Capítulo 33

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  – Olhem só quem eu encontrei! – Tatiana exclamou enquanto Alexander entrava atrás dela. Dasha deu um gritinho e correu para ele.Tatiana foi ferver água para o banho de Alexander. Deu-lhe sabonete,toalhas limpas e uma navalha de barba, e Alexander foi tomar o seu banho quente.– Está bem quente? – ela perguntou para ele da cozinha, fervendo mais água, só por precaução.A voz sorridente dele veio do banheiro:– Não, não está, venha, me traga outro jarro. Venha, Tania. Vermelha e sorridente, Tatiana foi e pediu a Dasha que levasse para Alexander outro jarro de água fervendo.Ele voltou ao quarto todo limpo e radiante, barba feita, bem aquecido, seu cabelo negro molhado e sedoso, seus dentes tão brancos,sua boca tão úmida que Tatiana não sabia como pôde evitar abraçá-lo.Enquanto ele vestia suas ceroulas e a camisa térmica, Dasha foi lavar o seu uniforme. Marina, Babushka e Tatiana cacarejavam ao redor dele;todas, menos Mamãe, amu/ada.Tatiana não contou a Mamãe que trazia ovos. Ela ia contar, mas quando viu que Mamãe não estava preparada para perdoar a Alexander por haver gritado com ela e Papai, Tatiana não estava preparada para dividir ovos com ela. O perdão tinha que vir antes.Alexander lhes dera um quilo de manteiga. Tatiana escondeu de baixo da bolsa de farinha, no parapeito da janela. Mamãe tomou um chá bem fraco com pão e manteiga, agradeceu a Alexander rispidamente e foi trabalhar. Babushka pegou alguns talheres, alguns candelabros de prata, algum dinheiro, velhos cobertores da cama, enfiando tudo numa bolsa enquanto ela, também, se preparava para sair.Tatiana tinha que ir para a cozinha e preparar o café da manhã, ma sela ficou no quarto sentada em silêncio olhando Alexander.– Aonde ela vai? – Alexander perguntou.– Oh, vai pela Ponte Aleksander Nevsky até Malaya Ochta – disse Dasha, de volta ao quarto. Na hora, Tatiana baixou os olhos. – Ela tem amigos lá – Dasha continuou – e troca nossas coisas por batatas e cenouras. Ela foi boa com eles quando as coisas estavam bem e agora eles são bons com ela quando as coisas não estão bem. Suas roupas vão demorar um pouco para secar – ela disse para Alexander, sorrindo.– Está bem – ele disse retribuindo o sorriso. – Não tenho que me apresentar na base por quatro dias. Estarão minhas roupas secas então?O coração de Tatiana deu pulos de alegria. Quatro dias de Alexander!– Tania, você vai fazer o café da manhã? – Dasha perguntou saindo de novo. Marina estava no outro quarto se aprontando para ir à faculdade. Alexander virou-se para Tatiana.– Tatiacha – ele disse. – Posso tomar mais um pouco de chá?No mesmo instante, ela se levantou da mesa. O que estava achando ali sentada? Ele devia estar tão cansado, tão faminto.– Claro.Ele estava sentado, fumando, suas longas pernas esticadas no chão até o sofá. Não havia espaço para Tatiana passar, e Alexander não mexia as pernas. Tatiana olhou para ele. Ele sorria.– Com licença, Alexander – Tatiana disse baixinho tentando manter uma cara bem séria.– Pule por cima – ele disse abaixando a voz. – Só não tropece.Porque então vou ter que levantar você.Tatiana, vermelha de novo, levantou os olhos e viu Marina observando-a da porta. – Com licença, Alexander – Tatiana repetiu mantendo a sua voz ofegante neutra.Relutante, Alexander mexeu as pernas.– Entre, Marina – ele disse com um suspiro. 

– Deixe-me olhar você.Como está você?Tatiana trouxe a Alexander uma xícara de chá forte e doce, como ele gostava.– Obrigado – ele disse, olhando-a.– Sempre às ordens. – Ela o olhou.– Minhas pernas ainda atrapalham?– Sim, você é muito grande para este quarto – Tatiana sussurrou.Antes que ele pudesse responder, Dasha voltou com alguns lençóis limpos.– Meninas, como vai a sua Babushka lá do outro lado do Neva? –Alexander perguntou, tomando o chá e desviando os olhos de Tatiana. Dasha dobrou os lençóis, guardou-os e disse:– Ontem, ela trouxe cinco nabos e dez batatas. Mas agora todos os pratos do casamento de Mamãe já foram embora. Depois desses candelabros, eu não sei o que ela ainda teria para vender.– Que tal esses dentes de ouro que você pegou do dentista, Dasha?– Tatiana perguntou. – Será que os agricultores gostariam de um pouco de ouro? – ela se sentou na mesa perto da parede, de costas para Dasha, os olhos em Alexander.– O que eles poderiam fazer com ouro? O que fariam com candelabros?– Ah, ter luz – Alexander disse –, ter aquecimento. Usá-los como armas contra os alemães. – Ele se virou para Tatiana. – Tania... – ele sorriu. – Onde está aquela aveia prometida? Onde estão aqueles ovos prometidos?Ouviu-se uma batida na porta da frente, e Tatiana foi atender. Era Nina Iglenko, que queria saber se elas tinham alguma comida sobrando que ela pudesse dar a Anton. Tatiana sabia que Nina tinha enormes dificuldades para sustentar o filho com uma ração de dependente, depois que ele fora atingido no telhado. Alexander saiu no hall, enorme e imponente, colocando-se ao lado dela, com seu corpo pequeno enrolada em um suéter. Com o seu braço, pressionou o braço de Tatiana e disse:– Camarada Iglenko, todo mundo recebe a mesma ração dependente, eu sinto muito, não temos nada. – Ele bateu a porta,virando-se para Tatiana. – Você não me contou que Anton se feriu no telhado.Ele ainda estava muito perto dela. Ela não somente podia cheirá-lo,respirá-lo, aspirá-lo, mas em certo momento o peito dele tocava o seu rosto.– Ele está bem – Tatiana disse num tom despreocupado, tentando mal respirar fora do ritmo. – É só um arranhão na sua perna. – Ela não queria que Alexander se preocupasse.– Tania, você sabia que todo mundo recebe a mesma quantidade da ração de dependente? – Alexander disse com firmeza dando um passo à frente e assustando Tatiana, que se encostou na chapeleira.– Ouvi falar.– Você não tem mais do que a Nina.– Eu sei. Me desculpe. Tenho que fazer o seu café da manhã. –Tatiana não podia passar outro segundo ao seu lado no estreito hallen quanto ele estava de ceroulas. Ela saiu e pegou Nina no corredor,dando-lhe um pedaço de manteiga.– Deus te abençoe, Tanechka – disse Nina. – Deus te abençoe enquanto você viver. Você verá. Ele vai lhe proteger toda a sua vida por seu bondoso coração.Tatiana voltou à cozinha e preparava ovos e aveia, quando Alexander entrou e inclinou-se contra o fogão, encarando-a.– Cuidado, você assim queima as costas – disse Tatiana sem olhar para ele. Ele nada disse a princípio, mas depois emitiu um sussurro feroz.– Tania, melhor do que ninguém eu sei quem você é. Sei o que você está fazendo.– O quê? – ela disse. – Estou fazendo aveia e ovos.Alexander pegou-lhe o queixo e virou o seu rosto para ele.– Você não pode dar a sua comida assim, entendeu? Não há o suficiente para você e sua família.Tatiana assentiu, e abriu a boca fazendo de conta que mordia o dedo dele. Alexander deixou os seus dedos no rosto de Tatiana por um momento. Tatiana fez a aveia com duas colheres de sopa de leite, um pouco de manteiga e algumas colheres de chá de açúcar e água. Ela fez o suficiente para quatro tigelas pequenas, dividindo em quatro partes desiguais, a maior para Alexander, depois para Dasha, em seguida para Marina, e a menor porção para ela. Ele trouxera vinte ovos. Com cinco deles, ela fez um mexido, com manteiga e sal. Era como se estivesse em um banquete.Alexander olhou a sua tigela e disse que não comeria. Que não ia comer nada. Dasha já terminara a sua aveia quando ele parou de falar.Marina, também. E seus ovos.Só Tatiana olhou a sua tigela enquanto Alexander olhava a sua.– O que há com vocês dois? – Dasha disse. – Alex, você precisa se alimentar mais do que ela. Você é um homem. Ela é a menorzinha. De todos nós é a que menos precisa. Agora, coma.– Sim – disse Tatiana, ainda sem levantar os olhos. – Você é um homem, eu sou a menorzinha, a que menos necessita. Agora, coma.Alexander trocou a sua tigela com a de Tatiana.– Agora, você coma – ele disse. – Eu posso conseguir comida nas barracas. Coma.Tatiana, agradecida, em segundos devorou tudo. E depois acabou com os ovos.– Oh, Alexander – Dasha disse –, como mudaram as coisas desde a última vez em que você esteve aqui. Está mais duro agora. As pessoas ficaram mais duras. Parece que agora todo mundo só pensa em si próprio.– Ela suspirou, desviando os olhos.Alexander e Tatiana, silenciosos, olharam para Dasha.– Agora só conseguimos trezentos gramas de pão por dia – ela continuou. – Quanto mais isso pode piorar?– Muito mais – disse Tatiana, poupando Alexander de uma resposta. –Isso porque logo vão acabar as nossas provisões. 

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora