras ocasiões –ela respondeu levemente. – A não ser que você queira pegar um bronzeado. – Ela se afastou dele.– Você mora na cidade errada para pegar um bronzeado – fulminou Alexander. – Mas honestamente, Tania, o que você está pensando?Dimitri tem razão, sua mãe tem razão, você quer que sua família perca dois dos seus três filhos? Nem todas as bombas são incendiárias; elas não aterrissam aos seus pés sem fazer estragos, como pombas abatidas. Você se esqueceu de Luga? O que acha que acontece quando uma bomba explode no ar? A onda explosiva destroça vidro, madeira, plástico. Porque tapamos todas as janelas na cidade? O que acha que aconteceria se essa onda atingisse você?– Talvez – Tatiana disse secamente – vocês possam me tapar, talvez com uma pequena palmeira.– Deixe de brincadeiras bobas! – disse Dasha

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora