Capítulo 25

88 7 0
                                    

  Pela manhã, Mamãe perguntou a Tatiana se ela estava contenteconsigo própria.– Não – Tatiana respondeu –, não particularmente.Depois que todos saíram, ela começou a se preparar para ir aohospital. Ouviu uma batida na porta e, quando abriu, ali estava Alexanderem pé, do lado de fora.– Não posso deixar você entrar – Tatiana disse apontando a ZhannaSarkova, que saiu de seu quarto e ficou no corredor com um olhardesconfiado.Por dentro, Tatiana sentiu uma mistura de ansiedade e excitação. Elanão podia deixá-lo entrar, não podia fechar a porta, não com Sarkovaobservando-os, mesmo assim...– Não se preocupe – Alexander disse, passos largos. – Eu tenho umaunidade inteira esperando por mim lá embaixo. Vamos barricar as ruas aosudeste. – Fez uma pausa. – Notícias terríveis. Mga caiu nas mãos dosalemães ontem.– Oh, não, Mga não. – Tatiana lembrou-se das palavras de Alexandersobre os trens. – O que isso significa para nós?Alexander balançou a cabeça.– É o fim. Só queria ter certeza de que você estava bem depois deontem. E... – Ele disse bem firme. – Que não iria trabalhar hoje.– Mas eu vou.– Tatia, não.– Shura, eu vou.– Não – ele levantou a voz.Olhando por trás dele, Tatiana, disse:– Quero que você saiba que aquela mulher alguma coisa vai dizer àminha família sobre esta sua visita, eu garanto isso.– É por isso que você vai me dar o meu quepe que eu deixei aquiontem. Fui multado na inspeção desta manhã. Preciso do meu quepe.Tatiana deixou a porta aberta enquanto Alexander foi para o quartopegar o seu quepe.– Por favor, não vá para o hospital – ele disse saindo para o corredor.– Alexander, estou ficando louca. Todo dia, cada dia. No hospital pelomenos eu vejo algum sofrimento real. Isso vai me animar.– Sua perna nunca vai sarar se você ficar em pé o dia todo. Vocêprecisar de mais umas duas semanas para tirar o gesso. Depois disso vátrabalhar.– Não vou ficar por outras duas semanas. O único hospital onde elesvão me colocar em duas semanas será um hospício.– Eu gostaria que Kirov não fosse na linha de frente – Alexander dissebaixinho. – Você então poderia voltar para trabalhar lá. Eu veria vocêtodos os dias. – Fez uma pausa. – Como eu costumava fazer, lembra?Se ela lembrava?O coração de Tatiana batia forte. Mas ali estava Sarkova, observandoospela sua porta aberta.– É isso. Estou cheio – Alexander murmurou, e fechou a porta.Tatiana abriu a boca e depois a fechou de novo.– Oh, não – ela disse. – Estamos cada vez mais encrencados.Ele chegou mais perto dela. Ela se afastou dele. Alexander deu outropasso na direção dela.– E o nariz?– Está bem. Não quebrou.– Como você sabe isso? – Ele chegou mais perto. Ela abriu as palmasdas mãos. 

– Shura, por favor.Ouviu-se uma batida forte na porta.– Tanechka, você está bem?– Bem, obrigada – Tatiana gritou. A maçaneta girou e Sarkova abriu aporta.– Eu só queria saber se quer que eu faça alguma coisa para vocêcomer?– Não, obrigada, Zhanna – disse Tatiana. Pondo uma cara séria.Sarkova olhou para Alexander, que se virou para Tatiana e rolou osolhos. Tatiana quase caiu na risada.– Nós já estávamos indo embora.– Oh, aonde vocês vão?– Eu vou trabalhar.– Você não vai trabalhar – Alexander sussurrou.– E o Tenente Belov vai construir barricadas.Alexander virou-se para Zhanna.– Barricadas, Camarada Sarkova – ele disse, indo na direção dela. –Você sabe o que é isso? Estruturas de quase três metros de altura equatro metros de espessura alongando-se por vinte quilômetros.Sarkova recuou até o hall.– E cada barricada é municiada com oito pontos de metralhadora, dezposições antitanques, treze posições de morteiros e 46 pontos demetralhadora.– É assim que protegemos a cidade que amamos, batendo a porta.Tatiana permaneceu atrás dele balançando a cabeça, no rosto umsorriso de satisfação.– Foi suficiente. – Ela pegou a bolsa. – Vamos embora, seu construtorde barricadas.Eles saíram trancando a porta e deixando Sarkova na cozinhacomunitária, resmungando e tomando chá.Quando a ajudava a descer as escadas, Alexander pegou na mão dela.Tatiana tentou desvencilhar-se.– Alexander!– Não.Ele a trouxe para mais perto no final da escada.Tatiana sentiu por dentro o barulho, o barulho de madeira crepitandona fogueira.– Olhe – ela disse –, vou pedir a Vera que me coloque no refeitóriodo hospital, talvez você possa vir almoçar? – ela sorriu. – Eu sirvo você.Alexander balançou a cabeça.– Embora poucas coisas me deem mais prazer que você me servindo– ele sorriu –, estaremos muito longe, ao sul, não terei como voltar atempo para o almoço.– Shura, me solta. Estamos num patamar no meu edifício...Ele não soltou as mãos de Tatiana. Ela intuiu alguma coisa eperguntou:– Está tudo bem?Alexander hesitou, e seus olhos chocolate derreteram-se em tristezasobre Tatiana.– Oh, Tania, preciso falar com você. – Ele suspirou. – Preciso falarcom você sobre o Dimitri.– O que tem ele?– Não posso agora. Preciso conversar sério com você e sozinho.Venha ao meu encontro hoje à noite em Santo Isaac.O turbulento coração de Tatiana martelava no seu peito. Santo Isaac!– Alexander, eu mal posso andar ao hospital a três quarteirões. Comovou chegar na Santo Isaac?Mas Tatiana sabia: se ela tivesse que rastejar arrastando uma perna,ela chegaria à Catedral.– Eu sei. Eu não quero que você ande tudo aquilo sem nenhumaajuda. As ruas são seguras, mas você... – Ele afagou o seu rosto. – Vocêtem um amigo que pode levá-la lá? – ele perguntou. – Não o Anton, umaamiga em quem você confie, que possa ajudá-la e deixá-la perto? Entãovocê pode andar um quarteirão ou dois sozinha.Tatiana estava calada.– E como vou voltar para casa? – ela perguntou.Alexander sorriu, trazendo-a para mais perto dele.– Como sempre – ele disse. – Eu mesmo levo você para casa.Ela fixou os olhos nos botões da farda dele.– Tania, precisamos desperadamente ter um minuto. E você sabedisso.Ela sabia.– Isso não está direito.– É a única coisa direita.– Muito bem. Vá.– Você vem?– Vou tentar. Agora, vá.– Levante seu...Antes que ele parasse de falar, Tatiana levantou o rosto para ele.Beijaram-se com paixão.– Você tem alguma ideia do que eu sinto? – Alexander sussurrou suasmãos no cabelo de Tatiana.– Não – Tatiana respondeu, nele se segurando, as pernasentorpecidas. – Eu só tenho ideia do que eu sinto.Um milagre aconteceu naquela noite: funcionava o telefone da primade Tatiana, Marina. Tatiana suplicou a Marina que a visitasse, e Marina veiopor volta das oito. Tatiana não parava de abraçá-la.– Marinka, você é a prova viva de que de fato existe um Deus nocéu. Eu precisava tanto de você – ela disse. – Onde você tem andado?– Deus não existe, você sabe disso. Onde tenho andado? – Marinadisse rindo. – Me solta. Onde você tem andado? Ouvi falar de todas assuas aventuras em Luga. – Ela piscou. – Sinto muito sobre o nosso Pasha.– Um pouco mais animada, ela disse: – Por que você está parecendo comum menino?– Eu tenho tanto para lhe contar.– Obviamente.Marina sentou-se à mesa, no quarto onde no dia anterior, à noite,Tatiana ficara atrás de Alexander.– Tem alguma coisa de comer? Estou faminta.Marina era uma menina de olhos escuros e cabelos negros e curtos,tinha quadris grandes, seios pequenos, e marcas de nascimento no rosto.Estava com dezenove anos e cursava seu segundo ano da universidadede Leningrado. Marina era a melhor amiga e confidente de Tatiana.Marina, Tatiana e Pasha haviam passado muitos dias de verão brincandoao redor de Luga e da vizinha Novgorod. Só há um ano e pouco ficaraaparente a diferença de idade entre elas. Tatiana simplesmente nãopertencia mais à turma de Marina.Tatiana, rápida, deu a Marina um pouco de pão, queijo, um pouco dechá e disse:

O Cavaleiro de Bronze Livro IOnde histórias criam vida. Descubra agora