Capítulo 18

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 Tatiana pulou do trem e rolou colina abaixo sem muito esforço. Eracoisa fácil comparada ao que eles faziam em Luga, ela e os amigos, dandoum salto com corrida e caindo ofegantes nas margens duras e escarpadasdo rio cheias de cascalho. A colina gramada era positivamente suave emcomparação. Doía-lhe um pouco o ombro sobre o qual caiu.Ao encontrar o acampamento dos meninos em Dohotino abandonado, Tatiana ficou traumatizada, e durante um dia permaneceunuma das tendas do local, sem saber o que fazer. Nadou no lago ecomeu amoras. Havia trazido alguns pedaços de pão secos e tostados,mas queria guardá-los.Quando ela e o irmão eram menores, costumavam correr através dorio Luga para ver quem nadava mais rápido. Pasha era um pouco maior emais forte que Tatiana, mas não aguentava muito. Ele ganhou a primeiracorrida. E ganhou a segunda. Perdeu na terceira. Tatiana sorriu ao pensarnisso, sorriu ao lembrar de Pasha gritando de frustração, ao lembrar delaprópria vibrando de alegria.Ela ainda não ia desistir de encontrar o irmão. Tatiana imaginava que Pasha e seus companheiros haviam sido levados para trabalho voluntário em algum lugar perto de Luga. Decidiu ir para Luga procurar Pasha etalvez encontrar Zina também e convencê-la a voltar a Leningrado. Ela não queria que Zina fosse um peso em sua consciência, como era Pasha.Na manhã seguinte, contudo, quando ela estava pronta para partir,os aviões alemães bombardearam o vilarejo de Dohotino, onde Tatiana andava completamente sozinha. 

Ela correu e escondeu-se numa dascabanas, mas de repente uma pequena bomba incendiária entrou pelotelhado e torrou a parede de madeira na sua frente. Ela viu a tempo avelha lâmpada de querosene. Esqueceu tudo, correu como louca, e acasa explodiu segundos depois, incinerando a cabana, três outras ao redor e um estábulo próximo. Ela ficou sem a tenda, sem o saco de dormir, sem a mochila, sem o pão tostado.Tatiana agachou-se nos arbustos atrás das cabanas, rastejou atravésdas urtigas e escondeu-se debaixo de um carvalho caído. O bombardeio continuou sobre o vilarejo e perto de Tolmachevo durante mais uma hora. Ela podia ver as urtigas queimando, as urtigas pelas quais acabara depassar rastejando estavam queimando. As bombas caíam na floresta,queimando os galhos superiores, que vinham em chamas ao chão ondeTatiana se escondia.Eu vou morrer, ela pensou. Sozinha, neste vilarejo, debaixo de um carvalho. Nunca vão me encontrar. Quem da minha família virá à minha procura? Vou morrer aqui sozinha, no bosque, e virar musgo, e lá, naQuinta Soviética, eles abrirão outra garrafa de vodca e comerão picles edirão: um brinde à nossa Tania.Terminado o bombardeio, ela ficou mais uma hora e pouco debaixodo carvalho, só por precaução. Tinha o rosto e os braços inchados e ferroados de Urtigas. Melhor isso que as bombas. Ela se sentia agradecida por sua própria decisão em guardar no bolso da camisa o passaporte doméstico carimbado por Krasenko. Sem ele, não iria longe, seria detida numa das muitas barreiras do Exército, ou talvez num setor oficial. 

Tatiana caminhou de volta a Tolmachevo e bateu à porta de umacasa, onde pediu alguma coisa para comer. A família permitiu que ela ficasse até amanhecer. Quando ela saiu, viu um caminhão militar perto dacidade: soviéticos. Mostrou seu passaporte e pediu uma carona até Luga.O caminhão deixou-a na extremidade leste da linha de defesa de Luga,bem perto de Novgorod.No primeiro dia, Tatiana cavou em busca de batatas e depois abriu trincheiras através do campo. Como não viu grupos de meninos vestidos com os uniformes do acampamento, ela perguntou a um sargento do exército sobre os voluntários, e ele balbuciou alguma coisa sobreNovgorod.
– Os voluntários do acampamento foram mandados para lá – ele disse foi embora.Novgorod? Lago Ilmen? Era onde estava o seu Pasha? Era para lá que ela estava destinada a ir? Tatiana lavou-se um pouco no riacho e dormiu na grama perto de uma árvore.Na manhã seguinte, os aviões alemães bombardearam as batatas, as trincheiras e Tatiana.Era aterrador ver a explosão das bombas de fragmentação, que pareciam feitas para matar só a ela. Percebeu então que tinha que sair de Luga de qualquer jeito. Imaginando como iria achar o caminho até Novgorod, Tatiana perambulava através da fumaça. Nem bem pensava sobre o lago Ilmen e três soldados apareceram, perguntando-lhe se estava ferida e então ordenando-lhe que fosse com eles à tenda do hospital de campanha. Relutante, ela os acompanhou. Mais relutanteainda ficou quando descobriu o que eles queriam que ela fizesse: cuidar dos moribundos. E havia muitos morrendo. Soldados, mulheres civis,crianças do vilarejo, velhos. Todos na improvisada tenda militar, todos morrendo.Como nunca vira antes a morte de perto, Tatiana fechava os olhos equeria voltar para casa, mas não havia meia volta e nem como voltar.A milícia da NKVD guarnecia todas as entradas, pronta para manter aordem e assegurar que um voluntário como Tatiana ficasse onde devia ficar.Coração e dentes cerrados, Tatiana aprendeu a coagular ferimentos,pressionando-os com bandagens estéreis. Os ferimentos coagulavam e os feridos então morriam. O que Tatiana não podia fazer era transfusões de sangue, porque não havia nada de sangue. O que ela não podia fazer era evitar a infecção dos membros, o que ela não podia fazer era amenizar as dores nos membros. Os médicos se recusavam a dar morfina aosmoribundos, as ordens eram para administrá-la aos feridos de menor gravidade, que podiam ser enviados de volta à linha do front.Tatiana percebia que muita gente poderia haver sido salva se houvesse ali um pouco de sangue, ou um pouco daquele novo medicamento, a penicilina. No mínimo poderiam ter sido poupados da agonia de morrer sem morfina. A penetrante impotência que ela sentiuna primeira noite no hospital de campanha quase sufocou a impotência que sentia por não achar o irmão.Na manhã seguinte, um dos soldados, ferido de morte no peito,perguntou-lhe se ela era menina ou menino. 

– Sou uma menina – ela disse com tristeza.– Prove-o – ele disse. Mas antes que ela tivesse uma chance de provar, o soldado morreu.No rádio perto da tenda dos oficiais, Tatiana ouviu vozes alemãs falando russo num sotaque pesado, convidando-a para ir com eles para aAlemanha. Eles jogavam passes para ela cruzar a linha de frente, e como ela não foi, tentaram matá-la com bombas e fogo de metralhadoras. Os alemães então ficaram quietos até a noite, quando reiniciaram o bombardeio. Em meio aos ataques, Tatiana lavava os moribundos e enfaixava os seus ferimentos.Na tarde do dia seguinte, ela penetrou por um quilômetro nos campos na busca de uma batata para comer. Ouviu os aviões antes devê-los e pensou: mas ainda não é noite. Imediatamente se jogou no chão entre os arbustos baixos. Ali ficou por quinze minutos.Quando os aviões foram embora, Tatiana levantou-se e correu de volta à tenda de campanha, onde vislumbrou uma fogueira no seu lugar,com corpos carbonizados de gente que gemia, rastejando para se salvar.Centenas de voluntários sobreviventes pegaram capacetes, baldes e vasilhames, o que podiam encontrar, corriam ao rio e voltavam para ajudara apagar o fogo. Demorou três horas, bem dentro da tarde, quando houve mais bombardeio, e aí caiu a noite. Já não havia mais tendas paraos feridos. Eles ficavam no chão em cima de cobertores ou na grama,gemendo seus últimos alentos no ar de verão. Tatiana não podia ajudar ninguém. Usando um capacete verde com uma estrela vermelha, com oqual fora buscar água no rio, tudo o que podia fazer era sentar-se ao ladode uma mulher que perdera sua criança no ataque e que também estava gravemente ferida na barriga. Agora, deitada na frente de Tatiana,chorava por sua menininha. Tatiana ajustou melhor o capacete na cabeçada mulher, pegou a mão dela e a segurou até que ela parasse de chorar por sua menininha.Levantou-se então e foi para perto da linha das árvores e deitou no chão. Sou a próxima, ela pensou. Eu sinto isso. Sou a próxima.Como ela chegaria a Novgorod, a cem quilômetros a leste dali?Lavou-se e dormiu no campo com o capacete na cabeça.Quando o dia clareou, ela olhou o outro lado do rio e viu as torres e os canhões dos tanques alemães. Um cabo, que vinha dormindo por perto, juntouTatiana e alguns poucos voluntários, ordenando-lhes ir embora imediatamente e retornar à cidade de Luga.Ela puxou o cabo de lado e bem baixinho perguntou-lhe se havia uma maneira de chegar a Novgorod. O cabo a empurrou com seu rifle egritou:– Você ficou louca? Novgorod está nas mãos dos alemães!A expressão no rosto de Tatiana deteve o cabo.– Camarada, como é o seu nome? – ele perguntou de forma maisrazoável.– Tatiana Metanova.– Camarada Metanova, ouça, você é muito jovem para estar aqui.Que idade tem, quinze?– Dezessete.– Por favor. Volte a Luga imediatamente. Acho que ainda há trens militares saindo da estação de Luga para Leningrado. Você é deLeningrado?– Sim. 

– Ela não queria chorar na frente de um estranho. – Novgorod inteira está nas mãos dos alemães? – ela perguntou num tom fraco. – Eos nossos voluntários lá?– Diabos, quer parar de falar de Novgorod! – o cabo gritou. – Você não me ouviu? Não há mais soviéticos em Novgorod. E logo não haverá mais soviéticos em Luga, nem mesmo você. Faça um favor a você mesma, vá embora daqui. Me deixe ver seu passaporte.Ela mostrou-lhe o documento.Ele o devolveu e disse:– Você tem autorização de Kirov. Volte a Kirov. Vá para casa.Como ela voltaria para casa sem Pasha? Mas Tatiana não podia dizerisso ao cabo.Eram nove no grupo de Tatiana. Ela era a menor e a mais jovem.Levaram o resto do dia para caminhar através dos campos e florestas, doze quilômetros de volta a Luga. Tatiana disse que chegariama Luga bem a tempo para o bombardeio noturno. Seus companheiros,cansados, pouco caso lhe fizeram. Ela se sentiu como se estivesse de volta à sua família.O grupo chegou à estação de Luga às seis e meia e esperou o trem.O trem não veio, mas às sete horas Tatiana ouviu os aviões alemães. Os voluntários foram amontoados dentro da pequena estação, que aprincípio parecia tão segura, construída que fora com tijolos, podendo assim aguentar um pouco de bombardeio e fogo de armas.Contudo, durante o ataque, uma das mulheres ficou tão apavorada que gritou e correu para fora, onde foi estraçalhada na hora. Os outros oito viram tudo horrorizados, mas logo ficou claro que os alemães queriam arrasar a estação que os escondia. Os nazistas estavam determinados a destruir a ferrovia. Os aviões não iriam embora até que a estação não ficasse mais em pé. Tatiana, sentada no chão com os joelhos no peito,puxava o capacete verde sobre os seus olhos fechados. Ela pensava queo capacete abafaria o som da morte.A estação de trem desmoronou como papel molhado. Tatiana arrastou-se para longe das vigas e do fogo. Mas não havia nenhum lugar para ir. Através da fumaça podia sentir corpos ao seu redor. Quente e fraca, ela os apalpava com as mãos. O tiroteio vinha do lado direito daporta, mas quando uma viga metálica despencou do teto, todos os sons cessaram, tudo cessou, e não havia mais medo. Só restou arrependimento. Arrependimento por Alexander.   

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