XII

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        Minha mãe sempre teve mania de me perguntar como alguma coisa foi em uma escala de um a dez. Quando eu estava com dor ou coisas desse tipo. Às vezes ela era muito boa em ler minha mente.
Depois disso, passamos a fazer a escala de um a dez para tudo que doesse. Tipo, se eu tivesse uma simples dor de garganta, ela perguntava:
— De um a dez?
— Três ​— respondia eu, ou o que fosse.
Quando a aula acabou, saí da escola para encontrar a mamãe, que estava me esperando no portão como todos os outros pais e babás. A primeira coisa que ela me falou depois de me abraçar foi:
— Então, como foi? De um a dez? — Cinco — respondi dando de ombros, o que, posso dizer, deixou a mamãe completamente surpresa.
— Uau! — exclamou. — Foi muito melhor do que eu esperava.
— Nós vamos buscar a Gemma? — A mãe da Miranda vai buscá-la hoje. Quer que eu leve sua mochila, querido?
Tínhamos começado a caminhar por entre a multidão de pais e alunos, a maioria dos quais me observava, "discretamente" apontando para que os outros me vissem.
— Não precisa — falei.
— Parece pesada demais, Hazz.
Ela começou a tirar a mochila das minhas costas.
— Mãe! — reclamei, afastando a mochila de seu alcance e caminhando pela multidão na frente dela.
— Até amanhã, Harry! — falou o Louis, que caminhava na direção oposta.
— Tchau, Louis — respondi, acenando para ele. Assim que atravessamos a rua e estávamos longe da multidão, mamãe perguntou:
— Aquele não era um dos meninos, que apresentaram a escola, Hazz?
— É.
— Ele tem aula com você?
— Não.
Mamãe esperou que eu dissesse mais alguma coisa, mas eu não estava com vontade de conversar.
— Então foi tudo bem? — Eu sabia que ela estava com vontade de fazer um milhão de perguntas. — Todo mundo foi legal? Você gostou dos professores? — Sim.
— E as outras crianças que você conheceu na semana passada? Elas foram simpáticas?
— Foram, sim. O Louis passou bastante tempo comigo.
— Que ótimo, querido. E aquela garota, a Megan?
Pensei no comentário sobre a Forever. Parecia que tinha sido um século antes.
— Tudo bem — falei.
— E o menino louro? Qual era o nome dele?
— Niall. Mãe, já disse que todos foram legais.
— Tudo bem — respondeu ela.
Sinceramente, não sei por quê, mas eu estava meio zangado com a mamãe. Atravessamos a avenida, e ela não falou mais nada até chegarmos ao nosso quarteirão.
— Então — começou ela. — O que você e o Louis fizeram?
— A gente sentou junto no almoço.
Eu tinha começado a chutar uma pedra de um pé para o outro, como se fosse uma bola de futebol, fazendo com que ela rolasse para lá e para cá na calçada. — Ele parece muito legal.
— É, sim.
— E é muito bonito — comentou a mamãe.
— É, eu sei — respondi. — Nós somos meio que a Bela e a Fera.
  Não esperei para ver a reação dela. Simplesmente comecei a correr pela calçada atrás da pedra, que eu havia chutado para a frente o mais forte que consegui.                                           
- X -
Naquela noite, cortei um pedaço da minha franja. O papai foi o primeiro a notar.
— Que bom — disse ele. — Nunca gostei daquilo. A Gemma não conseguia acreditar que eu tinha cortado a franja.
— Levou anos para crescer — falou, quase como se estivesse zangada.
— Por que você cortou?
— Não sei — respondi.
— Alguém zoou você?
— Não.
— Você contou ao Nick que ia cortar? — Nós nem somos mais amigos!
— Isso não é verdade — disse a minha irmã. — Não acredito que você cortou a franja, assim, sem mais nem menos — acrescentou, contrariada, e saiu do meu quarto, praticamente batendo a porta.     
      Eu estava aninhado com o Dusty na minha cama quando papai veio me botar para dormir. Ele chegou Dusty para o lado com delicadeza e se deitou comigo, em cima do cobertor.
— Então, Hazz, o dia correu bem mesmo?
— Sim, superbem — falei, balançando a cabeça.
— Você passou a noite toda tão quieto... — Acho que estou cansado. — Foi um dia cheio, hein?
