Capítulo 26

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  Na noite seguinte, depois do expediente, Tatiana encontrou a mãe gemendo no quarto, e Dasha sentada no corredor, chorando, ao seu lado uma xícara de chá. Os Metanovs acabavam de receber um telegrama do há muito extinto comando de Novgorod, informando-os de que, em 13 de julho de 1941, o trem que transportava um Pavel Metanov e centenas de outros jovens voluntários fora explodido pelos alemães. Não havia sobreviventes.Uma semana antes fui à procura dele, pensou Tatiana, andando, em passos monótonos pelos quartos. O que fazia eu no dia em que o tremd e meu irmão explodiu? Eu trabalhava, ia no bonde? Pensava uma vez pelo menos no meu irmão? Penso nele desde então. Sinto que já não esteja aqui. Querido Pasha, ela pensou. Perdemos você e nem sabíamos disso. É a perda mais triste de todas, ir em frente por algumas semanas,poucos dias, uma noite, um minuto, e achar que tudo está bem quando já ruiu a estrutura das nossas vidas. Devíamos haver guardado luto por você, mas ao invés disso fizemos planos, fomos trabalhar, sonhamos,amamos, sem saber que você já ficara para trás.Como não podíamos saber?Não houve um sinal? Sua relutância em partir? A mala feita? Não saber nada de você?Alguma coisa que pudéssemos indicar, de forma que na próxima vez possamos dizer, esperem, aqui está o sinal. Na próxima vez saberemos. E guardaremos luto desde o começo.Podíamos haver mantido você conosco mais tempo? Podíamos, todos nós, ficar mais apegados a você, e abraçá-lo mais forte, brincar no parque uma vez mais com você, assim afugentando o destino inexorável de mais alguns dias, mais alguns domingos, mais algumas tardes? Teria valido apena tê-lo mais um mês antes que você fosse levado, antes que perdêssemos você? Conhecendo seu inevitável futuro, teria valido a pena ver seu rosto outro dia, outra hora, outro minuto antes de você cintilar e ir embora? Sim.Sim, teria valido a pena, para você e para nós.Papai estava bêbado, espalhado no sofá; Mamãe limpava o sofá chorando no balde de água. Tatiana se dispôs a limpar tudo. Mamãe a empurrou. Dasha estava na cozinha, chorando, enquanto fazia o jantar.Tatiana estava tomada por um forte sentido de finalidade, uma aguda ansiedade pelos dias à frente. Qualquer coisa podia acontecer num futuro forjado pelo incompreensível presente no qual seu irmão gêmeo não mais vivia.

 – Dasha – Tatiana disse enquanto faziam o jantar –, há um mês vocême perguntou se eu achava que o Pasha ainda estava vivo, e eu disse...– Como se eu prestasse atenção em você, Tania – fulminou Dasha.– Por que você me perguntou? – Tatiana questionou, surpresa.– Achei que você ia me dar alguma resposta reconfortante,conveniente. Ouça, eu não quero falar sobre isso. Você pode não estarchocada, mas nós todos estamos.Quando veio para jantar, Alexander fez com a testa um sinal paraTatiana, que então lhe contou sobre o telegrama.Ninguém comeu o repolho com um pouco de presunto em lata queDasha havia preparado, exceto Alexander e Tatiana, que, apesar de uma tênue esperança, vinha vivendo a perda de Pasha desde Luga.Papai permaneceu no sofá; Mamãe, sentada ao seu lado, ouvia o tic-tac,tic-tac do metrônomo do rádio. Dasha foi aquecer o samovar, e Alexander e Tatiana ficaram sozinhos.Ele não disse nada, só abaixou a cabeça um pouco e olhou no rosto dela.Por um momento, os dois se olharam. – Coragem, Alexander – ela sussurrou.– Coragem, Tatiana.Ela se levantou e subiu ao telhado à procura de bombas, na fria noite de Leningrado. O verão acabava. O inverno não estava longe.  

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora