XXIX

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       A primeira vez que nevou foi logo antes do feriado de Ação de Graças. A escola não funcionou e ganhamos mais um dia de folga. Fiquei feliz por isso, porque estava superchateado com toda a história do Harry e queria mesmo um tempo para esfriar a cabeça sem ter que encontrá-lo todos os dias. Além disso, acordar quando está nevando é uma das coisas de que mais gosto no mundo. Adoro aquela sensação de abrir os olhos pela manhã e não saber por que tudo parece diferente. Então, de repente, você entende: tudo está silencioso. Não há carros buzinando. Não há ônibus passando nas ruas. Aí você corre para a janela e, lá fora, tudo está branco: as calçadas, as árvores, os carros na rua, as vidraças. E quando isso acontece em um dia de aula e você descobre que a escola está fechada, bem, não importa quanto eu cresça: sempre vou achar que essa é a melhor sensação do mundo. E não vou ser um desses adultos que usam guarda-chuva quando está nevando — nunca.
     A escola do papai também estava fechada, então ele levou o Ernest e eu ao parque, para descer o morro do Quicksilver de trenó. Diziam que uma criança pequena havia quebrado o pescoço ao descer esse morro alguns anos antes, mas não sei se é verdade ou só uma lenda. A caminho de casa, vi um trenó de madeira destruído apoiado em um monumento. O papai falou para eu deixar aquilo lá, que era lixo, mas algo me dizia que aquele seria o melhor trenó de todos os tempos. Então ele me deixou levá-lo para casa e passei o resto do dia consertando-o. Juntei as ripas de madeira com supercola e passei uma fita adesiva bem resistente em volta delas, para reforçar. Depois pintei tudo com a tinta branca que eu havia comprado para a esfinge de alabastro de Mênfis, que estava fazendo para o projeto do Museu Egípcio. Depois que secou, escrevi RELÂMPAGO em letras douradas na tábua do meio e, em cima, desenhei um pequeno raio. Devo dizer que ficou bem profissional. O papai falou: "Uau, Louis! Você estava certo sobre o trenó!"
    No dia seguinte, voltamos para o parque com o Relâmpago. Era muito rápido — muito, muito, muito mais rápido que aqueles trenós de plástico que a gente usava. E, como a temperatura tinha aumentado, a neve estava mais úmida e estalava mais; bem boa para esquiar. Eu e Ernest nos revezamos no Relâmpago a tarde toda. Brincamos no parque até nossos dedos congelarem e os lábios ficarem meio azuis. O papai praticamente teve que nos arrastar para casa.
    Quando o fim de semana acabou, a neve já estava meio cinza e amarelada, e então uma pancada de chuva transformou quase tudo em lama. Ao voltarmos para a escola na segunda-feira, não tinha mais neve alguma.
     O primeiro dia depois do feriado foi chuvoso e nojento. Um dia enlameado. Também era assim que eu me sentia por dentro.
    Acenei e cumprimentei o Harry assim que o vi. Estávamos em frente aos armários. Ele acenou de volta e disse oi.
   Queria lhe contar sobre o Relâmpago, mas não fiz isso.

- X -

   O preceito do Sr. Browne de dezembro foi: "A sorte favorece os bravos." Todos nós devíamos escrever um parágrafo sobre algum momento em nossa vida em que tivéssemos feito algo realmente corajoso e sobre como, por causa disso, alguma coisa boa nos aconteceu.
   Para ser sincero, pensei muito. Acho que a coisa mais corajosa que já fiz foi ficar amigo do Harry. Mas é claro que eu não podia escrever sobre isso. Fiquei com medo de ter que ler em voz alta ou que o Sr. Browne pendurasse os textos no quadro de avisos, como faz de vez em quando. Então, em vez disso, escrevi um parágrafo idiota sobre como eu tinha medo do mar quando era pequeno. Ficou muito bobo, mas não consegui pensar em mais nada.
   Imagino sobre o que o Harry escreveu. Provavelmente, ele tem um monte de histórias entre as quais escolher.

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