Fiz que sim.
— Mas correu tudo bem mesmo? — insistiu ele.
Assenti mais uma vez. Ele não disse nada, por isso, depois de alguns segundos, falei:
— Na verdade, tudo correu muito bem mesmo.
— Que ótimo ouvir isso, Hazz — disse ele baixinho, dando um beijo na minha testa. — Então parece que foi uma boa ideia, essa da mamãe, não foi? De você ir para a escola.
— Foi. Mas eu posso parar de ir se quiser, não é?
— Foi isso que combinamos — respondeu ele. — Mas acho que vai depender do seu motivo para desistir. Você terá que nos contar. Terá que conversar conosco e nos dizer como se sente e se alguma coisa ruim está acontecendo. Tudo bem? Promete que vai contar?
— Prometo.
— Então posso lhe fazer uma pergunta? Você está zangado com a mamãe? Você foi um pouco malcriado com ela a noite toda. Sabe, Hazz, sou tão culpado de mandar você para a escola quanto ela. — Não. Ela é mais culpada. Foi ideia dela. Mamãe bateu na porta bem nessa hora e colocou a cabeça para dentro do meu quarto.
— Só queria dar boa-noite — falou.
Por um instante, ela pareceu tímida.
— Oi, mamãezinha — falou meu pai, pegando minha mão e acenando para ela.
— Ouvi dizer que você cortou sua franja — comentou a mamãe, sentando na beirada da cama, ao lado do Dusty. — Não foi nada de mais — respondi depressa.
— Não falei que era — retrucou ela. — Por que você não põe o Hazz para dormir hoje? — sugeriu o papai, levantando-se. — Tenho mesmo que trabalhar um pouco. Boa noite, meu filho. — Estou muito orgulhoso de você — acrescentou ele. Meus pais sempre se revezavam para me pôr para dormir. Sei que é um pouco infantil da minha parte ainda querer que eles fizessem isso, mas era assim que as coisas funcionavam com a gente.
— Você vai dar uma olhada na Gemma? — perguntou a mamãe ao papai enquanto se deitava ao meu lado.
Ele parou junto à porta e se virou. — Algum problema com a Gemma?
— Nenhum — respondeu mamãe, dando de ombros. — Pelo menos, não que ela tenha me contado.
Mas... primeiro dia do ensino médio e tudo o mais.
— Hum... — murmurou papai, então apontou para mim e piscou. — Sempre há um problema com vocês, crianças, não é?
— Nada de tédio — disse a mamãe.
— Nada de tédio — repetiu o papai. — Boa noite, pessoal.
Assim que ele fechou a porta, a mamãe pegou o livro que vinha lendo para mim nas últimas semanas. Fiquei aliviado: estava com muito medo de que ela quisesse "conversar", porque eu não estava a fim. Mas ela também não parecia querer papo. Simplesmente passou as páginas até chegar ao ponto em que havíamos parado. Estávamos perto da metade de O Hobbit.
— "Parem! Parem!", gritou Thorin — começou a mamãe, lendo em voz alta —; mas era tarde demais, os anões, entusiasmados, tinham desperdiçado as últimas flechas, e agora os arcos que Beorn lhes tinha dado eram inúteis. "Naquela noite o grupo esteve tristonho, e a tristeza tornou-se ainda mais forte em seus corações nos dias seguintes. Tinham atravessado o rio encantado, mas, além dele, a trilha parecia continuar como antes, e na floresta não se via nenhuma mudança."
Não sei bem por quê, mas, de repente, comecei a chorar. Mamãe abaixou o livro e me abraçou. Não parecia surpresa por eu estar chorando.
— Tudo bem — disse ela baixinho em meu ouvido. — Vai ficar tudo bem.
-Desculpe — falei, entre fungadelas.
— Shhh — sussurrou mamãe, limpando minhas lágrimas com as costas da mão. — Não tem por que se desculpar...
— Por que eu tenho que ser assim, estranho, mamãe? — murmurei.
— Não, querido, você não é...
— Eu sei que sou.
Ela beijou meu rosto todo. Disse palavras gentis, que, eu sabia, eram para me ajudar, mas palavras não vão mudar meu jeito de ser.

Extraordinário|| LsOnde histórias criam vida. Descubra agora